sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22927: Notas de leitura (1412): “África Dentro”, por Maria João Avillez; Texto Editores, 2010 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Não nos esqueçamos que esta viagem da Maria João Avillez ocorreu num tempo de grande esperança, era Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior, deposto por uma conjura militar em 2012. A cooperação com a Gulbenkian tinha resultados manifestos, nas áreas da educação e da saúde. Nesta digressão da jornalista percorre-se uma região do Norte, perto de São Domingos, onde o projeto VIDA marca pontos no desenvolvimento comunitário, a Missão da Cumura recebe vasto apoio, o que outrora era um hospital para tratar leprosos atende hoje um cortejo inumerável de infetados pelo VIH/SIDA; havia igualmente apoio aos centros de saúde, a economia parecia crescer em paz e reconciliação. E depois, o país retrocedeu.

Um abraço do
Mário



África Dentro, por Maria João Avillez (2)

Beja Santos

“África Dentro”, por Maria João Avillez, Texto Editores, 2010, é uma avaliação em jeito de reportagem da intervenção da Fundação Calouste Gulbenkian nas cinco ex-colónias portuguesas de África. A Gulbenkian pretendia uma reportagem captada pelo olhar de uma jornalista. Foi isso que aconteceu. Vamos falar da Guiné-Bissau, onde a Gulbenkian privilegia dois polos de cooperação, na educação e na saúde.

Visitados os projetos de educação, a jornalista dirige-se agora para a área da saúde, atravessa o rio Mansoa, depois o Cacheu, vai ao encontro da VIDA, uma ONG que se instalou no Norte da Guiné, na região de São Domingos. Na génese, integravam um movimento católico “Comunhão e Libertação”, visam o desenvolvimento comunitário, contribuíram para a criação de uma unidade de saúde base, cooperam com sete centros de saúde da região, capacitam agentes de saúde de base e as matronas (parteiras tradicionais). A participação das populações é determinante para que estas estruturas comunitárias sejam vigorosas e perdurem. E temos exemplos concretos: “As Casas das Mães, criadas para dar apoio às grávidas e garantia de condições de parto seguro e limpo, construídas e geridas pelas próprias mulheres; ou os modelos de autogestão da saúde, com preços de medicamentos e consultas decididos em plenário da comunidade; ou ainda os sistemas de seguros comunitários de saúde e a autossuficiência a nível de gestão dos programas de tendas mosquiteiras. Também o Centro de Saúde Materno-Infantil de São Domingos, o único no país com gestão comunitária, que nasceu como evolução da experiência positiva das Casas das Mães”. Também o projeto VIDA aparece ligado a outro projeto: “Jirijipe – Saúde até à Tabanca”, com objetivos precisos: melhoria de acesso a cuidados de saúde materno-infantil; intervenções com impacto na situação da saúde, e aqui há preocupações com as infeções sexualmente transmissíveis e o VIH/SIDA; desenvolvimento do sistema comunitário de saúde. É uma experiência modelar, e alguém comenta: “Esta região sanitária, ao nível da saúde comunitária, é do melhor que existe na Guiné, graças à VIDA! Há medicamentos, há vacinação, há formação, há melhor atendimento e até passou a haver a impregnação da rede mosquiteira!”

Instituição de grande prestígio é a Missão Católica Franciscana de Cumura, foi criada em 1955 por três franciscanos italianos, um deles Frei Settimio Ferrazzetta será nomeado o primeiro Bispo de Bissau. A jornalista conversa com Frei Victor Manuel Henriques, membro efetivo da Província Portuguesa da Ordem Franciscana, formado em Medicina, dirigia o hospital da Missão: “Estou aqui a trabalhar como médico, dando atendimento aos doentes pobres que chegam diariamente. Muitos padecem de lepra, tuberculose e HIV/SIDA e neste momento temos muitos deles justamente com HIV/SIDA, afetados pela tuberculose. Este hospital nasceu inicialmente para atender os doentes de lepra, mas hoje a verdadeira lepra é a infeção HIV/SIDA”. A jornalista recorda as profundas carências do país: mais de metade da população não tem acesso a água potável nem a medicamentos, e apenas 40% recebe algo de parecido com cuidados de saúde. Frei Victor Manuel Henriques faz pedidos à Gulbenkian e é compensado: um eletrocardiógrafo; um monitor de sinais vitais e outro tipo DINAMAP; um desfibrilhador. A Gulbenkian subsidiou um equipamento de radiologia, na altura havia também a promessa de um aparelho de gasometria, para tratamento e diagnóstico dos doentes de tuberculose.

E indaga-se o que é a política de saúde na Guiné-Bissau. Ao tempo, a prioridade era dar cumprimento ao Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário 2008-2017. O financiamento é escassíssimo, havia menos de seis dólares per capita por ano. O Secretário de Estado da Saúde reconhecia a ajuda da Gulbenkian, pelo que tinham feito na criação do Centro de Medicina Tropical e teceu os seguintes comentários: “A Gulbenkian intervinha não só na formação como também na parte dos recursos humanos, associada à criação de condições de trabalho nos hospitais. Foram épocas brilhantes de cooperação porque foram absolutamente decisivas para o país. Basta pensar na luta contra a oncocercose – vulgarmente conhecida como a cegueira dos rios – um programa que conheceu enorme sucesso. Hoje, já ninguém tem oncocercose no país. Foi também através da Gulbenkian que aqui se criou o melhor centro de oftalmologia da Guiné-Bissau e de toda a África Ocidental. A Gulbenkian cofinanciou três centros de saúde em Bissau”. E começa uma visita guiada aos centros de saúde, têm diversos modelos, são de três tipos: o básico, dispõe de todos os serviços de prestação de cuidados primários (consulta pré-natal, pediatria, tratamentos, sala de partos e também quatro camas para observação, é uma estrutura que cobre uma população que oscila entre os 7 e os 12 mil habitantes do setor autónomo de Bissau; o segundo tipo destina-se a uma população maior, está mais bem apetrechado, possuindo médico, laboratório, uma unidade de internamento com 20 ou 30 camas e serviço de obstetrícia; o outro modelo destina-se a zonas mais isoladas ou de difícil acesso, estão igualmente munidos de 20 ou 30 camas para internamento, possuem bloco operatório para cirurgia geral e obstetrícia de emergência e ainda um banco de sangue. As dificuldades são muitas, alguém comenta: “Temos de lutar para manter a corrente elétrica para a conservação de vacinas porque temos três geleiras onde elas estão acondicionadas. À noite, também é sempre mais complicado, a maior parte dos partos é de noite que ocorrem, tem de se transferir as parturientes para outra parte do edifício devido à falta de energia”.

A jornalista encontra o Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior cheio de otimismo: “Na minha anterior governação, consegui trazer para a Guiné 30 médicos com o apoio de Fidel Castro. Chegaram aqui na altura em que o país conhecia um terrível surto de cólera. Com a ajuda deles, conseguiu-se uma cobertura sanitária eficaz e o surto foi debelado. Temos hoje uma formação de cerca de 140 médicos guineenses, pois reabriu a Faculdade de Medicina, onde clínicos cubanos se encarregam da saúde. Vão tentar criar aqui um hospital de referência. Temos grandes chagas, hospitais públicos sem quase nada lá dentro”. O então Primeiro-Ministro reconheceu existir um excelente relacionamento com a Gulbenkian e no papel determinante que esta tem no apoio às áreas da educação e da saúde.

Construção de uma cozinha e refeitório para as crianças da Missão da Cumura.
Centro materno-infantil em São Domingos.
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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 17 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22915: Notas de leitura (1410): “África Dentro”, por Maria João Avillez; Texto Editores, 2010 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 20 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22922: Notas de leitura (1411): "O Povo de Santa Maria, seu falar e suas vivências", 2ª edição revista e acrescentada (2021), por Arsénio Chaves Puim, um caso de grande sensibilidade sociocultural e de amor às suas raízes (Luís Graça ) - Parte II

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