terça-feira, 4 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6316: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (9): Em Empada, O IN em acção, as minhas amizades e uma visita do COMCHEFE

1. Continuação da narrativa referente à estadia de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70) em Empada:


A CCAÇ 2381 em Empada

Parte IV

Por Arménio Estorninho



O IN em acção, as minhas amizades e uma visita do COMCHEFE

Na noite de 14 para 15 de Novembro de 1969, grupo In com grande potencial de fogo de canhão s/r, morteiros 82mm, morteiros ligeiros, bazucas, RPG-2 e armas automáticas, flagelou o Aquartelamento de Empada, causando 01 morto (Soldado Mário Caixeiro) e 01 ferido às NT e 04 feridos (03 graves) à população civil.

- Seguindo-se um interregno de quase dois meses, em que o In não se revelou.

- Assim a 09 de Janeiro de 1970, Grupo In flagelou o Aquartelamento de Empada com canhão s/r (foto 10), morteiro médio, morteiro ligeiro, RPG-2 e armas automáticas, durante 20 minutos, queimando 06 Tabancas e ferindo um elemento da população.

Foto 10 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1970 > Invólucro de granada de Canhão s/r, deixado junto na pista após ataque IN.

Foto 11 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1970 > Porta de Armas, Escola Primária e ao cimo a Tabanca junto ao caminho para a Pista.

Nesta acção do In, o ex-1.º Cabo “Escritas” António Soares (Soure) por imprudência que lhe poderia ter saído cara, ao intrometer-se entre o fogo cruzado, estávamos num abrigo contíguo ao Campo de Futebol, tentei demovê-lo, mas seguira pelo caminho que ladeava a Tabanca e dirigiu-se a outro abrigo que estava junto à pista, a fim de aí dar apoio, só que na Tabanca, os milícias disparavam e se calhar para o ar.”

- Ao tempo, olhando à minha Especialidade, e porque se deslocavam duas viaturas, fui convidado para fazer parte de um GCOMB (fotos 12 e 13) para manter segurança física aos trabalhadores empenhados nos trabalhos agrícolas na Bolanha de Ualada, por ser passível a aproximação do In para flagelar a zona e/ou roubar as colheitas.

Foto 12 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Bolanha de Ualada > 1970 > Companheiros e amigos da CCaç 2381, a quem, nas minhas saídas, me juntava.

Foto 13 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Bolanha de Ualada > 1970 > Eu a ensaiar a forma de introduzir uma granada de Morteiro 81mm.

- Empada era a Sede do Posto Administrativo do Cubisseco, tendo uma população de 2798 habitantes, com 437 contribuintes, sendo na sua maioria de etnia Beafada, apresentando no entanto também Mandingas, Fulas, Manjacos e algumas famílias dispersas de Balantas, Bijagós, Papeis e Macanhos.

Certo dia fui convidado por Bakar Cassamá, Comandante da Milícia, para assistir às exéquias de um jovem da Tabanca, ficando eu receptivo, mas desconhecendo os preceitos da cerimónia achei que não era conveniente a minha presença. Para o efeito fui posto à vontade, seria-me reservado um lugar junto aos Homens Grandes da Tabanca e ele Bakar ficaria junto de mim e dizia-me o que fazer, sendo desculpado por alguma falta da forma de acompanhar.

Tendo eu anuído e me apresentado vestido com roupa civil (foto 14). Ocupando o meu lugar sentado num banco de tripé, ouvia falar mas só entendia em crioulo, não dando a entender desse pormenor. Foi aí que Bakar Cassamá concluiu que eu sabia um pouco de crioulo. Ficaram todos admirados e de imediato fiquei envolvido em diálogos com as perguntas mais diversas sobre os funerais, falando de Lisboa, da minha terra, sobre a profissão, os estudos e outros, surpreenderam-se pela minha espontaneidade nas respostas.

Foto 14 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1969 > Eu, seguindo pela avenida de Empada, ao tempo com duas faixas de rodagem e postes de iluminação.

Depois foi-me oferecido em primeiro lugar, a comer bolo de farinha de arroz e agradeci com um járame ánâni (obrigado) na tentativa de recusar, mas disse-lhes que na minha terra essa primazia era concedida aos Homens Grandes e Idosos, assim um ancião serviu-se e depois seguiram-se os outros.

Efectuou-se o féretro, em que o cadáver deveria estar colocado em cima de uma tábua, embrulhado num lençol e devidamente laçado, sendo depositado em cova de sepultura próxima à Tabanca e, enquanto decorreram as cerimonias, havia mulheres que choravam (Choro, Ió.. Ió..! era de tristeza e dor), umas eram da família e amigas, outras eram pagas.

Foi um funeral em que participei de maneira original, cerimónia a que nunca tinha assistido e que me ficou na memória.

Na população (foto 15) arranjei simpatia e amizade, que retribuia com fotografias, petróleo e na falta deste, gasóleo. Havia uma criança muda (foto 16) que me pedia comida, ao que acedi. Ele levava para a sua palhota e, para assegurar e compensar as ofertas, oferecera-se para a “primeira” lavagem da louça e dar de comer a um esquilo.

Foto 15 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1969 > Ronco com batucada e dançares tradicionais. Há militares mirones e eu estou de frente.

Foto 16 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1969 > Eu, junto de um miúdo, que era mudo e meu protegido. No dia da oferta de uma vestimenta nova, ficando radiante, apresentou-me aos seus amigos.

No decorrer da acção psicológica imprimida pelo Homem Grande, Comandante-chefe General António de Spínola, em Empada, entregaram-se elementos da população que estiveram do lado do In. Tendo chegado a dialogar em Crioulo, entre eles havia um que confraternizava connosco a jogar futebol, era bom jogador e rivalizava com o 1.º Cabo de Trms Pedra Rafael, que era jogador do Tramagal Clube da 2.ª Divisão Nacional. Entre outros havia um que já pedia descanso e autorizou-me a tirar uma foto. (foto 17)

Foto 17 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1969 > Elemento da população In que se entregara às NT.

A população era essencialmente agrícola e dotada para a cultura do arroz “bianda,” que era consumida como o seu o principal alimento (fotos 18, 19 e 20).

Foto 18 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Bolanha de Ualada > 1970 > O ex-Furriel Miliciano Tareco, esperando as “Mindjeres Garandis, nha manga di bianda.”

Foto 19 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Bolanha de Ualada > 1970 > O ex-1.º Cabo Enf Jorge Catarino, o Soldado “O Peniche” e as trabalhadoras da Bolanha.

Foto 20 > Guiné > Região de Quinara > Miniaturas de uma enxada e de um Pilão para descasco e pilar cereais.

Havia ainda um conjunto de duas dezenas de pescadores, que no Rio de Empada pescavam a bicuda, a taínha, o barbo, a corvina e a raia, abastecendo a população e o quartel, procedendo ainda à seca de peixe “cassiqué”, cuja exportação se fazia para Bissau, em transporte de Batelão.

A caça era muito abundante na zona, as espécies mais vulgares eram porco do mato, a gazela, a cabra do mato e o sim-sim (espécie de boi do mato), principalmente na época das queimadas, havendo duas equipas de caça que abasteciam a população e o quartel.

-Relativamente à alimentação, penso que não haveria outro Aquartelamento em que a comida tivesse melhor qualidade, fazendo esquecer a paupérrima comida de Buba.
Embora as más-línguas dissessem que se o Vagomestre fosse de férias à Metrópole “acabava-se qualidade e o dinheiro,” diga-se em abono da verdade que a comida e a sua confecção eram de qualidade, dando exemplo de entre outros dos cosidos e dos assados no forno com todos, de bicudas, corvinas, de cabras do mato e de porcos do mato.

Uma curiosidade. O COMCHF António de Spínola, numa das visitas que efectuara a este Aquartelamento, não se esquecera e solicitou uma amostra do rancho, sendo-lhe apresentada bicuda com batatas assadas no forno. Surpreendido disse:

- Vocês comem como num bom Restaurante.

Para comprovar, ficou para o almoço.

Chegou de surpresa, mas as pessoas da cozinha eram profissionais na vida civil.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6284: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (8): Em Empada, Natal de 1969 - A esposa do Cap Mil Eduardo Moutinho visita Empada

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Estorninho

Sempre que ler qualquer coisa com lamentos sobre a comida, a alimentação, no mato, vou recordar este teu relato e apontá-lo como o contraponto dessas 'choradeiras'.

Como se vê, tirando algumas situações que de facto seriam impossíveis de resolver, desde que houvesse vontade, era possível fazer bem.

Com que então a cozinhar privativamente para o COMCHEFE...

Um abraço
Hélder S.