quinta-feira, 30 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16251: In Memoriam (260): Joaquim [António Pinheiro] Vidal Saraiva (1936-2015), especialista em Cirurgia Geral, ex-alf mil med CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, nov 1969/jun 1970) e HM 241 (Bissau, 1970)... Está sepultado em Valadares, V. N. Gaia. Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 720, a título póstumo.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > 1970 > Destacamento de Nhabijões > Assistência médica à população do reordenamento de Nhabijões, maioritariamente de etnia balanta (e com "parentes no mato", tanto a norte do Cuor como ao longo da margem direita do Rio Corubal, nos subsetores do Xime e do Xitole). Como se vê, a consulta médica era muito pouco privada... Além disso, o médico tinha que utilizar os serviços de um intérprete (, que está de pé, ao lado do paciente, que veio diretamente do trabalho, na bolanha). Ao canto superior esquerdo, há um tabuleta em madeira onde se lê: "Por favor não deitar lixo para o chão".

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Na foto, vemos quatro oficiais, só um dos quais é do Quadro Permanente (o major op inf Herberto Alfredo do Amaral Sampaio); os restantes oficiais são milicianos:

(i) o alf mil cav J. L. Vacas de Carvalho (de calções, sentado), comandante do Pel Rec Daimler 2206 (que tinha chegado ao Sector L1  em jan/fev de 1970, e que é membro do nosso blogue);

(ii) o alf mil médico Joaquim Vidal Saraiva (, chefado à CCS, em novembro de 1969, vindo de Guileje);

e (iii) ainda um outro alf mil, de pé, de camuflado, que era um adjunto do major: foi ele próprio, em comentário, de 19 de junho de 2010, ao poste P6596, quem se apresentou aos nossos leitores:

"Sou eu, João António Leitão Simões Santos, natural do Cartaxo, nascido a 19/07/1948, residente no Cartaxo. Era alf mil na CCS do BCAÇ 2852 e tinha a especialidade de Reconhecimento e Informação. Fui eu que fiz o levantamento topográfico e acompanhei parte da construção dos Nhabijões. Quando da vinda do BCAÇ 2852, para a Metrópole [em 8 junho de 1970], fiquei no BENG 447, na Secção de Reordenamentos, fazendo serviço no BENG 447 e no QG, na Amura, coordenando o envio de materiais de construção para os reordenamentos".


2. O alf mil méd Joaquim Vidal Saraiva foi identificado, nesta foto do Arlindo T. Roda,  por dois camaradas nossos,  o ex-1º cabo cripto Gabriel Gonçalves, da CCAÇ 12 (1969/71) e o ex-alf mil cav, José Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206 (1970/71). O Zé Luis gostava de acompanhar os médicos da CCS porque "queria ir para medicina"... O Zé Luís também identificou o major Sampaio.

O Vidal Saraiva, lembro-me bem dele, eu e o Fernando Sousa, o nosso 1º cabo aux enf:  ficou retido um dia no mato, connosco, CCAÇ 12,  Pel Caç Nat 52 e outros, na Op Tigre Vadio, em março de 1970.

De seu nome completo, Joaquim [António Pinheiro] Vidal Saraiva, nascido em 26 de Junho de 1936, trabalhou. no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE. Terá também trabalhado antes do Hospital de São João, no Porto, segundo o Fernando Sousa, que vive na Trofa e que um dia o viu lá. Fez a licenciatura em medicina e cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, para a qual entrou no ano letivo de 1957/58.

Estava inscrito na Ordem dos Médicos, Secção Regional do Norte,  como especialista em Cirurgia Geral.  Residia em S. Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia... Deve-se ter reformado antes dos  70 anos.


Capa do Anuário da Universidade do Porto, ano escolar de 1957/58, donde consta o nome de Joaquim Manuel Pinheiro Vidal Saraiva, como aluno  do 1º ano da licenciatuira de medicina e cirurgia. (Imagem reproduzido com a devida vénia...).

O Fernando Andrade Sousa, da Trofa, deu-me a triste, há umas semanas atrás: o dr. Vidal Saraiva, o nosso médico de Bambadinca,  havia já morrido, no ano passado, em 21/6/2015, fez agora um ano. Está sepultado em Valadares, Vila Nova de Gaia. O Fernando leu a notícia necrológica no JN - Jornal de Notícias,e  guardou o recorte, com a fotografia dele. A última vez que o viu, "já bastante acabado", foi num encontro do pessoal de  Bambadinca, em 2004, em Ferreira do Zêzere.

O nosso camarada não chegou, portanto,  a completar os 80 anos (que faria a 26 de junho de 2016). Com ele morreu também algo de nós que convivemos com ele, seis ous ete meses em Bambadinca...


3. O Zé Luís Vacas de Carvalho, que foi comandante, em Bambadinca, do Pelotão Daimler 2206,  lembra-se bem do Vidal Saraiva:

"Estivémos com ele em 2004, em Ferreira do Zêzere.  Era médico  em Gaia. Lembro-me uma vez que o Piça [, 2º sargento da CCAÇ 12,] entornou um jipe cheio de gaiatos e, como eu queria ir para medicina, estive a ajudá-lo a fazer curativos" (...).

Esta cena, com o Piça, pensava eu que se teria passado em janeiro ou fevereiro de 1971, já no final da nossa comissão, quando já esperávamos os "periquitos"... E andávamos completamente "apanhados pelo clima"... Mas. não, deve ter isdo antes... Felizmente, não morreu nenhum puto, E o Vidal Saraiva foi, mais uma vez, inexcedível, juntamente  com o nosso fur mil enf,  o João Carreiro Martins, da CCAÇ 12. Sim, deve ter sido um ano antes, quando o Vidal Saraiva ainda estava em Bambadinca.

 Não, não podia ter sido em janeiro ou fevereiro de 1971.  O Benjamin Durães não o cita como um dos quatro  médicos do seu tempo, ou seja,  do tempo da CCS/ BART 2917...Lembro-me bem do alf mil médico. Mário Gonçalves Ferreira, que esteve na sede do Batalhão em Bambadinca, de 27 de maio de 1970 a 25 de janeiro de 1971, data em que foi transferido para o HM 241, em Bissau.

Segundo informação do Beja Santos, o Vidal Saraiva terá vindo de Guileje, por volta de outubro ou novembro de 1969, vindo substituir o David Payne, na CCS/BCAÇ 2852. O David Payne Rodrigues Pereira, que já morreu, fez mais tarde a especialidade de  psiquiatra (ou já era especialista em 1968/70, não sei exatamente). Nessa altura quem estava em, Guileje era a CART 2410, " Os Dráculas" (junho 1969/março 1970). A CART 2410, além de Guileje, também esteve em Gadamael e Ganturé,

Pelo menos dois membros da nossa Tabanca Grande pertencerama  esta companhia e é possível que se lembrem do Vidal Saraiva: (i) o fur  mil Luís Guerreiro [da CART 2410, e do Pel Caç Nat 65 (Piche, Buruntuma e Bajocunda], e que vive em Monterreal, Canadá; e (ii) o alf mil  José Barros Rocha, de Penafiel.

Tenho ideia  de que os nossos médicos passavam uns escassos meses nas CCS dos batalhões, sendo solicitados para aqui e para acolá (e nomeadamente para o HM 241, em Bissau), sobretudo os cirurgiões, de que havia muita falta. Foi o caso do Vidal Saraiva que acabou o resto da comissão no HM 241, na  cirurgia, de acordo com o testemunho do seu colega (e  nosso camarada) José  Pardete Ferreira (que esteve no CAOP1, Teixeira Pinto, e no HM 241, Bissau, 1969/71). O J. Pardete Ferreiat esteve no HM 241 com o J. Vidal Saraiva. Não sabemos quando este terminou a sua comissão: talvez já em 1971...

Mas o Vidal Saraiva nem sequer vem na lista dos oficiais médicos que constam da História do BCAÇ 2852...  Deve ter ido para Bissau em meados de 1970,  talvez no início de junho, altura em que o BART 2917 (1970/72) tomou conta do Sector L1, rendendo o BCAÇ 2852 (1968/70). Foi nessa altura que chegou o Mário Gonçalves Ferreira.

Na Op Tigre Vadio (*), a uma das bases do PAIGC na região de Madina / Belel, a norte do Rio Geba, no limite do Sector L1, em março de 1970, o Saraiva veio no helicóptero de reabastecimento com o Beja Santos, depois do ataque às instalações do IN, para prestar assistência médica aos casos mais graves de intoxicação (devido ao ataque de abelhas), de desidratação e de ferimentos por fogo do IN...

Acabou por ficar em terra uma vez o que o helicóptero, danificado (por "fogo amigo", ao que parece, na versão do Beja Santos), já não voltou... Deixou o Beja Santos no Xime e zarpou para Bissau...

O dr. Vidal Saraiva acabou por aguentar, de pé firme, o resto do dia e toda a noite e toda a manhã, acompanhando-nos e socorrendo os mais combalidos, sempre auxiliado pelo valente Fernando Sousa (que estava em todas, um herói da CCAÇ 12!),  na nossa extremamente penosa,  dramática e inesquecível viagem de regresso, até ao aquartelamento do Enxalé.

Um pesadelo, camaradas!... É daquelas situações de guerra que nos fica gravadas, na memória, toda a vida, para sempre!

O nosso camarada Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo cripto da CCAÇ 12, tem também uma grata recordação deste oficial médico:

"O dr. Saraiva, safou-me quando estive muito doente. Por isso é que me lembro bem dele. É um excelente ser humano. Não sei se te lembras, de um filme rodado na enfermaria, de uma operação ao 'corte do freio', efectuada com todos os requisitos! O nosso furriel enfermeiro, o "Bolha-d'água", assistiu o dr. Saraiva nessa operação! Já não me lembro quem era o paciente, mas que foi um sucesso, lá isso foi".

O Jaime Machado e o Beja conheceram-no muito bem ... e os dois têm ainda bem presentes,  na memória,  o desastre que vitimou o Uam Sambu, no dia de ano novo de 1970. Apesar dos primeiros socorros prestados em Bambadinca pelo Vidal Saraivba e a sua equipa. o pobre do  Sambu não sobreviveu (**).



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 >  Porrmenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Uam Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva que se vê na foto,  de óculos escuros, assinalado a amarelo. O Beja Santos está de costas, com o camuflado encharcado de sangue, tendo transportado o Sambu
as costas até ao quartel. À esquerda do Beja Santos, sob a asa da DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, está o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins, de quem não tenho notícias há uns anos. E do lado direito, em calções e sem camisa estou eu.  Ainda não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista, em fernte do dr. Vidal Saraiva. Recorde-se que na manhã de 1/1/1970, à saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, o Uam Sambu, do Pelç Caç Nat 52,  foi vitíma de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida. Morreu, na DO 27. a caminho do HM 241.

Foto: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71)> Ferreia do Zêzere > 31/5/2003 > O Fernando Sousa em primeiro plano e por detrás o dr. Vidal Saraiva, com 67 anos.

Foto: © Fernando Sousa (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Vidal Saraiba no reordenamento de Nhabijões (1970).
Foto de Arlindo Roda (2010)
4. Tenho ainda,  também, bem presente, uma história envolveu o nosso Vidal Saraiva: 

Estávamos numa "farra", que metia copos e bailação, na extensão de Bambadinca do Bataclã de Bafatá (, bairro da Rocha,) , e que acabou dramaticamente, às tantas da manhã, com a tentativa de reanimar, no posto médico, no quartel, uma criança, filha de uma das nossas amigas coloridas, acometida de um grave (e fatal) problema de insuficiência cardiorrespiratória...Possivelmente, seria um caso de morte súbita durante o sono...

Ainda não tive arranjar tempo (nem muito menos coragem) para reconstituir este trágico episódio... Precisava que os meus camaradas, presentes nessa noite, me ajudassem a refrescar a memória... Há pormenores a rever. O médico de serviço, esse, lembro-me bem dele, também estava presente, tentando divertir-se: era o alf mil med Joaquim Vidal Saraiva, da CCS/BART 2917, mais velho do que nós, furriéis e alferes milicianos, pelo menos uns 10 anos...

Soleimatu, Ana Maria, Helena...Havia também em Bambadinca, na tabanca de Bambadinca, logo a seguir ao quartel, quando se descia rampa, uma morança que era de uma delas (?) ou era de um azeiteiro qualquer, proxeneta (da tropa ou civil ?)... Já não me recordo. Sei que fazíamos lá farras... Era o Sempre em Festa, o Bataclã de Bambadinca...

Um dia, a filha, pequena, de um delas ( talvez da Soleimatu), adoeceu subitamente, a farra acabou na enfermaria de Bambadinca com o médico, o Saraiva, a tentar salvá-la, com os escassos meios que tínhamos... Foi uma noite de pesadelo, de encarniçamento terapêutico, fizemos tudo que sabíamos e podíamos para a salvar.... Também fui um dos que segurei a miúda que devia ter um ano e tal.... Morreu às cinco da manhã...

Fiquei muito impressionado. Fizemos uma coleta para ajudar a mãe, amiga da Helena, a famosa e dengosa Helena de Bafatá... Talvez fosse a Soleimatu (?).... (O sexo em tempo de guerra, a nossa miséria sexual, o drama destas jovens mulheres, algumas já com filhos!)...

Pois é, camaradas.. Apesar de todos os esforços (e sobretudo do nosso Pastilhas, o fur mil enf João Martins, da CCAÇ 12,  e do dr. Vidal Saraiva), a criança morreu nas nossas mãos, já no posto médico de Bambadinca... Ou já vinha morta, da morança onde a malta dançava...Sei que o baile acabou, com grande consternação de todos e todas...   

Quem é que se lembra deste trágico episódio, no "Bataclã" de Bambadinca, uma improvisada "boite" que ficava na tabanca de Bambadinca, fora portanto do perímetro do arame farpado ? Talvez o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Joaquim Fernandes, o Luciano, o Gabriel Gonçalves, o Zé Luís Vacas de Carvalho... Dançava-se (e bebia-se) ao som de música de gira-disco... Já não me lembro quem era o "empresário da noite", seria seguramente alguém que tinha jeito para o negócio...

Sei que isto se passa nos primeiros meses de 1970, ainda antes do Vidal Saraiva partir para o HM 241... Morreu, de morte súbita durante o sono, uma criança, bebé, talves ainda de meses, filha de uma das nossas "amigas de Bafatá"... Tentámos tudo para a reanimar...

Fazer um baile na tabanca de Bambadinca, sem segurança, perguntarão alguns se não seria temerário... A resposta é não. Todos os nossos 100 soldados africanos, fulas, fidelíssimos, dormiam na tabanca... Mais: eram todos desarranchados e tinham mulheres e filhos em Bambadinca, misturados com gente vária (, incluindo simpatisantes do PAIGC)... Havia 2 grandes tabancas em Bambadinca: Bambadincazinho, a oeste do aquartelamento e posto admnistrativo (com escola, correios, igreja...), e Bambadinca p. d. a leste...




JN -Jornal de Notícias, 21/6/2015. Recorte de imprensa gentilmente enviado pelo nosso amigo e camarada Fernando Sousa



O Vidal Saraiva foi um grande médico e um grande camarada. Em vida, tentei em vão contactá-lo pelo o seu nº de telefone, de casa e da clínica. Onde quer que ele esteja, provavelmente no Olimpo da Medicina, ao lado do seu mestre Hipócrates, mando-lhe um abraço tentacular de saudade, camaradagem e homenagem. O que me diria, se fosse vivo, hoje, aos 80 anos ? Repetir-me-ia o famoso aforismo de Hipócrates, traduzindo 25 séculos de sabedoria: "A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade é fugaz, a experiência enganosa, o julgamento difícil.” .

Era muito raro um médico ir para o mato. O mesmo acontecendo com os furriéis enfermeiros... Depois da Op Tigre Vadio, o seu prestígio aumentou aos meus olhos, Por tudo isto, ele merece um lugar de destaque, aqui,  à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, por sugestão minha e com o apoio do Fernando Sousa, o ex-1º cabo aux enf da CCAÇ 12, membro recente da nossa Tabanca Grande, e que nos triouxe a funesta notícia, a da morte do dr. Vidal Saraiva... E com o apoaio, também, seguramente dos camaradas que, no TO da Guiné, tiveram o privilégio de o conhecer e de com ele conviver.

Vidal Saraiva, presente!.,..Serás, a título póstumo, o nosso grã-tabanqueiro nº 720. (***)  (LG)
 ________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

(***) Último poste da série > 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16150: In Memoriam (259): José Manuel P. Quadrado (1947-2016): mais um bravo do 1º pelotão da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) que nos deixa, 47 anos depois de desembarcarmos em Bissau; vivia na Moita, foi 1º cabo apontador de dilagrama, e comandante de secçcão: vai simbolicamente repousar sob o poilão da Tabanca Grande... Que a terra da tua Pátria te seja leve, camarada!

8 comentários:

alma disse...

Lembro-me bem do Médico Saraiva,que chegou a visitar-me em Fá, creio que em Dezembro de 1969.Guardo na minha memória,uma óptima impressão. Afável,simpático e culto. Abraço. J.Cabral

antonio graça de abreu disse...

Excelente homenagem a excepcionais pessoas!

Abraço,

António Graça de Abreu

Unknown disse...

Queridos camaradas, Não sei por onde começar, acresce que tenho que me manter muito contido, não abrir a porta às emoções. O Joaquim Vidal Saraiva desembarcou em Bissalanca e não chegou a entrar em Bissau, uma avioneta levou-o diretamente para Guileje. Aí permaneceu alguns meses, pedia encarecidamente que nunca o questionássemos sobre o que viu, ouviu e o que tratou, mas vinha bem marcado. Era um camarada sempre a transparecer vivacidade, pronto para os acepipes e sempre capaz de entrar nos quartos a desoras exigindo-nos livros do tio Patinhas, a pressão era tão forte que o Abel Rodrigues, o Magalhães Moreira e eu, os três locatários daquele habitáculo, nos combinámos em comprar em Bafatá vários livros para o sossegar naquelas noites de turvação, em que lhe faltava o lenitivo literário. Ficará na minha vida como alguém que me tratou fisicamente e que deu suporte, sempre com a sua solicitude maravilhosa, à minha tropa. Recordo particularmente o estúpido acidente de 1 de Janeiro de 1970 em que Quebá Sissé disparou sobre o Uam Sambu e este caiu no colo dizendo: alfero, mim muri! O Vidal Saraiva, na enfermaria de Bambadinca, tudo fez para lhe estancar as golfadas de sangue, chegou morto a Bissau, o Vidal andou dias deprimido e gemia: "Anda aqui um gajo a dar o coirão sem conseguir safar estes desgraçados, que merda de profissão a minha!". O Vidal Saraiva é autor de uma frase única, uma exclamação que ainda não consta no dicionário da Academia das Ciências, algo sinónimo a caramba, "é o caralho feito vaca!". Jogava à lerpa com comentários desbragados, que o digam o Zé Luís Vacas de Carvalho, o Ismael Augusto, o Fernando Calado. Tinha as suas extravagâncias, quando lhe comunquei que ia casar a Bissau foi prontamente falar com o comandante, Jovelino Sá Moniz Pampolona Corte-Real: "O meu comandante fica a saber que vou a Bissau tratar de trazer equipamento médico e aproveito para assisitir ao casamento do tigre".
O mínimo dos mínimos que me ocorre dizer, e continuo a procurar estar contido, é que perdi, e muitos de nós perdemos, um meteoro que nos aliviava a alma, um compincha das nossas pequenas estúrdias, um zelador da saúde dos nossos homens. Durante anos ainda liguei para o Hospital da Gaia e marcávamos encontros imaginários. Escrevo com um mágoa sem limites, há momentos em que parece que caminho num campo de batalha do tipo da I Guerra Mundial em que vejo petardos a fazer desaparecer a malta da minha trincheira, é um desnorte terrível, sentimos que o trilho se estreita e que, irremediavelmente, nunca mais exprimiremos face a face a gratidão profunda por aqueles gestos que praticámos há quase 50 anos, e que restam grudados na retina e no coração. Curvo-me respeitosamente diante de si, meu caro Vidal Saraiva, é mesmo tudo tão extraordinário que posso escrever pela sua boca, é mesmo o caralho feito vaca, lá nas nuvens receba um abraço do tigre.

Hélder Valério disse...

Li e também não deixei de sentir emoção.
Pela bela e justa homenagem aqui prestada.
No texto, nos comentários.
Pelo que o Mário Santos escreveu.
Por sentir que, a pouco e pouco, as nossas referências se vão....
É inevitável, eu sei, mas custa!

Por tudo quanto li não me custa concluir que se trata (tratou) de mais um 'dos nossos', mas dos bons.

Hélder Sousa

Anónimo disse...

Comentários no Facebook da Tabanca Grande, em 30 de junho de 2017:

João José Alves Martins

Na minha ida de Bedanda para Guilege, passei cerca de uma semana em Gadamael-Porto, o local da Guiné onde gostei mais de estar pois todos os dias deslocáva-me ao rio para dar umas braçadas. Acontece que os detritos em suspensão na água entraram-me para os ouvidos e tive que recorrer à consulta médica. Penso que foi a única vez que estive com um médico, que me tratou da melhor maneira, durante os meus mais de 24 meses de Guiné e isto ocorreu em março de 69.


Fernando Calado:

Convivi de perto em Bambadinca com o alferes médico Saraiva. Era um bom companheiro mas, sobretudo, era possuidor de elevadas competências clínicas para aquela situação (chegada frequente de feridos) uma vez que tinha já uma experiência acumulada de urgências do hospital de S.João do Porto.

Eu próprio fui submetido a uma intervenção rápida no posto médico de Bambadinca do Dr. Saraiva que me salvou o braço esquerdo. As minhas homenagens.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vista à distância de 46 anos, a atuação do Vidal Saraiva, auxiliado pelo "nosso" Fernando Sousa, ex-1º cabo aux enf da CCAÇ 12, foi de herói, em 31 de março e em 1 de abril de 1970, no decurso da dramática Op Tiger Vadio, a Madina / Belel, a sudoeste da base do PAIGC de Sará, na região do Oio... Já na fase da retirada, 8 grupos de combate, mais um grupo de carregadores civis (que levavam jericães de água, granadas de bazuca e de morteiro à cabeça!), são destroçdos por um exército indomável de abelhas selvagens...

Fomos chegando ao longo de toda a manhã, do dia 1 de abril de 1970, ao Enxalé, fisica e emocionalmente exautos, desidratados, feridos, combalidos...Nunca vi um médico como o Vidal Saraiva a "alinhar" no mato com a tropa-macaca. Além disso, ele tinha já 33 anos, mais dez do que a maior parte de nós, operacionais...

Ele merece as nossas mais sentidas homenagens. Só um ano depois sei da sua morte, que muito lamento. Ao Fernando, estou obrigado por me ter feito chegar a triste notícia!... Mas também já disse ao Fernando: "Sempre foste um valente, e um camarada generoso, que alinhava em todas!.. E se calhar nem um louvor te deram!"... LG

Anónimo disse...

Mário Bravo
1 jul 2016 11:29

Bom dia Luis Graça
Em resposta à tua pergunta, informo que não conheci o Colega Vidal Saraiva. Seria mais velho do que eu e como não era de ortopedia , mais difícil se torna. De qualquer modo, lamento a sua morte.
Um grande abraço.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Mário, ele é do tempo do José Pardete Ferreira (que trabalhou e vive em Setúbal). O Pardete esteve no CAOP1, em Teixeira Pinto, antes de ti, por volta de 1969/70, e depois foi para o HM 241, cirurgia... Um dos colegas que ele menciona é o Vidal Saraiva. Não sei em que ano o Vidal Saraiva tirou a especialidade de Cirurgia Geral. Quando o conheci ele tinha já 33 anos... E tinha passado pelo São João, no Porto. Era um típico nortenho (e um típico cirurgião, que também fazia "clínica geral", para tropa e para a população; no poste médcio, em Bambadinca, fazia-se bicha...).

Enfim, um camarada que deixa saudades, embora, na altura, a distância, hierárquica e social, fosse grande... Ninguém tratava o médico por tu, nem sequer o comandante de batalhão... Muito respeitinho porque ele é que nos "tratava da saúde"... Ab. grande, Luís