quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2024:

Queridos amigos,
Tinha a expetativa de que ao longo do ano de 1885 se desse alguma ressonância aos acontecimentos do Casamansa, mas nada aconteceu. Chama a atenção o detalhe dos boletins sanitários de Cacheu, Bissau e Bolama; a relação dos artigos para o Hospital Militar e Civil de Bolama leva-nos a refletir sobre a natureza da alimentação dos doentes; de uma forma cuidada, o novo Governador lembra que são escassos os efetivos militares para manterem em respeito as tribos irrequietas; o delegado de saúde de Cacheu deixa-nos um relato impressionante do estado da vila; mas ficamos a saber que na feira diária se vendem alimentos como hoje seguramente não aparecem nos mercados guineenses; continuam as manifestações de régulos pedindo que se hasteie a bandeira portuguesa, é talvez também produto do desenvolvimento agrícola que leva as autoridades gentílicas a atrelarem-se à potência colonial.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7)


Mário Beja Santos

Durante os primeiros meses de 1885, ainda aparecem diplomas assinados por Pedro Ignácio de Gouveia, e depois entra em funções o novo governador, Francisco de Paula Gomes Barbosa. Nos Boletins n.º 6, 7 e 8, todos de fevereiro, vêm publicados os estatutos do Colégio das Missões Ultramarinas. Diga-se em abono da verdade que esses primeiros meses estão enxameados de disposições burocráticas, o costume, nomeações, transferências, taxas alfandegárias, muitos boletins sanitários, onde avultam as doenças próprias da época das chuvas. No Boletim n.º 17, de 25 de abril, temos um edital da Junta da Fazenda Pública onde se anuncia que se abriu a praça para o fornecimento pelo prazo de um ano de um conjunto de artigos para o hospital militar e civil de Bolama, é mais do que uma curiosidade saber por onde anda a base alimentar de um hospital da época, na Guiné: arroz da Índia, açúcar pilé, azeite doce, alhos, batata inglesa (termo que ainda hoje se usa), bacalhau, carne de vaca, chá, cebolas, cevadinha, calda de tomate, doce em latas, farinha de trigo, feijão branco e feijão vermelho, galinhas, leite, folhas de louro, massas, manteiga de vaca, banha de porco, ovos, pão, pimenta, sal, tapioca, vinho do Porto e vinho da Madeira, hortaliças, mandioca, batata doce, lenha, petróleo, fósforos, sabão, torcidas e velas de estearina.

Com pompa e circunstância, vamos encontrar desenvolvido em vários boletins a Nova Reforma Fiscal, tudo a partir do Boletim n.º 19, de 19 de maio. No Boletim n.º 27, de 4 julho consta o alto de perdão concedido pelo Governo aos gentios de Cacanda, mas anteriormente temos um impressionante alto de vassalagem e protesto de amizade que ao Governo português fez o rei das Ilhetas, tudo se vai passar a bordo da escuna Forreá, estavam presentes delegados do Governador, o régulo das Ilhetas, Jepomon, António Gomes, filho do dito régulo, e José da Silva, neto do mesmo. A delegação portuguesa afirmou que o Governador era sabedor da influência do régulo nos demais régulos das Ilhetas, de quem é suserano. “Que nas mãos dele régulo, depositavam a farda e capacete, presente de Sua Excelência o Governador, um ligeiro testemunho das suas boas intenções para com os Ilhetas. O que tudo foi bem explicado e traduzido ao régulo pelos próprios filho e neto que bem conhecem o crioulo, língua em que os legados do Governo fizeram a sua exposição. O régulo respondeu que ele e os seus eram portugueses, de que muito se ufanava. Que fora seu constante propósito acabar com a pirataria a que se dedicavam os insulares sobre a sua jurisdição. Que deste acerto dava testemunho com o seu procedimento e havendo várias embarcações que os seus povos e vizinhos, por vezes, noutro tempo, tinham pilhado e saqueado, fazendo-as restituir a seus donos, pela maioria negociantes de Bissau e de Bolama, citando os nomes de vários negociantes a quem mandar entregar embarcações, tais eram: Carlos Abreu, José de Sena, Victor Martins, Gustavo Theraizol e Blanchard & Companhia (…) Concluindo disse: que terminava por jurar obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, de quem sempre fora fiel e leal vassalo, ratificando qualquer outro juramento.”

Não deixa de ser curioso logo a seguir a este documento aparecer publicado o pedido do régulo de Bubaque para que se hasteasse a bandeira portuguesa e se fundasse uma colónia agrícola no seu território: “George, régulo de Bubaque, rendendo preito e homenagem ao Governo português, deseja que na sua ilha hasteie a bandeira portuguesa e se estabeleça uma colónia agrícola, assegurando que os colonos serão sempre tratados com todo o desvelo e amizade. Grato para com o Governo de Sua Majestade fidelíssima os favores dispensados a seu filho Ambrósio Gomes Jasmim, vem, por esta forma, manifestar ao Excelentíssimo Governador da província a sua viva e eterna gratidão e congratular-se com Sua Excelência pela sua elevação no Governo.” Assina Onhabaque de Bubaque.

No Boletim Official n.º 32, de 8 de agosto, chama a atenção o início despacho n.º 163 do Governador: “Sendo a força de 1ª linha da guarnição nesta província por vezes insuficiente para manter em respeito as tribos irrequietas que a povoam, e assegurar o sossego e tranquilidade pública, indispensáveis ao bem-estar dos seus habitantes e ao desenvolvimento do comércio e da agricultura…”

Cumpre registar que os boletins sanitários de Bolama, Bissau e Cacheu são cada vez mais detalhados. No Boletim n.º 34, de 22 de agosto, por exemplo, veja-se o relatório da vila de Bissau referente ao mês de julho de 1885:
“O predomínio dos padecimentos das vias respiratórias sobre as diversas doenças observadas na clínica urbana, definem a constituição médica durante o mês; tais afeções, porém, sempre complicadas de febres palustre jamais revestiram caráter de gravidade.” Segue-se a lista dos novos doentes, os curados e os transferidos, faz-se igualmente referência à higiene pública, tinha-se procedido à limpeza da parte do poço que corresponde ao interior da praça de Bissau”

No mesmo boletim, o presidente da Sociedade de Geografia dirige-se ao Governador da Guiné, tudo tem a ver com a Exposição Universal de Antuérpia e à cooperação dada pelo Governo da Guiné, a Sociedade de Geografia congratula-se e agradece aos expositores da província de que o Governador dirige.

No Boletim n.º 36, de 5 de setembro, chama prontamente à atenção o impressionante e singular relatório do serviço de Cacheu referente a 1884, assinado pelo delegado de saúde Alpino da Conceição Ribeiro. Depois de uma descrição minuciosa da localização da vila, deixa-se ao leitor o que há de impressivo em parágrafos elucidativos:
“As ruas que existem, não merecem tal nome. Tão desigual é o seu terreno que charcos e lameiros que na época pluviosa se formaram, as tornam intransitáveis.
Nas proximidades do baluarte do novo centro tem lugar a feira diária de géneros de usos ordinário e comum na povoação. Gentios de vários pontos interiores concorrem ao mercado da batata-doce, feijão, arroz, mandioca, inhame, banana, laranjas, abóboras, melancias, milho, amêndoas de palma, cola, semente de purgueira, muitos outros géneros e frutas; azeite de palma, azeite amargo, vinho de palmeira; ovos, galinhas, patos e outros animais domésticos; cera, borrachas e couros de boi. Aparece o marfim, mas raríssimas vezes.
Realizaram-se 17 batismos. Não houve nenhum casamento. Conquanto a religião oficial seja a dominante, aparentemente professada esta, mas verdadeiramente pratica-se o feiticismo.
Unicamente, mas antes como atos de luxo do que como preceitos da Igreja, ninguém se esquiva ao batismo, encomendação de cadáveres e missa de requiem. O matrimónio, segundo o rito da Igreja Católica, se não inspira repugnância também quase que jamais é aceite. É preferido o enlace matrimonial por um enlace privativo do país que não tem ligação alguma com as leis canónicas nem as civis.”


A Guiné na África Ocidental
Moeda de 50 centavos do 5º centenário da descoberta da Guiné
Moeda da Guiné-Bissau, 2 pesos e meio, 1977, FAO
Djolas da Gâmbia e do Casamansa, fotografia de Joannès Barbier, 1892
Fotografia de um albino senegalês, apresentada na Exposição Colonial de Lyon, 1894
Vista de Carabane, 1889, gravura
Arquipélago dos Bijagós, 1885, xilogravura
Bijagós numa bagabaga, 1885, xilogravura.

Todas estas gravuras podem ser adquiridas na Galerie Napoléon, Paris, o preço é de 60€ (moldura não incluída)

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 16 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26049: Historiografia da presença portuguesa em África (447): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, os últimos meses de 1884 (6) (Mário Beja Santos)

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