quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)



Guiné-Bissau > Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008 > Visita, no dia 2, ao Cantanhez, na região de Tombali. Reconstituição do antigo acampamento ("barraca") Osvaldo Vieira. O nosso saudoso Pepito (1949-2014) fala com um antigo guerrilheiro do PAIGC, sentado à sua esquerda,  sobre o início da luta aramada em 1962.

Vídeo Guné. Cantanhez. Acampamento Osvaldo Vieira5. Alojado no You Tube > Nhabijoes (*)

Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guné]


1. Guiné-Bissau, Região de Tombali,  Mata do Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, domingo, de manhã, 2 de março de 2008... Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, à Baraca  (acampamento) Osvaldo Vieira, outro dos momentos surpreendentes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

Neste vídeo (**), um dos homens grandes da região conta como foram os primórdios da luta aramda... Trata-se de um excerto, há informação que perdi...  Infelizmente não consegui fixar o nome do entrevistado. Creio que é nalu. 

"Entrou no mato", como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir a (ou ser aliciado por) o PAIGC, ainda antes do início das hostilidades... Recorde-se que, para o PAICC e para a historiografia portuguesa, a guerra começa oficialmente com o ataque  Tite a 23 de janeiro de 1963.

A designação deste acampamento corresponde à verdade fática, histórica, não é  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (, de resto, controversos...) do PAIGC, o Osvaldo Vieira  (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional)... Ao que parece, o Osvaldo Vieira não actuou só na região do Óio (Frente Norte), também terá andado pelo Cantanhez (Frente Sul).

"Quando começou a mobilização, quando entre no mato, foi em 1962. Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...

O entrevistado fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o que diz ou quer dizer o entrevistado...

E a narrativa continua: 

"Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto".  (Aqui o  Pepito acaba por baralhar a audiência, maioritariamente estrangeira, ao falar em dois capitães Curto,  um dos quais teria andado a espelhar o terror no chão manjaco; ora, o capitão a que o antigo guerrilheiro se referia era o cap inf José Curto, comandante da CCAÇ 153, com sede em Fulacunda, e reportando ao BCAÇ 236, que estava em Tite.)

Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça, ninguém podia dar um passo… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Alguns mais novos conseguiram-se escapar e pedir socorro ao grupo do Nino, que estava na "barraca".

O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. "Tu não vais. Vão lá saber o que se passa com a populaçãi"...

Quando os camaradas lá chegaram, o cap Curto já não estava lá. Foram informar o Nino. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Cantanhez)…

2. O vídeo, ou pelo menos este excerto, é omisso sobre a data em que acorreu o cerco de Darsalame, e suas consequências em termos de baixas (mortos, feridos ou prisioneiros). Mas tudo indica que tenha sido em julho de 1962 e que foi na mesma ocasião em que, às tantas da madrugada, houve mortos entre um grupo de alegados simpatizantes e militantes do PAIGC, entre eles o 'comandante' Victorino Costa (1937-1962). (Já cadáver,  terá sido reconhecido por um cipaio ou guia que acompanhava o grupo de combate do cap Curto.)

Enfim, não tive, no Cantanhez, e em Bissau, em 2008, oportunidade de confirmar esta história  dos "anos de chumbo", em que se cometerem muitas arbitrariedades e ações de terror de um lado e do outro... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, entre homens que tinham combatido de um lado e do outro, para aprofundar a história (macabra) da cabeça do Vitorino Costa que terá sido levada para Tite.

Por outro lado, tanto o Nuno Rubim como o José Martins me confirmaram, na altura, em 2008, que no TO da Guiné, em 1961/63,  só havia um oficial com o apelido Curto....

Escreveu-me então o Nuno Rubim:

 "Só há dois [ com esse apelido,] que poderão ter comandado companhias: (i) José dos Santos Carreto Curto, oriundo de Infantaria, mais tarde com o curso de EM [Estado Maior,], promovido a Major em Jul 1966; e (ii) Luís Manuel Curto, Cap de Artilharia, promovido a este posto em Ago 1969. (...) 

Quanto à "companhia manjaca do Bachile", o José Martins esclareceu o seguinte:

(...) "A unidade que esteve em Bachile foi a CCAÇ 16, criada em 04Fev70 com elementos Manjacos enquadrados por graduados e praças especialistas metropolitanas. Em Bachile colocou 2 pelotões em substituição da CCAÇ 2658 em 04Mar70. Em 30Abr70 assumiu e responsabilidade do subsector, então criado. Em 26Ago74 entregou o quartel de Bachile ao PAIGC recolhendo a Teixeira Pinto, sendo extinta a 31 desse mês. Não consta nenhum Capitão de nome Curto, no seu historial." (...).

Sobre o cap Curto, falecido há dias (com o posto de ten gen reformado), escreveu  ainda o seu camarada George Freire (radicado na América há 5 décadas e meia, e membro da nossa Tabanca Grande desde 29/12/2008):

(...)  Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Servi na Guiné de 26 de maio de 1961 a 26 de maio de 1963 (...) A companhia de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante, e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia.

(…) Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 [, deve ser  153, e não 164], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç  [, Indígena, mais tarde, CCAÇ 6].  Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...)
_____________


(...) De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (...), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).(...)


(***) Vd. postes de:

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

12 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1962

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Dez anos depois... Quantos destes homens não morreram já ?..
O Pepito foi um deles... e agora o general Curto...Por cada um que morre são muitas memórias que se perdem. Irremediavelmente.

Cherno AB disse...

Caro amigo Luis,

Acho que o Cap. Curto a que o PAIGC se referia nos seus comunicados é mesmo o Carreto Curto, que criou sérios problemas aos dois lados, no inicio da subversão, porque o Chão Biafada foi o primeiro a sublevar-se.

Mas, o hábito Guineense de dar alcunhas as pessoas pode, rapidamente, fabricar muitos Capitães Curtos, pois "curto" em Crioulo quer dizer "baixinho" e, imagine-se quantos Cap. baixinhos poderiam co-existir no território, sobretudo entre os mais velhinhos do inicio dos anos 60. Lembro-me que das companhias que passaram pela minha aldeia, não houve nenhum Cap. que não tivesse a sua alcunha, derivada da sua altura, comportamento ou resultante de uma atitude menos atípica.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé