sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19263: Em bom português nos entendemos (20): "Partir mantenhas"... (Virgínio Briote)


Amadora > Academia Militar > Campus Amadora > 1963... O Virgínio Briote foi aqui aluno... Não seguiu a carreira das armas, mas fez a guerra da Guiné, em 1965/67; trabalhou depois como quadro superior numa multinacional farmacêutica... E é nosso editor, jubilado. Tem mais de 200 referências no nosso blogue e textos notáveis como os publicados na série Guiné, Ir e Voltar...

[Sobre esta foto: recorde-se que a Academia Militar toma esta designação em 1959, e tem o seu antecedente histórico na Escola do Exército, fundada em 12 de Janeiro de 1837 pelo Marquês de Sá da Bandeira. A sua sede é no Paço da Rainha ou Palácio da Bemposta, na Rua Gomes Freire, em Lisboa, com um polo na Amadora, desde 1959. No Campus Amadora,  sito na Amadora
Na Amadora, na Avenida Conde Castro Guimarães, situa-se hoje a parte significativa do corpo de alunos, nomeadamente os alunos internos, os serviços académicos, e parte proporcional dos serviços de apoio e administração.

O município da Amadora, por sua vez,  foi criado em 11 de setembro de 1977, por secessão das freguesias da Amadora e da Venteira, do nordeste do concelho de Oeiras. Entre os seus símbolos, contam-se o Aqueduto das Águas Livres, bem como os campos de aviação que tiveram tanta importância na emergência da aviação em Portugal, sendo que ainda hoje o Estado-Maior da Força Aérea Portuguesa se situa no concelho, na freguesia de Alfragide. Na foto acima, vêem-se os primeiros prédios da Reboleira, a célebre Reboleira do J. Pimenta, mais tarde freguesia, hoje extinta com a reforma administrativa de 2013, tendo  a parte Norte da freguesia sido anexada à freguesia da Venteira, e a parte Sul, para a recém-criada freguesia de Águas Livres].

Foto: © Virgínio Briote (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



I. Mais um exemplo de um vocábulo, desta feita do crioulo da Guiné-Bissau e de Cabo Verde,  "mantenhas",  que vem grafado no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, sendo citado o seu uso (na expressão "partir mantenhas") no nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) (*)

mantenhas

2ª pess. sing. pres. conj. de manter
fem. pl. de mantenha

man·ter |ê| - Conjugar
(latim vulgar manutenere, de manus, -us, mão + teneo, -ere, ter, segurar)

verbo transitivo e pronominal

1. Deixar ou ficar em determinada posição ou estado.

2. Conservar; defender; observar.

3. Guardar.

4. Dar ou obter o necessário para viver. = Alimentar, Sustentar

verbo pronominal

5. Alimentar-se.

6. Conservar-se, permanecer. [...]

 man·te·nha

(da locução portuguesa [que Deus te] mantenha)

substantivo feminino

[Cabo Verde Guiné-Bissau] Saudação, cumprimento, lembrança (ex.: mantenhas nesta casa).

"mantenhas", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/mantenhas [consultado em 06-12-2018].



II. Uso na expressão "partir mantenhas" no nosso blogue:


Partir mantenhas (**)
Virgíno Briote,
Seatlle,Washington,
 EUA, julho de 2014


Por Virgínio Briote

[ex-aluno da Academia Militar; ex-alf mil, CCAV 489, Cuntima e alf mil 'comando', cmdt Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67; nosso coeditor, jubilado]


Temos aqui um guia apanhado aos terroristas e outro daqui, um caçador nativo, bom conhecedor da região e homem da nossa confiança, o tenente-coronel de óculos chegados à ponta do nariz, cócegas no mapa com o pingalim.

Deixaram Aldeia Formosa pelas 15 horas daquela tarde, dois grupos de combate de uma companhia de caçadores atrás, mais um pelotão de milícias, uma Fox à frente, outra a fechar a coluna.


Estava prevista a chegada à base de ligação, Saala Delta, pelas 18h30, deixar aí o apoio, e começar a progressão rumo ao objectivo, que deveria ser alcançado ao alvorecer. Segundo a ordem de operações, os grupos de combate da companhia de apoio deveriam estacionar, emboscados na estrada, frente a Nhantafará. 

Paragens, algumas demoradas, devidas a problemas com uma das viaturas e alguns atascamentos atrasaram a caminhada. Saala Delta só foi atingida pelas duas da madrugada.  Pararam, chamaram o intérprete, falaram com um guia, depois com o outro. O guia IN dizia não conhecer a estrada, o caçador que estávamos mesmo, mesmo, em Saala Delta, um soldado das milícias que já passou, que talvez seja para trás. Melhor esperar pelo acordar do dia, progredir depois. 

Por volta das cinco, o grupo reiniciou a progressão, companhia para trás, emboscada. A certa altura, de um momento para o outro, o tal guia apanhado aos terroristas ajoelhou-se e não quis continuar. Bem se insistiu, tentou saber-se o que se passava, nada. Embora tivessem perdido tempo a tentar resolver o assunto, não ficaram com dúvidas que estavam no rumo certo, que o objectivo estava próximo. Prosseguiram com cautelas redobradas até que avistaram, recortadas na neblina, duas ou três barracas. 

Duas equipas destacaram-se com o guia, o tal caçador da inteira confiança do comandante do batalhão. Enquanto os dez homens procuravam dispor-se em linha, com os olhos no acampamento, deixaram de prestar atenção ao caçador. E, quando o soldado guineense que o acompanhava se lembrou dele,  ainda o viram, mas a desaparecer entre as casas de mato.

Na mesma altura, como se estivesse tudo combinado, aparece o PCV às voltas em cima deles, a solicitar indicação de posição. Uma rajada foi disparada sobre os intrusos. Ataque imediato à tabanca mesmo em frente, alguns guerrilheiros com armas nas mãos e população a correrem, cada um para seu lado, todos misturados, mulheres e crianças aos gritos.

Os atacantes a recolherem as crianças, as mães, os anciãos e o IN a esgueirar-se de qualquer maneira, a disparar sobre aquela gente toda, sem contemplações. Nada mais havia a fazer, só tirar dali as pessoas e procurar abrigo. A pouco mais de cem metros, foram disparados roquetes para a zona do abarracamento. E, pelo mesmo caminho, com os civis à frente, dirigiram-se ao reencontro da companhia de apoio. Uns quilómetros depois ainda se ouviram alguns rebentamentos, vindos da mata do acampamento que tinham deixado a arder.

Quatro mulheres, 6 crianças, 3 velhos, uma pistola Seska, cinco calças de caqui, duas camisas, um par de polainitos, três barretes, seis bornais, três almotolias de óleo, três centenas de cartuchos de calibres diversos, caixas de fósforos do Ghana, suspensórios, recipientes de material de limpeza, portas-cartucheiras Simonov, calças civis, prospectos "Faúlha", documentos em marabú, uma revista francesa sobre África, quatro exemplares de "O nosso primeiro livro de leitura", cadernos escolares de Augusto Sanco, exemplares de jornais "Libertação", foi tudo, meu tenente-coronel.

Uma aselhice que, afinal, acabou por trazer algum benefício ao batalhão. Sem que ninguém se apercebesse, as duas equipas a organizarem-se para o ataque, e o guia de toda a confiança do tenente-coronel a ir “partir mantenhas” (#) com os parentes que tinha no acampamento do PAIGC. 

Alguém do batalhão disse mais tarde que o comandante tinha recebido a informação que o guia morrera durante a fuga, nas proximidades do acampamento. 

A Fox à frente, luzes no máximo, os picadores a pé a abrirem caminho à coluna, o regresso interminável a Buba, os olhos a fecharem-se-lhes de cansaço e sono, uma sensação de frustração que nem visto. Depois, no cais, em Buba, continuaram a dormitar, à espera da lancha para Bolama.

Chegaram já quase à noite, àquela cidade do passado. Parada nos tempos, mesmo assim uma beleza.

(#) Cumprimentar
___________

1 comentário:

José Botelho Colaço disse...

Nós portugueses e principalmente os comandantes enfiavam cada saco!