Selo Comemorativo do I Centenário do BNU
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2018:
Queridos amigos,
Estamos pois em 1961, na China formam-se os jovens quadros do PAIGC, em Conacri Amílcar Cabral teria a escola-piloto, acolhe aqueles que Rafael Barbosa envia para a luta armada, há grande tensão com outros partidos e grupos hostis ao PAIGC, gente que consegue apoio e granjeia simpatias junto de acólitos de Sekou Touré.
No Senegal, as simpatias de Senghor não apontam para o PAIGC, os Manjacos do Movimento de Libertação da Guiné [MLG]têm carta livre para agir, e vão mesmo agir, ao longo do segundo semestre de 1961, a correspondência do gerente de Bissau isso certifica.
Em março de 1962, o PAIGC dentro da Guiné sofre um grande abalo, alguns dos melhores quadros são apanhados com a boca na botija. O gerente de Bissau prevê um período de apaziguamento, está redondamente enganado, a subversão do Sul vai pôr a vida das pessoas em bolandas, nunca mais o Sul será o mesmo.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63)
Beja Santos
1961 marca o início das hostilidades na Guiné, o Movimento de Libertação da Guiné (MLG), orientado por Manjacos, muitos deles a residir no Senegal, procuram antecipar-se ao PAIGC, o seu grande rival. Temos notícias dos acontecimentos por carta confidencial dirigida ao governo do BNU pelo gerente de Bissau em 21 de julho:
“Por informações fidedignas, colhidas em meio competentes, informamos V. Exas. de que na madrugada de ontem se verificou um assalto à povoação de S. Domingos, que dista 130 km de Bissau, visando especialmente o edifício onde está instalado um pelotão de tropas europeias e indígenas.
Pela escuridão da noite, não foi possível calcular o número de assaltantes. Supõe-se que tenham sido cerca de 50, pela diversidade de pontos por onde partiam os disparos. Os bandoleiros usavam caçadeiras de zagalotes e apenas por este facto ficaram feridos 3 soldados, um com gravidade.
O ataque foi prontamente repelido. Não se conseguiu fazer qualquer prisioneiro, nem apurar o número de feridos ou mortos, porque os bandoleiros levaram-nos para o território vizinho, certamente para não serem identificados eles ou a família. São, todavia, portugueses, pelas frases que foram ouvidas alguns, quando atingidos pelas balas dos nossos soldados.
Uma hora depois da refrega, tudo voltou à normalidade, mas foram imediatamente enviados reforços. Não se nota que o criminoso acto tenha tido qualquer reflexo na população indígena ou europeia, que se mostra confiante.
As autoridades redobraram de vigilância, especialmente junto à fronteira, mas estranha-se que o miserável ataque tenha partido de um território com quem mantemos relações de amizade, e não da fronteira da Guiné de Sekou Touré”.
O Movimento de Libertação da Guiné andou dias depois a praticar vandalismo em Susana e Varela, deu sinais de atividade nos meses seguintes, queimando pontões, incendiando armazéns. No acervo documental do Arquivo Histórico do BNU encontra-se um interessante relatório relativo ao saque e incêndio de Guidaje, tem a data de 18 de novembro de 1961 e foi elaborado pela gerência da Sociedade Comercial Ultramarina em Bissau.
Leia-se a introdução, abona alguns dados relevantes:
“Começadas em Julho as incursões no norte da Província, na sequência já conhecida de S. Domingos, Varela e Susana, e a relativa falta de apoio militar naquela zona, o nosso encarregado de Ingoré apresentou-se em Bissau dada a insegurança da área, que está guarnecida apenas com um pelotão indígena, do qual uma secção era destacada para servir Bigene, e do qual dois ou três soldados tinham desertado levando consigo as espingardas.
Após conversa com V. Ex.ª o Governador que garantiu ao signatário que o Ingoré acabara de ser fortemente reforçado e que na véspera não houvera qualquer incidente, enviámos um empregado para o Ingoré, acompanhado do Sr. Manuel de Figueiredo que levou instruções e plenos poderes para decidir em face da situação sobre a atitude a tomar. Analisada localmente a situação, o Sr. Figueiredo determinou a continuação da actividade com abaixamento de stock.
Em conversa havida anteriormente com Sua Ex.ª o Governador, este chamou a nossa atenção para absoluta necessidade de se manter a vida normal da Província a todo o custo, não se deviam diminuir os stocks, ao qual lhe respondemos que os montantes de stocks nada tinham como movimento comercial dada a existência sempre de quantidades de mercadoria em depósito durante a época das chuvas, que de qualquer modo não valia a pena arriscar.
Em 9 de Agosto, fomos apresentar cumprimentos, nas instalações do BNU, ao Sr. Dr. Castro Fernandes, nosso Exm.º Presidente da Mesa da Assembleia Geral, que aproveitou a oportunidade para reafirmar a necessidade expressa por sua Ex.ª o Governador, preconizando mesmo que o Governo da Província estabelecesse sanções severas contra qualquer das firmas grandes que reduzisse a sua actividade, fechando sucursais, por motivos da situação existente, dadas as perturbações que daí poderiam advir. Disse S. Ex.ª também que não devíamos reduzir os stocks. Por outro lado, afirmou da necessidade dos indivíduos se manterem na Província com as suas famílias, mulheres e crianças, mantendo-se o regime normal de vida anterior aos incidentes. Declarou-nos que estava disposto até a vir todos os meses estar na Província com a sua esposa e filha”.
O que se vai seguir no relatório é um caso exemplar de suspeição por rumor ou boato ou mesmo ajuste de contas, bem típico de uma atmosfera em que os protagonistas sentem que a paz vivida abriu fissuras, e que se temem traições ou graves infidelidades.
O gerente da Sociedade desloca-se a Farim onde fizera concentrar os empregados de Bigene e Guidage, procura dar apoio moral e dar conhecimento da orientação a seguir, determinando que certas mercadorias seriam transferidas para Bissau através de Farim. Estamos em 15 de agosto e o Governador chama de novo o gerente da Sociedade à noite. O Chefe de Gabinete do Governador mostrou ao gerente um telegrama acabado de receber do Administrador de Farim pedindo a transferência do encarregado da Sociedade em Guidage, “dada a colaboração que vinha fazendo com o inimigo, vendendo-lhe arroz, gasolina, etc., recebendo em casa as autoridades da localidade senegalesa de Tanafe, promovendo reuniões noturnas, etc.”. O gerente reage apontando os inconvenientes de tal transferência. E o gerente é convidado a ir averiguar os factos a Guidage, o gerente contesta. A 16 de agosto chega um telegrama de Farim transmitindo o pedido do Administrador para transferir o empregado de Guidage. Nova conversa com o Governador, é sugerido que o empregado venha a Bissau imediatamente para se ajuizar da sua boa ou má-fé, seria a PIDE a proceder a averiguações.
A 18 de agosto o empregado de Guidage chegou a Bissau.
“Demos-lhe conhecimento das suspeitas que a seu respeito tinham sido levantadas e procurámos inteirar-nos da situação. Nada de concreto pudemos apurar do empregado, a não ser o que já sabíamos, que comprara durante a campanha cerca de 400 toneladas de mancarra. O empregado mostrou-se alarmado, declarou que as afirmações feitas eram redonda mentira com excepção evidente da parte das vendas por quanto não recebera ordens de ninguém para deixar de vender aos clientes que se apresentavam ao balcão, ainda que soubesse que viviam além-fronteiras. Se estes ultrapassavam a fronteira, nada lhe podiam imputar uma vez que não é a ele que lhe compete a vigilância da fronteira. Quanto a fazer reuniões nocturnas em sua casa e ausentar-se de Guidage durante a noite, desafiava quem quer que fosse a prová-lo. Quanto a receber em sua casa indivíduos do lado de lá da fronteira, sendo a única casa da localidade com condições e até dada a ausência de outros comerciantes, como sempre, a quem lhe apareceu para comer qualquer coisa ou que vindo a Guidage e que consigo contactara, dera comida ou oferecera um uísque. Na realidade, entre essas pessoas contava-se até o enfermeiro de Tanafe que viera a Guidage ver um doente ou até mesmo fazer uma autópsia e que teve de dormir em sua casa”.
Este imbróglio terá novos desenvolvimentos, desconfiança de um, desconfiança de outro, até o irmão do empregado de Guidage acabará por ser ouvido, entretanto haverá saque e incêndio em Guidage, os assaltantes, diz o relatório, eram Manjacos, Mandingas e Balantas-mané, estavam armados com carabinas de calibre militar de 7,7 mm e espingardas de caça calibre 12.
Em 16 de março de 1962 a confidencial enviada de Bissau para Lisboa refere dados que são bem conhecidos e historicamente relevantes:
“Levamos ao conhecimento de V. Exas. que na madrugada de terça-feira, dia 13, agentes da PIDE em colaboração com os Serviços Secretos do Exército assaltaram uma casa num dos bairros indígenas da cidade, prendendo os principais responsáveis na Guiné, do chamado ‘Partido Africano Independente da Guiné e Cabo Verde’, célula comunista dirigida e orientada por Amílcar Cabral, refugiado em Conacri.
Eram cinco os dirigentes que se encontravam reunidos, conseguindo um deles iludir a vigilância dos guardas e evadir-se de forma audaciosa, rompendo por um cordão de caçadores especiais que estabeleciam o dispositivo de segurança em redor da casa.
Nos dias imediatos sucederam-se várias prisões, entre elas a do contínuo do nosso Banco, Inácio Soares de Carvalho, que foi ontem detido, dia 15, pelas 8,15 horas.
Vário material subversivo foi apanhado, que conduzirá à detenção de mais elementos, tanto residindo nesta cidade como espalhados pela Província. Envolvidos no assunto encontram-se alguns régulos, cuja detenção ainda não foi feita.
Do material apreendido constam:
- Um plano de ataque a organismos oficiais e casas comerciais, a fazer por elementos disfarçados djilas transportando balaios contendo armas;
- Plantas do Quartel de Santa Luzia, aeroporto, Associação Comercial, Pastelaria Império, cinema, BNU, Casa Gouveia, Sociedade Comercial Ultramarina, Barbosas e Ctª., Alfândega, etc.;
- Uma planta do local ainda não identificado onde se encontram escondidas algumas armas;
- Ficheiro contendo nomes e fotografias;
- Máquinas de escrever, arquivos, etc.;
- Vária correspondência de Amílcar Cabral, contendo instruções e normas de orientação.
O material apreendido permite supor que esta célula comunista levou, pelo menos, dois anos a organizar-se.
A sua descoberta e eliminação afasta, também, por muito tempo, o perigo de qualquer actividade terrorista, sendo difícil reorganizarem-se por estes tempos mais próximos.
Entre os detidos figuram alguns polícias indígenas da PSP, nenhum deles, porém, fazendo parte da Esquadra que fornece os efectivos de vigilância e defesa do edifício do Banco.
Juntamos o crachá utilizado pelos elementos do Partido, que nos foi cedido pela PIDE.
Deverão ser longas as diligências da PIDE para a conclusão do caso, mas logo que estejamos na posse de mais informes, transmiti-lo-emos a V. Exas.”
Enganava-se o gerente de Bissau quanto ao afastamento de perigo nos tempos mais próximos devido à prisão dos dirigentes do PAIGC no interior da Guiné. Em 26 de junho de 1962 vai dar notícia de que o Sul está em plena efervescência.
(Continua)
Imagem retirada do livro 'Portugal no Ultramar', 1954, Edições Sotramel - Sociedade de Comércio e Propaganda, Lda com o apoio na cedência de fotos da Agência Geral do Ultramar.
Imagem retirada do livro 'Portugal no Ultramar', 1954, Edições Sotramel - Sociedade de Comércio e Propaganda, Lda com o apoio na cedência de fotos da Agência Geral do Ultramar.
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Notas do editor:
Poste anterior de 30 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19246: Notas de leitura (1126): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de > Guiné 61/74 - P19253: Notas de leitura (1127): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (4) (Mário Beja Santos)
6 comentários:
Os dirigentes do PAIGC apanhados numa operação da PIDE, com apoio de uma força militar, em Bissau, em 13 de março de 1962, foram o Rafael Barbosa, presidente do Partido, e o Mamadu Touré (Momo)... Nos dias seguintes houve mais detenções... Foram enviados para o Tarrafal.
Informação supra, inserida pelo editor do blogue, Luís Graça.
A ideia de Amílcar era quarteis, cafés, aeroporto, casa Gouveia, cinema, etc., ou seja, guerrilha urbana, tal como foi a ideia do irmão MPLA em Angola, casa da Reclusão e esquadras da Polícia.
Só que os «indígenas» baralharam os planos dos estudanres do império, ao atacarem no mato e refugiarem-se ao longo das fronteiras.
E estes tiveram que ir também para o «mato»...e ganharam a aposta, em toda a linha, até hoje.
Esses estudantes já há muitos anos vinham dizendo que sabiam muito bem governar (e explorar)aquilo melhor que os portugueses.
Têm demonstrado isso, muito bem, principalmente em Angola.
Porque será que esses dois partidos irmãos, MPLA e PAIGC não se cruzam muito bem entre si, após as independências?
Talvez a explicação seja a mesma para a hipotética e invisível e muito apregoada "Unidade Africana".
Assim como não se sabe bem para que serve a CPLP.
Nota de imprensa da AFP sobre a prisão de 102 militantes do PAIGC em Bissau, na sequência da prisão de Rafael Barbosa. Dá conta de comunicado do partido acerca do assunto.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04604.038.116
LG
Mensagem de Amílcar Cabral para Zain Lopes [Rafael Barbosa] e para todos os militantes do PAIGC presos pela PIDE, entre os quais Momo (Mamadu Turé) e Albino Sampa.
http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=07063.036.071
LG
O "herói e vilão" Mamadu Turé (Momo), tal como o Manadu Indjai e outros militantes da primeira hora, vai ser um dos conspiradores que tramaram o assassinato do "pai da Pátria"... Será executado posteriormente pelo PAIGC.
LG
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