segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19253: Notas de leitura (1127): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Contrariando a opinião de outros investigadores, incluindo René Pélissier, Joshua Forrest entende que todo o período de pacificação e ocupação não permite admitir que a potência colonial tenha ficado numa posição dominante e altamente interventiva nas sociedades rurais - estas, segundo ele, continuaram à margem, refutando os impostos, mantendo o seu próprio comércio, rivalidades e formas de cooperação multiétnicas. Os representantes da administração eram escassas centenas, tirando a CUF e a Casa Gouveia os outros interesses económicos eram assumidos por ponteiros e madeireiros, obrigados a estabelecer relações cuidadas com as populações locais. A administração colonial portuguesa manifestou-se frágil como o Estado pós-colonial continuará a manifestar-se frágil.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau:
O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação (4)

Beja Santos

A I República foi confrontada com as repetidas sublevações das diferentes etnias guineenses, basta recordar o grau de intensidade a que estas se manifestaram entre 1890 e 1909. É neste momento que se decide, custe o que custar, a que o governo de Bolama estenda a sua autoridade fora das praças e presídios e que toda a região se torne segura, obediente e que os nativos paguem impostos. Foi encontrado um oficial experimentado, o Capitão João Teixeira Pinto que, antes de mais, quis conhecer o mato rebelde. Encontrou em Vasco Calvet de Magalhães um aliado extraordinário, arranjou-lhe auxiliares fulas e apresentou-o ao mercenário senegalês Abdul Indjai, em Bafatá. Teixeira Pinto apercebeu-se que Indjai estava à frente de um grupo bem preparado de mercenários, quase todos eles equipados com espingardas de cinco tiros.

A campanha inicia-se no Oio, os povos locais mantinham-se intransigentes, recusando a tributação e não aceitando as ordens de Bissorã. Teixeira Pinto põe-se à frente dos seus auxiliares e confronta-se com os Balantas, de finais de Março a princípios de Abril. Os Oincas atacam Bissorã e é nesse momento que entra em ação o corpo de mercenários de Abdul Indjai. São destruições sem conta, por onde passam incendeiam, pilham e trazem escravos. Em Junho o Norte do Oio rende-se. No fim do ano de 1913 foi morto um oficial português na região de Cacheu. Segue-se uma expedição violentíssima contra os Manjacos de Pelundo, Basserel e Churo, não faltarão destruições e massacres. Um pouco como um castelo de cartas, a resistência é sufocada ou apaziguada. E Teixeira Pinto, sentindo que o Oio, Cacheu e Mansoa já não oferecem luta precipita-se sobre a península de Bissau, bombardeia Nhacra, entra em Antula, Intim e Bandim. Os principais fulcros da sublevação foram estancados, as operações na região do Cacheu, S. Domingos, Farim, Oio, Mansoa, Geba e Porto Gole trouxeram o compromisso de que as populações iriam pagar a tributação. O grande rei Manjaco de Basserel viu o seu território reduzido e os Papéis da região de Bissau viram igualmente a sua estrutura quebrada.

Mas graves problemas vão subsistir: em Canhambaque haverá rendição em 1918, mas será fogo de pouca dura; e a autonomia de Indjai, que passa a ser o senhor do Oio e do Cuor, salda-se num período de terror, que obrigará Bolama a decretar uma expedição sangrenta e que culminará com o exílio de Indjai em Cabo Verde. Ficarão bolsas de resistência que irão sendo temporariamente silenciadas. Graças à tributação, mesmo com altos e baixos, a administração entra no interior do território. Joshua Forrest insiste de que comunidades rurais aceitaram superficialmente acatar o poder colonial, não dispõem de capacidade perante o armamento do exército e da armada portuguesa. Mantém-se uma resistência ao pagamento da tributação e as lutas em Canhambaque prolongar-se-ão em 1925 até terem o seu termo no período de 1935 e 1936. Haverá sublevação em Nhacra em 1924 e o autor repertoria hostilidades em Bolama, Farim, Gabu e permanentes estados de revolta dos Balantas, como aconteceu em Maio de 1944, em Catió. Na década de 1930, houve que sufocar as resistências dos Felupes em Suzana-Jufunco. O Capitão Velez Caroço entrou em Suzana em 1 de Novembro de 1933, destruiu tudo e dois dias depois Jufunco. O tratamento dos resistentes é implacável. O autor observa que são décadas de uma palpável não-aceitação da soberania portuguesa. Mesmo os Fulas e os Beafadas nem sempre foram completamente fiéis à potência colonial, exigiam melhores pagamentos pela sua prestação ao lado das dezenas ou centenas de soldados regulares. Também considerando o que se passou nas sociedades rurais durante estas décadas do século XX, o autor mostra casos de rejeição de chefes impostos pelas autoridades portuguesas, uma vincada manutenção das práticas animistas, caso dos Manjacos, e a manutenção de políticas de relação entre etnias para a vida em assentamentos. Ganhou normalidade a criação de povoações com diferentes etnias, mesmo mantendo as tabancas separadas: esta situação ganhou total visibilidade até ao início da luta armada, Manjacos, Beafadas, Fulas, Mandingas, Balantas, entre outros, aceitaram viver uns ao pé dos outros, cultivando a terra em áreas separadas. O autor mostra o caráter multiétnico da região do Cacheu e cita António Carreira que ali foi administrador, ele registou o bom relacionamento entre Papéis, Balantas, Cassangas, Banhuns e Brames, mas também Manjacos aderiram a viver em comum com as outras etnias, não haverá mesmo conflito com os islamizados, as práticas animistas de uns e dos islamizados por outro lado serão acatadas. Mas tornou-se indiscutível que eram os grupos animistas que ofereciam mais resistência na Guiné, os Fulas e os Beafadas eram mais cooperantes com as autoridades coloniais e num campo de certa indecisão estavam os Mandingas.

Analisando a essência do Estado colonial, Joshua Forrest recorda que o grande atrito passava pelos impostos e pela inexistência de grandes grupos económicos, eram as comunidades rurais as detentoras da terra, eram eles que escolhiam os termos da exportação, nomeadamente o amendoim. O comércio transfronteiriço passava à margem do controlo alfandegário, os guineenses atravessavam a fronteira senegalesa, comerciavam com djilas ou faziam trabalho temporário tanto no Senegal como na Guiné Francesa.

O sistema administrativo era deficiente e corrupto, refere o autor. Na década de 1930 havia na Guiné um total de 359 funcionários, mas os próprios relatórios dos governadores referiam uma quase paralisia por falta de dinheiro, daí a falta de produtividade e a bancarrota moral do funcionalismo. O autor é minucioso na apresentação de dados sobre a recolha da tributação e o trabalho forçado. E diz que o Estado colonial era de uma enorme fraqueza, uma tal fragilidade que impedia uma presença constante nas sociedades rurais, deixando-as autónomas.
No próximo texto far-se-á referência à mobilização multiétnica destas sociedades rurais tanto no período da luta armada como depois no Estado pós-colonial.

(Continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 30 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19246: Notas de leitura (1126): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (62) (Mário Beja Santos)

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