Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
Guiné 63/74 - P6333: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (15): Abrigo tipo de Mansambo - A sua construção
Mais uma Estória de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).
ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 15
ABRIGO TIPO DE MANSAMBO – A SUA CONSTRUÇÃO
Como já dissemos anteriormente, no meio do nada, junto a uma pequena tabanca ia surgir um novo aquartelamento com um “simples” projecto da Engenharia Militar; um quadrado de cerca de cem por cem metros de lado, oito abrigos caserna – um em cada canto e mais um no meio de cada lado – num total de oito. Posteriormente seriam acrescentados pequenos edifícios de apoio: secretaria, cozinha, depósito de géneros, enfermaria. Quando apareceu a artilharia fizeram-se “espaldões” de protecção. Estava tudo protegido, digamos melhor: era um “campo” fortificado e a segurança era a prioridade.
Como era o abrigo tipo? Tínhamos de dois tipos. Aos cantos em forma de L, e rectangulares ao meio de cada lado, do terreno escolhido.
A sua construção era igual, só diferia a forma do abrigo.
Assim:
- Marcavam-se no chão, como se faz para qualquer edificação simples, um rectângulo ou um L, conforme a localização. As medidas já se esfumaram nos bolorentos baús da memória. Calculo, grosso modo, vendo fotos e fazendo comparações. Os rectangulares cerca de vinte por três metros; em L duas vezes dez (fachadas exteriores) pelos mesmos três metros.
- De seguida escavava-se cerca de meio metro, todo o interior e punha-se a terra extraída de lado para futura utilização. Concluída a operação levantavam-se as paredes interiores com blocos de cimento. As paredes eram duplas. A partir do início da escavação, para poupar blocos, erguia-se a segunda parede exterior, afastada da interior, cerca de trinta a quarenta centímetros; esse afastamento seria preenchido pela terra extraída da escavação, restos de material, tudo bem batido. Estas duplas paredes teriam cerca de um metro e vinte ou um metro e meio de altura. Posteriormente ainda seria encostada terra no exterior, em forma de triângulo com base igual à altura sensivelmente.
Ficavam portanto as paredes à mesma altura, colocavam-se na frente e laterais blocos de modo a deixar “seteiras”. Depois a toda a volta era feito um lintel.
A partir daqui era colocada a cobertura. O mais complicado.
Uma fiada de cibes e chapas de bidão por cima, tudo colocado à largura e saindo cerca de dois ou três palmos para a parte exterior. Colocavam-se mais duas fiadas iguais, uma no sentido longitudinal e outra como a primeira. Finalmente estendiam-se duas fiadas de arame farpado, ao comprimento e à largura, sendo depois espalhada uma camada de pedras e cimento, com cerca de vinte e cinco centímetros.
As amplitudes térmicas e não só, provocavam a abertura de fendas. Solução: pediu-se à Tecnil (creio eu) um bidão de alcatrão e tapavam-se as fendas.
Aquela estrutura aguentava o impacto de granadas de 82 e canhão sem recuo, com que éramos brindados. Estava lá e confirmo. De 120 ou mísseis desconheço… felizmente.
A fachada do abrigo virada para a parada era, depois de bem protegida por dupla fiada de bidões cheios de terra, a zona de “convívio” e servia para tudo. Tinha um ponto fraco a sua cobertura, feita de chapas de zinco, por vezes com colmo sobre as chapas, devido ao calor, não aguentava tempestade ou passagem de helicóptero. Não sei, se um espirro, mais forte, faria estragos…granadas nem falar… pedras mais pesadas chegavam para o estrago. Era o local da malta.
Estes abrigos ainda sofreram ataques violentos de ratos, percevejos e abelhas. Claro que foi tudo caiado e desinfectado, creio que por gente especializada.
Para mim o pior foi o ataque dos percevejos. Fui bastante sugado. Esfregava o peito e esmagava dezenas… abria a luz e punha-os em fuga… desagradável.
Pelas fotos podemos ver estes abrigos caserna onde, apesar de tudo, se conseguiu viver com algum conforto. Resistiram a tudo isto e muito mais… muito mais… um dia deixámo-los de herança à “malta” que nos rendeu e rumamos, primeiro a Bissau e ao Puto depois.
Dizem-me, gente que lá foi agora há um ou dois anos, ter Mansambo “desaparecido” excepto a fonte. “Aquilo” só servia para a guerra…
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Mansambo City
Fotos © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.
Sem apoio da Engenharia militar lá se foi construindo.
A nossa vida tinha preciosos auxiliares. Além dos picadores que estavam, alguns com as famílias, na pequena Tabanca de Mansambo chefiados pelo “Velho” Leonardo Balde, os Milícias.
É desta tropa, destes homens que te vou falar. Pouco, muito pouco do que efectivamente te poderia contar.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 6 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6328: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (14): Construção de Mansambo (Tampão)
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