quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22921: Documentos (34): Comunicações e Ordens enviadas pelo Estado-Maior do Exército e do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné - Circular N.º 1703/NP da 2.ª Repartição do Estado-Maior do Exército (1) (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)


1. Mensagem do nosso camarada Victor Manuel Ferreira Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 16 de Janeiro de 2022:

Amigos e Camaradas da Guiné
Existem algumas fotografias publicadas sobre alguns militares das NT em acções políticas usando viaturas do Exército e camisolas do IN (PAIGC), abraços, envolvendo oficiais etc, que ocorreram durante o período pós 25 de Abril na Guiné,que desconhecia. Quero lembrar que, além de sermos militares, as Delegações do MFA tinham toda a informação sobre o processo negocial e a postura a assumir. Estas ações políticas, no processo de transferência de soberania da Guiné, a mim parecem-me no mínimo, desnecessárias, despropositadas, não respeitaram os nossos mortos em combate, não melhoraram a nossa imagem e entendo que não deviam ter acontecido.
Devo no entanto dizer que foi emitido um comunicado do Secretariado do MFA na Guiné de 16 de Junho de 74, com a linha política definida pela 5.ª Divisão constituída em 15 de Junho de 1974, onde estas actividades podiam eventualmente ser enquadradas. Desconheço porém se exerceram alguma influência no comportamento destes militares.

Assim é meu propósito dar a conhecer e tornar públicas as comunicações e ordens que recebemos enquanto Delegação do MFA na Guiné da parte do Estado Maior do Exército e do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné relativas a esse período, nomeadamente a Circular N.º 1703/NP e anexo, mandadas executar pelo ex-Cap. Dias Silva e mais tarde reafirmadas pelo próprio como mostra a nota original escrita a vermelho por cima da Circular N.º 2736/AP/74, cito "Deve a delegação do MFA desta dar cumprimento rigoroso explicando a todo o pessoal em 25/7/74", Dias Silva Cap - e que apelavam à disciplina e respeito pela hierarquia e informação das NT sobre as negociações em curso do Processo de Paz na Guiné, a abstenção de actividades políticas no exercício das nossas funções dentro do quartel, etc. Estava aberta a via negocial para o conflito, as ordens eram muito claras e equilibradas e foram cumpridas e executadas por todos nós. Só nos restava esperar o Acordo das partes em confronto para sairmos da Guiné com a cabeça erguida e regressar a casa. Assim aconteceu, a CCaç 4541/72, não esqueceu os camaradas mortos e feridos em combate, nomeadamente aqueles em Choquemone no dia 21 de Novembro de 1972. Tinham algum ressentimento resultante da condução desta operação e do número de militares envolvidos que sempre os acompanhou. Quando cheguei a esta CCaç encontrei "velhos" que não eram vaidosos, sabiam de guerra, tinham tarimba e era notável a sua capacidade psicológica e estas, tive a sorte de aprender com eles. No período de transição não tivemos nenhum envolvimento ou problema com o PAIGC e mantivemos nosso bom relacionamento com a população local.

Relativamente ao Comunicado às Delegações do MFA de 16 de Junho de 1974, devo dizer que não foram realizadas estas ações na nossa Unidade, no entanto eu recebi essa comunicação. Tem uma inscrição original escrita a vermelho, na parte superior, dirigida a mim, Fur. Costa. Estudei este documento e decidi que não me competia a mim enquanto militar nem me sentia habilitado para fazer esclarecimento político sindical, propaganda e animação cultural e outras que constam deste comunicado. Entendi também, que não era possível conciliar este tipo de ações com disciplina e hierarquia próprias da Instituição Militar.

Note-se que a Circular N.º 1703/NP de 28/5/74 diz claramente, que: (Perante a política, as Forças Armadas têm que ser imparciais, coesas e conscientemente disciplinadas) e nós graduados devíamos dar o exemplo.
Na operação acima citada estes rapazes da CCaç 4541/72, tinham menos de dois meses de Guiné, eram "Piriquitos". Porque lhes foi atribuída esta missão? Será que os Donos da Guerra, dos alfinetes, mapas e mesas, nas salas em Bissau como alguém aqui e muito bem lhes chamou, tinham consciência do tempo necessário para fazer um operacional? Penso que não. Na minha opinião, eram necessários seis meses de atividade operacional numa zona de menor atividade, antes de sermos colocados no ferro. Entretanto a CCaç 4541 vai para Bissau tratar das feridas do Choquemone. Ainda estas não tinham sarado, um mês depois, "operação Grande Empreza", conquista do Cantanhez na posse do IN onde era o "Maior". Entram na posse de Caboxanque gentilmente cedida pelas CCP 121 e 122 e mantêm-nas em sua posse até serem transferidos para Safim em Março de 1974. As guerras nem sempre são justas, mas hoje temos um problema mais grave no nosso país: Não valorizamos os nossos guerreiros. Penso que não devemos fechar este debate, nunca esqueci os lamentos e raiva de alguns deles, "se fosse hoje aquilo nunca tinha acontecido". Como é evidente, referiam-se à Operação do Choquemone.

(Seguem os documentos citados)
Circular Nº1703/NP e anexo de 28/5/74
Circular Nº2736/AP/74 de 22/7/74
Comunicado às Delegações do MFA em Bissau de 16 de Julho de 1974

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf



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(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22800: Documentos (33): Acção Militar na Guiné (1963/1964) - Docs. respeitantes à acção militar na Guiné, pelo General Fernando Louro de Sousa, Junho de 1965 (Vírgínio Briote)

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