terça-feira, 11 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23696: In Memoriam (455): Mensagens do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviadas a Mário Beja Santos, a propósito do falecimento ocorrido no passado dia 2 de Outubro do Alf Mil Paraquedista Jorge da Cunha Fernandes (JOTA) (Nuno Mira Vaz / Mário Beja Santos)

1. Mensagem do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviada a Mário Beja Santos em 7 de Outubro de 2022, a propósito do falecimento do Alf Mil Paraquedista Jorge da Cunha Fernandes (JOTA), ocorrida no passado dia dia 2 de Outubro:

Caro Mário Beja Santos

Muito lhe agradeço ter-me notificado da morte do Jota, um jovem que ficará para sempre na minha memória como um grande combatente e um excelente camarada. Depois da nossa convivência na Guiné só voltei a vê-lo uma única vez, com as tais barbas de missionário, numa romagem de saudade em Tancos. Desconheço as razões por que não voltou a essas confraternizações, pois só tinha amigos na comunidade pára-quedista.
Dos cinco oficiais dessa CCP 121, é o segundo a rumar às nuvens.

No que respeita aos comentários sobre a actuação do general Schulz como Comandante-Chefe, estou inteiramente de acordo consigo: o homem é persistentemente e injustamente desvalorizado e não vejo razão para tal.

Um abraço com muita consideração deste velho camarada de armas.
Nuno Mira Vaz

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Jorge da Cunha Fernandes (JOTA) (23/04/1942 - 02/10/2022)
Ex-Alf Mil Paraquedista da CCP 121/BCP 12, Guiné, Dezembro de 1966 – Maio de 1968


2. Nova mensagem do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviada a Mário Beja Santos, no mesmo dia, pouco depois:

Caro Mário Beja Santos

Depois de lhe enviar a MSG anterior, decidi pesquisar num livro de memórias que escrevi exclusivamente para os meus filhos, eventuais referências ao Jota.
Aqui as tem, com sincera estima e consideração

1. - A repartição dos subalternos pelas duas Companhias tinha sido acordada com o Manuel Morais durante a viagem a bordo do Manuel Alfredo: eu ficava com o Ramos, que ia na segunda comissão e que tinha sido na primeira, tal como eu, alferes da 2.ª companhia do BCP 21 em Luanda, e com o Preto, que fora meu condiscípulo no Colégio Militar. 

O Manuel escolheu em seguida os seus quatro alferes e eu completei o elenco com o Cunha Fernandes e o Américo. Este estava a acabar a comissão e foi substituído passados poucos meses pelo Taliscas. Cada um com o seu feitio, eram quatro máquinas em combate. Quatro verdadeiros “Leões”, se me é permitido estabelecer uma analogia com o indicativo de combate da CCP 121.

 Mas, por ora, o combate era travado com sacos de cimento, vigas de ferro e placas de lusalite, numa febre de construir que nos permitiu pôr de pé, num tempo recorde, as novas instalações do Batalhão. Espaço era coisa que não faltava. E cada pelotão ficou desde logo com um jardim privativo, cujo arranjo passou a ser tema de renhido concurso anual.

2. - Recordo o Quartel de Santa Luzia com a piscina de águas tão espessamente esverdeadas que nada se via a dez centímetros de profundidade, o UDIB onde passavam filmes de cowboys, a Associação Comercial com os torneios de bridge e o naipe de restaurantes e cervejarias: o Café Portugal, o Zé da Amura, o Solar do Dez e o Grande Hotel. 

Neste pontificava o gerente, o senhor Marques, ziguezagueando por entre as mesas a cativar a clientela. O Jantar da Casa custava na altura 65 escudos e dava direito a repetir os pratos. Isto até o dia em que o Cunha Fernandes e o Taliscas, entretanto tornados clientes habituais, se sentiram acometidos por um apetite especialmente devorador. 

Cansado de ver passar travessas com repetição para a mesa dos dois alferes, o Marques decidiu interpelá-los. Delicadamente mas com inquebrantável veemência, fez-lhes ver que, embora fosse timbre do Grande Hotel a repetição dos pratos do Menu, fazê-lo tantas vezes era absolutamente incomportável. Os nossos alferes não se desmancharam. Deram-lhe razão e, daí para o futuro, de cada vez que iam comer ao Grande Hotel, mandavam servir quatro jantares da casa: tendo em conta o que comiam, ainda compensava largamente.

3. - Nada, mas nada, nos faz suspeitar de que um vulto negro está prestes a saltar para a picada para disparar uma granada de bazooka e sumir-se de imediato no arvoredo. Lançados ao chão pela violência da explosão, os homens da 1.ª secção mal têm tempo de ver o corpo do Galego revolutear no ar como um boneco de palha antes de cair inerme. Gatinhamos a procurar abrigo, enquanto o inimigo atira com meia dúzia de armas automáticas e as bazookadas explodem de cinco em cinco segundos. O sargento Serigado, a comandar o 1.º pelotão, faz manobrar os seus homens com uma calma olímpica.

Entretanto, a metralhadora da secção do André encravou. Da frente, reclamam aos gritos outra arma. Não decorreram sequer dez segundos quando o alferes Cunha Fernandes passa por mim acompanhado por um apontador de metralhadora do seu pelotão. 

Naquele exacto momento, nova bazookada estoira na árvore por cima de nós, partindo uma pernada que cai sobre o alferes e o soldado. Felizmente, os estragos resumem-se a uns míseros arranhões que não os impedem de se levantar rapidamente e de continuar a correr. Daí a pouco, já se ouve o rugir furioso da MG-42 na frente da Companhia.

4. - (Operação Ciclone II, 25Fev1968 no Cantanhez, a tal que destroçou por completo um bigrupo do PAIGC):

Entretanto, desembarcou o 4.º pelotão, do alferes Cunha Fernandes, um “maçarico” que em nada desmerecia dos “veteranos” e a quem mandei explorar a orla da mata para Leste, na direcção de Cafal, a fim de estabelecer ligação com a CCP 122.

Nuno Mira Vaz

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Notas do editor:

Vd. poste de 6 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23678: In Memoriam (454): Jorge da Cunha Fernandes (23/4/1942 - 02/10/2022), ex-Alf Mil Paraquedista da CCP 121/BCP 12 (Guiné, 1966/68) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Já aqui tenho faldo do João Marcelino, lourinhanse de adoção, a quem já convidei há anos para integrar o nosso blogue: foi alf mil, de rendição individual, na CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)... E os nossos pais foram camaradas de armas no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde. e 1941/43...

Ele fez anos no passado sábado, e hoje juntava os "amigos do golfe" para o almoço de aniversário (onde estará presente o nosso amigo comum, e camarada, o ex-alf mil Jaime Silva, BCP 21, Angola, 1970/72).

Por telemóvel, dei-lhe os parabéns atrasados. E ele, que visita o nosso blogue com regularidade, falou-me da notícia, que o abalou, da morte do Jorge da Cunha Fernandes, o "Jota", de quem era amigo do peito.

Ficou de me mandar umas fotos do "Jota", para mostrar ao Beja Santos. Ele, João Mareclino, e o "Jota" estiveram juntos em diversas atividades desportivas e, pelo que eu percebi, numa associação ligada ao "windsurf"... O "Jota" trabalhou no Centro Nacional de Pensões. O João Marcelino também conhece bem o Beja Santos.

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Jo%C3%A3o%20Marcelino

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Nuno Mira Vaz, que nem sequer é membro (registado...) da Tabanca Grande (embora eu já o enha convidado, convite que ele educadamente declinou), cumpriu o seu dever de camaradagem, associando-se às manifestações de pesar pela morte do seu antigo alferes, da CPP 121 (Brá, 1966/68), o Jota Cunha Fernandes.

Apreciei muito o seu gesto, coronel!