quinta-feira, 6 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6328: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (14): Construção de Mansambo (Tampão)

Estórias de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69). ... Encontramo-nos num quente dia de Agosto. Da Guiné pouco falamos. Combinamos um outro encontro. O tempo correu veloz e já com 2010 iniciado, falamos calmamente. Após breve conversa o José foi direito ao assunto: - Na última conversa sobre a Guiné ficamos em Fá, Fá Mandinga. - É verdade, respondi-lhe e acrescentei: - José, vou então começar por aí. Farei breve síntese, poderei falar até de assuntos diversos sem estarem interligados. Depois, como o anteriormente combinado, tentaremos respeitar o tal fio condutor. Corremos o risco de nos repetir mas “não há nada de mais inédito do que aquilo já publicado”. Tentemos. Gravas e depois escreves. 1 - CONSTRUÇÃO DE MANSAMBO (TAMPÃO) Fá Mandinga foi o primeiro aquartelamento da Companhia Independente CART 2339 na Guiné. Éramos a Companhia de intervenção do BART 1904 sediado em Bambadinca. A 1.ª Operação que fizemos foi ao Galo Corubal. Curiosamente a partida foi de Mansambo. Então pequena tabanca, defendida por uma Secção reforçada de Milícias, quase na berma, exagero meu pois distava talvez cerca de duzentos metros da estrada de Bambadinca para o Xitole. A estrada só se encontrava “aberta” até Mansambo. De lá até ao Xitole era zona de forte implantação do IN e consequentemente a estrada estava intransitável. Essa implantação do In estendia-se, devido aos poucos destacamentos das NT, a toda a zona a oeste de Mansambo até ao Rio Corubal; para sul/sudoeste até ao Xitole; para norte/noroeste até ao Xime. Zonas de implantação não eram sinónimo de ocupação e domínio absoluto. Nós continuávamos a ir a todo o lado. Evidentemente que havia encontros e troca de tiros. O normal numa guerra. O Xitole e o Xime eram os únicos aquartelamentos daquela vasta área. Excepto pequenas tabancas como, Moricanhe, Demba Taco, Taibatá e Amedalai defendidas por Milícias com o apoio das NT. Considero que, para o IN, era a situação desejada. Assim, sem grandes meios, controlavam aquela zona toda e começaram a tentar uma maior implantação e mesmo um mais efectivo controlo da população dessa zona. Para obstar essa progressão inimiga para Este, ou melhor, para Bambadinca e Regulados de Badora e Cossé, era necessária a construção de uma base nossa, com pelo menos uma Companhia, para controlar os acessos para Este e pronta a suster qualquer avanço. A servir de tampão, digamos assim. Essa base, só poderia ser Mansambo devido às premissas atrás aduzidas e à sua boa posição estratégica. O Comando do Sector L1, Bart 1904, decidiu a construção de um aquartelamento naquela tabanca com os seus dois ou três abrigos rudimentares e uma mais que frágil defesa. A Engenharia militar forneceu o projecto, BENG 447. O apoio logístico foi acautelado e um Grupo – o 4.º Grupo de Combate da 2339 – e outro Grupo da Companhia 1646 avançaram para Mansambo em 21 de Abril. As condições de vida, como facilmente se compreende e se atesta pelos registos fotográficos eram más. A 6 de Maio avançou o 1.º Grupo da 2339 e regressou o da 1646. No início, o trabalho consistia em desmatações, reforços das defesas e criar as condições mínimas para se sobreviver. Em 20 de Maio avançou o 2.º Grupo. A Secretaria, serviços de apoio e Comando saíram depois de Fá para Bambadinca. O 3.º Grupo ficou, junto do Comando, para as idas a Mato Cão, proteger as colunas de materiais para o novo aquartelamento e, como toda a Companhia na intervenção do Sector. Ia-se erguendo, hábito secular deste povo, uma fortaleza feia e forte de modo a resistir aos 82, canhões sem recuo e outro armamento usado, nesse tempo pelo IN. A construção está bem documentada pelo Alf Mil Cardoso e Fur Mil M. dos Santos em diaporama e sequência fotográfica. Não é suficiente - seria impossível faze-lo - para mostrar o que foi viver, principalmente os que primeiro para lá foram, em condições tão difíceis. Tudo foi superado. A G3 e outras armas viradas para os “turras” que não suportavam a afronta de construir um quartel naquele local. As pás, outros instrumentos, a força dos braços, o engenho e a arte foram dando forma, não só aos oito abrigos mas a outros “edifícios”: cozinha, armazém de géneros, enfermaria, secretaria e outros para apoio diverso, inclusive um poço e balneários. A Companhia juntou-se em Outubro/Novembro, seis meses depois do início dos trabalhos. O aquartelamento de Mansambo foi inaugurado em 21 de Janeiro de 1969, um ano depois da nossa chegada à Guiné. Esta base foi determinante para dificultar o avanço do IN e a posterior abertura da estrada para o Xitole, além da acção de apoio às populações das Tabancas que receberam armas e entraram em autodefesa (Candamã e Afia). Enquanto se construía o aquartelamento, se fixavam e protegiam as populações, a Companhia sempre continuou com a sua actividade operacional. Finalmente: A 2404 rendeu a 2339 em Novembro de 69. Ainda foram feitas algumas Operações em conjunto, mais de reconhecimento do que ofensivas. A 21 de Novembro, o 2.º Grupo e o Comando saíram de Mansambo rumo ao Xime. Chegaram a Bissau no dia seguinte. O resto da Companhia já lá estava e esperava-nos. Novamente juntos, com embarque à vista, em princípio marcado para 4 de Dezembro, tratamos de o preparar e zarpar até Lisboa. Burako Mansambo > Vigiando o horizonte Mansambo > Abrigo em construção Fotos falantes © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados. Como ouviste quase que sintetizei, por alto, muito por alto o que foi a “vida” de dois anos da Cart 2339 na Guiné. Só que há muito para contar. Continuaremos. Por que não com a construção de um “abrigo tipo”? __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6305: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (6): Lágrimas secas Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5140: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2330) (13): Mistura 79 ou quando tive que mandar o Manel a Moricanhe...

3 comentários:

Anónimo disse...

POUCAS PALAVRAS E TUDO DITO...
É A HISTÓRIA VERDADEIRA DA CONSTRUÇÃO DO AQUARTELAMENTO DE MANSAMBO.

CMS
68/ 69
FÁ MANDINGA /MANSAMBO

JOSÉ BORREGO disse...

Camarada e amigo Torcato Mendonça,
parabéns pela sua clareza e apaixonada maneira de transmitir as suas experiências vividas na "nossa" Guiné.Dá gosto lê-las!
Um abraço amigo.
JOSÉ BORREGO

Hélder Valério disse...

Caro Torcato

De facto, relato seco, sem 'floreados', aparentemente sucinto, da 'actividade' desenvolvida.
Faltam os 'sentimentos', o pulsar da vida, a angústia, o 'correr do tempo'.
Mas vem já a seguir, não é verdade?
Um abraço
Hélder S.