segunda-feira, 3 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6303: Historiografia da presença portuguesa em África (35): 100 presos políticos guineenses enviados em 1962 para o Campo de Chão-Bom, Tarrafal, Ilha de Santiago, Cabo Verde (Luís Graça)

































Lisboa > IndieLisboa'10 > 7º  Festival Internacional de Cinema Independente > Culturgest > 23 de Abril de 2010 >  Sessão de estreia do filme Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, de Diana Andringa (2009)  >  Não se trata de fotogramas mas de imagens obtidas por máquina fotográfica durante a exibição do filme (com a devida vénia à realizadora  a quem não pedi expressamenete autorização...), e editadas por mim  > (*)

As três últimas fotos são de sobreviventes guineenses, que são entrevistados no filme e cujos nomes, lamentavelmente, não consegui fixar. Apreciei a descontracção, a naturalidade, a capacidade de memória, a coragem, a dignidade  e a emoção com que estes homens evocaram esses duros tempos de exílio e de prisão. Um deles  (o da última foto) confessou, inclusivamente, que por três vezes abriu a sua própria cova, lá na Guiné, e por três vezes foi salvo, talvez graças à sua juventude... 

Julgo que muitos deles não teriam qualquer ligação ao PAIGC, criado em 1956,  e que a partir de 3 de Agosto de 1961 passa à chamada acção directa - sabotagens, corte de vias de comunicação, etc- , antecipando a luta armada, iniciada oficialmente em 23 de Janeiro de 1963. Este período, de 1961 a 1963, de forte repressão por parte da PIDE (que não teria no território mais de 30 agentes metropoliitanos), é mal conhecido de todos nós, e está pouco documentado no nosso blogue...  Tal como é pouco conhecido o papel do Exército na "luta contra a subversão", neste período.

Já aqui evocámos, em tempos, a figura do advogado e escritor Artur Augusto Silva (1912-1983), casado com a nossa amiga Clara Schwarz e pai do nosso amigo Pepito, e que se destacou nesta época na defesa de presos políticos guineenses:

"Cidadão empenhado, africano nacionalista, jurista corajoso, fez questão de defender presos políticos guineenses, muitos deles seus amigos 'ou que passaram a sê-lo, acusados de sedição pela potência colonial'; mais concretamente, 'foi defensor em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações';

Fotos: Luís Graça (2010)


Por Portaria nº 18539, de 17 de Junho de 1961, assinada pelo então Ministro do Ultramar,  Adriano Moreira, foi reaberto o antigo campo de Tarrafal (que funcionou entre 1936 e 1954), agora designado Campo de Trabalho de Chão Bom, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, originalmente destinado aos presos políticos de Angola.

Trinta e dois portugueses - incluindo Bento Gonçalves (1902-1942), secretário-geral do PCP, entre 1929 e 1942- , dois angolanos e  dois guineenses perderam ali a vida. Outros morreram já depois de libertados, mas ainda em consequência das condições infra-humanos em que ali viveram. "Famílias houve que, sem nada saberem o destino dos presos, os deram como mortos e chegaram a celebrar cerimónias fúnebres".

Os últimos detidos (angolanos e cabo-verdianos) foram libertados apenas em 1 de Maio de 1974.... Trinta cinco anos, e a convite do presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires, os sobreviventes  reencontraram-se no âmbito de um Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal. Durante a realização do Simpósio, a cineasta Diana Andringa entrevistou mais de 3 dezenas desses sobreviventes, incluindo o português Edmundo Pedro, um dos que foram estrear o Tarrafal, em 1936. Mas a realizadora preferiu concentrar-se na 2ª parte da história  menos conhecida ou menos falada, deste campo de concentração  (**).

O documentário, com duração de hora e meia, foi feita basicamente com estas três dezenas de entrevistas, feitas no interior do antigo campo, e inclusive nas antigas celas.

Em 4 de Setembro de 1962 chegou uma leva de 100 presos políticos da Guiné, que se juntaram aos 107 angolanos que já lá estavam (mas alojados em alas separadas). Em 1964 saíram cerca de 60 guineenses, sendo os restantes libertos no tempo de Spínola, em 30 de Julho de 1969, no âmbito da política "Por uma Guiné Melhor". Recorde-se que. ao todo, Spínola mandou libertar 92 presos políticos, incluindo um histórico do PAIGC, Rafael Barbosa  (1926-2007), detido na colónia penal da Ilha das Galinhas, nos Bijagós.

Dos 238 presos angolanos, guineenses e cabo-verdianos que estiveram no Tarrafal, na 2ª fase (1961-1973), apenas menos de um quarto (cerca de 50) estão ainda hoje vivos. No 1º período (1936-1954) , o número de presos foi de cerca de 340, todos eles portugueses, opositores ao regime de Salazar, literalmente desterrados, presos arbitrariamente, sem direito a defesa nem a cuidados de saúde...

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6204: Agenda cultural (72): Documentário, de Diana Andringa, Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta, no IndieLisboa '10, na Culturgest, a 23 (Grande Auditório, 21h30) e 25 (Pequeno Auditório, 18h30)

(**) Vd.,  no blogue  Caminhos da Memória, o texto de um comunicação de José Augusto Rocha     feita em 29/10/2008, no Colóquio Internacional «Tarrafal: uma prisão, dois continentes» > 29 de Outubro de 2009 > Tarrafal – 29 de Outubro de 1936. O autor, um conhecido advogado, defensor de presos políticos antes do 25 de Abril,  foi Alf Mil da CCAÇ 557 (Cachil, Bafatá, Bissau, 1963/65).

4 comentários:

Anónimo disse...

No dia que os cem prisioneiros Guineenses chegavam ao Tarrafal II, eu fazia 18 anos. Tempos de ignomínia, tempos difíceis vividos no meu, no nosso,País. Era estudante.Curiosamente,no Blogue caminhos da Memória,hoje, 3 de Maio,fala no dia do estudante de 62.Nesse ano estava ainda no Liceu, passava do 6º para o 7º ano. Muitos de nós já tínhamos forte consciência politica.Tempos de pró---. Por vezes lemos, ouvimos e sentimos hoje, certas conversas como conversas da treta.Em 63 conheci o Prof Adriano Moreira. Já não era Ministro do Ultramar. Marcaram-me as palavras dele. Disseram-me ou mostraram-me da necessidade da busca da verdade por mais que um caminho. Ainda agora ali tenho "A Espuma do Tempo". Hoje continuo com dúvidas, eternas dúvidas. Por isso leio escritos como este e releio depois devagar.Penso que aqui fazem falta. Ontem foram anos de forte aprendizagem (hoje também)mas ontem foram tempos de separar o "trigo do joio", anos a crescer e a saber viver num País humilhado e ofendido. Anos de "tempo intemporal", tempo sem tempo de demasiado tempo, anos de dizer sim e pensar não. Triste e difícil. É preciso hoje dize-lo...
Tinha vontade de desabafar, de escrever,não aqui obviamente. Desabafos para o "saco" que guardo e, de quando em vez afago e ele conforta-me ou desconforta.Inquieta!
Abraços a todos. Um abraço solidário,fraterno a todos os que resistiram, e me permitem, mesmo a nada dizer aqui e agora, puder faze-lo. Geralmente é gente simples, gente humilde, gente que sente o outro...
Abraço Torcato

Juvenal Amado disse...

O campo da Morte Lenta do Tarrafal, memória e nome triste, foi um instrumento de mordaça.
Às condições degradantes, à fome e à tortura sucumbiram muitos Patriotas, que ousaram discordar do fascismo e nazismo.
Eu conheci um homem que lá esteve preso muitos anos.
Marinheiro que se revoltou com a tripulação do navio de guerra onde prestava serviço em 1936.
Após o 25 de Abril fiz muitos km ao volante da velhinha R4l de três velocidades do pai levando-o a sessões de esclarecimento onde ele contava a sua vida de luta.
João Faria Borda filho de Alcobaça, resistente anti-fascista, usava assim a sua experiência de luta para levar outros ao combate que ele entendia necessário.

Um abraço

Juvenal Amado

Jorge Narciso disse...

Caro Luis

Que belissima homenagem ao 25 de Abril fazes com este teu Post.

Para que o tempo (esse tempo) nem desvaneça, nem confunda novas e (às vezes, estranhemante) ainda velhas gerações.

Abraço

Jorge Narciso

Anónimo disse...

Prisões, são sempre prisões.

Só que prisões por motivos políticos...coitado do povo que tenha de suportar tal sufoco.

Mas não devemos neste caso misturar quando foram por motivos políticos e quando foram por motivos de guerra. Que não sei qual será pior.

Mas isto que escrevo é a propósito do que ouvi hoje dia 3/5, na Gulbenkian, que o PAIGC, em Caboverde, prendeu todos os Cabverdeanos que no 25 de Abril de 74, quiseram formar um partido para fazer eleições livres.

Pois estavam preparados para outros sonhos.

Quem afirmou foi o Gen. Loureiro dos Santos que era comandante em Caboverde nessa altura.

Hoje houve um "V conferência Portugal Militar em África", na GulbenKian, onde foi palestrante entre outros Manuel Alegre.

Gostei de assistir, mas depois de acompanhar este blog, poucas novidades surpreendem.

Antº Rosinha