sexta-feira, 19 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25761: Notas de leitura (1710): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1868 e 1869) (12) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
É um tanto intrigante a omissão a quaisquer referências dos problemas graves havidos nos Estabelecimentos da Guiné e Cacheu por este tempo, é sabido que os franceses tudo fazem para afastar a presença portuguesa não só do rio Casamansa como das proximidades, os britânicos não escondem os seus apetites pelos Bijagós e o Rio Grande de Bolola, das informações do Governador da Guiné à cidade da Praia numa só palavra, na ordem do dia, por este tempo de 1868 até 1869 temos a cristianização do rei e das populações de Bolor, a devastação da epidemia da febre amarela, dão-se sempre informações serenas sobre a vida comercial e as relações com os povos da Guiné só conhecem pequenos e momentâneos atritos. Fica-nos a sensação de que há neste tipo de comunicações oficiais um jogo de ilusões, diz-se o mínimo e assim se evita toda a verdade sobre as sublevações e uma tensão quase permanente, não só a que vem do exterior mas a do relacionamento entre as autoridades portuguesas e os poderes dos régulos. Vamos ver que surpresas temos pela frente, ainda faltam 10 anos para se chegar à consagração da autonomia da Guiné face a Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos de 1868 e 1869) (12)


Mário Beja Santos

Não se consegue encontrar resposta para o silêncio total à volta das questões graves que afetavam ao tempo a região do Casamansa, nunca se fala da questão de Bolama, a época é dominada pela febre amarela, epidemia que não se confina a Cabo Verde e abalou tremendamente a Guiné. Voltando a 1868, no Boletim Official n.º 16, de 18 de abril, vem a publicação da 2.ª Direção, 2.ª Repartição, do Ministério dos Negócios da Marinha e do Ultramar, o seguinte:
“Tendo-se convertido à região católica a tribo gentílica de Bolor, e sendo necessário estabelecer naquela povoação uma paróquia onde os seus habitantes possam cumprir as obrigações religiosas: hei por bem, tendo ouvido o Reverendo Bispo da Diocese, o Conselho Ultramarino e os ministros, decretar a criação de uma freguesia na aldeia de Bolor; a igreja paroquial que se deve levantar em Bolor terá a invocação de S. Francisco Xavier.”
Na mesma data, pela portaria n.º 66, determina o Governador Geral:
“Constando por participações oficiais recebidas da Guiné passar ali a epidemia da febre amarela, hei por conveniente nomear José Fernandes da Silva Leão, Cirurgião-Mor, que espontaneamente se ofereceu para seguir para Bissau a fim de ali prestar os valiosos auxílios da sua profissão.”

No Boletim Official n.º 20, 16 de maio, consta o relatório apresentado por Sua Excelência o Governador Geral, José Guedes de Carvalho e Menezes, à Junta Geral do Distrito, extrai-se o referente à Guiné:
“Na Guiné, segundo as últimas participações oficiais com data de 30 de março, tinham aparecido em Bissau alguns casos de febre amarela, da qual havia falecido no dia 23 do mesmo mês o governador daquela Possessão, o Major do Corpo de Engenheiros Bernardo João Moreira, perda que eu muito lamento, porque pela sua ilustração e mais qualidades de que era dotado, esperava eu que de muito proveito e vantagem fosse a sua administração para aquele distrito.
Logo que aqui chegou tão deplorável notícia, seguiu para Bissau no palhabote D. Luís o Cirurgião-Mor da Província, José Fernandes da Silva Leão, e o facultativo do quadro de serviço de saúde José Martins da Vera-Cruz, para prestarem o valioso auxílio da sua profissão naquele ponto. A ordem e tranquilidade pública têm sido sempre mantidas em toda a província. Por uma política enérgica, mas prudente, na conformidade das instruções que tenho dado aos governadores da Guiné, temos sempre vivido em paz, boas relações de amizade e trato comercial com as diversas tribos gentílicas daquela região, sendo apenas momentaneamente interrompidas por ocasião de darmos proteção ao rei de Ganadu e a alguns Futa-Fulas que no-la pediram e se acolheram ao nosso presídio de Geba; e nos princípios do ano próximo findo, em resultado de desavenças entre comerciantes e gentios do chão de Geba. Preparando-se estes para atacar o presídio, foram vigorosamente repelidos e batidos chegando por essa ocasião a Bissau uma força de 60 e tal tantos homens, que daqui fiz partir no iate S. Pedro, solicitaram eles a paz, que se efetuou, e ficaram restabelecidas as antigas relações de amizade. Em Cacheu fez-se a paz com o gentio de Churo, aquele com quem a Praça mais comerceia, e que desde a guerra de 1861, se havia sempre a isso recusado, conquanto não usasse as hostilidades para connosco. O rei e gentios do chão de Badora, com os quais também estavam interrompidas as relações desde a guerra que com ele tivemos em 1861, solicitaram a paz ultimamente, vindo para esse fim a Bissau um filho do rei e alguns grandes daquele território. O rei e a tribo gentílica de Bolor converteram-se ao cristianismo (e o governador dá conta das diligências efetuadas do lado português)."

Passa-se agora para o Boletim Official n.º 32, de 8 de agosto, daqui se extraem as informações recebidas da Guiné Portuguesa. “Alcançaram a 16 do mês próximo passado as notícias recebidas daquele distrito, e, segundo comunica o respetivo Governador, eram satisfatórios o estado sanitário, alimentício e comercial. No dia 9 de julho tinha sido dado por limpo o corpo de Bissau. A ordem e segurança pública não haviam sido alteradas. Vê-se que o Governador da Guiné enfatiza a normalidade do estado sanitário, há regularmente relatórios sobre a febre amarela."

Confiro bastante importância e passo a resumir o constante do Boletim Official n.º 40, de 17 de outubro, trata-se de um documento enviado pelo diretor do serviço de saúde ao Governador Geral, informando-o da marcha da epidemia da febre amarela. O cirurgião-mor tinha regressado da Guiné, ajudara a debelar a febre amarela que tinha sido importada das colónias francesas e que fizera estragos na vila de Bissau. Voltando a Cabo Verde, deparou-se no hospital com casos de febres graves; por mais minuciosas fossem as suas investigações, não encontrava uma só causa que explicasse o estado sanitário; nos primeiros dias de agosto aumentara o número de doentes, podia-se dizer ser epidémica a doença, porém ele não ousava diagnosticar a situação como extremamente grave até que apareceram dois doentes europeus no hospital com o vómito negro, então sim, ele não teve qualquer dúvida que a cidade podia ser devastada pela epidemia. Foi declarado oficialmente a existência da febre amarela e a 18 de agosto a epidemia chegou ao seu ponto culminante de extensão e gravidade, e escreve o cirurgião-mor que foi durante esse tempo que os seus colegas opuseram à epidemia a maior atividade, sangue-frio e caridade, fazendo o serviço dos hospitais com a mesma regularidade e pontualidade que nos tempos normais; a epidemia começou a declinar desde o dia 30, e termina o seu relatório dizendo: “Pelos ofícios recebidos dos respetivos delegados da Junta de Saúde, é normal o estado sanitário das ilhas de Santo Antão, de S. Vicente, S. Nicolau e Sal. Na ilha Brava tem aparecido pelo litoral alguns casos de febres endémicas. Na Guiné, segundo as últimas notícias, o estado sanitário era satisfatório.”

Entra-se agora em 1869, Boletim Official n.º 1, de 2 de janeiro, dele consta um extrato de notícias da Guiné Portuguesa referente aos meses de outubro e novembro.” Bom estado sanitário e satisfatório o alimentício. O comércio havia estado bastante animado no mês de outubro, tendo entrado no porto de Bissau treze navios e saído igual número com produções do país. A Alfândega de Bissau tinha rendido em outubro 2:131$456 réis e a de Cacheu 2:023$242 réis. Continuaram as colheitas de milho, arroz e mancarra. Em Bissau havia-se procedido ao aterro e alinhamento da rua do cais, limpeza das vias públicas, fossa, etc., e em Cacheu aos consertos dos baluartes da fortaleza. Estavam em dia os pagamentos aos funcionários públicos. O benemérito e filantropo súbdito francês Mr. Ovide Urbain, comerciante residente em Bissau, enviou por intermédio do governador daquele distrito a Sua Excelência o Governador Geral da província uma letra na importância de 1:744 francos e 20 cêntimos (300$000 réis), generoso donativo que ele põe à disposição do mesmo Excelentíssimo Senhor para ser aplicado em benefício do Hospital da Santa Casa da Misericórdia da cidade da Praia, ou para alívio das mais urgentes necessidades motivadas pela epidemia da febre amarela, que ultimamente passou pelas ilhas de Santiago e Brava deste arquipélago. Ao Hospital de Bissau já havia aquele prestimoso e humanitário comerciante que ofereceu a quantia de 150$000 réis."

Vítima de febre amarela em Angola, tempos atuais
Rua da Alfândega, Bissau
Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
Ponte-cais Correia e Leça, Bissau, cerca de 1890

(continua)
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Notas do editor:

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Último post da série de 15 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25745: Notas de leitura (1709): "Missões de Um Piloto de Guerra", por Rogério Lopes; edição de autor, 3.ª edição, 2019 - Memórias de um piloto nos primeiros anos da guerra da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

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