quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19260: Historiografia da presença portuguesa em África (139): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Atendendo aos conhecimentos da época (o trabalho foi escrito em 1946, no âmbito das comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné) temos que tirar o chapéu à laboriosa investigação deste padre franciscano, consultou o que na nossa historiografia e na francesa era demais relevante acerca de Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas, Manjacos, Brames ou Mancanhas, Papéis ou Pepéis, Biafadas ou Beafadas ou Beafares, Mandingas, Fulas e as respetivas subdivisões, Balantas, Nalus, Bijagós, e um pouco mais.
Trata-se de um trabalho consciencioso de alguém que viveu seis anos na Guiné e se rendeu ao fascínio daquele inextrincável mosaico étnico, uma das pujanças e deslumbramentos da Guiné.

Um abraço do
Mário


As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (1)

Beja Santos

Em quatro números da publicação “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”, com datas de 1946 e 1947, o padre franciscano Dias Dinis, que viveu alguns anos na colónia, deu à estampa um seu trabalho sobre as etnias da então Guiné Portuguesa. Diz à partida tratar-se de um despretensioso trabalho, um simples registo de notas, se bem, de acordo com a bibliografia apresentada, fique claro que consultou o que então era cientificamente mais válido e que constitua atualidade, caso de O Manuscrito “Valentim Fernandes”, edição da Academia Portuguesa de História, 1940, Guiné Portuguesa, de Luís António de Carvalho Viegas, 1936, Babel Negra, de Landerset Simões, está a par de diferentes publicações francesas, leu claramente André Alvares de Almada, Duarte Pacheco Pereira, Guiné. Apontamentos Inéditos, pelo General Dias de Carvalho, 1944, e muito mais.

Como é evidente, a antropologia, a etnologia e etnografia guineenses evoluíram muito, cuide o leitor de que há inexatidões e pontos desatualizados, mas o ponto central era o estado dos conhecimentos, a visão do missionário ocidental rendido à curiosidade de naquele território com pouco mais de 36 mil quilómetros quadrados ali coexistirem etnias como Felupes, Baiotes, Banhuns, Manjacos, Mancanhas, Biafadas, Papéis ou Pepéis, Mandingas, Fulas e suas derivações, Balantas, Nalus, Bijagós e outras. Observa, citando um trabalho do professor Mendes Correia que não estava ainda esclarecido o problema das origens e afinidades raciais de todos os grupos étnicos guineenses. Estudiosos como Deniker tinham tentado categorizar, Deniker adotou a seguinte classificação: Fulas e Mandingas provenientes de uma mistura de Etíopes e de Nigríticos (negros sudaneses e nilóticos); as demais tribos constituiriam o grupo dos Nigríticos litorais ou guineenses, que usam línguas bantos.

Em termos etnográficos, antes da chegada dos portugueses à Guiné, ali residiam populações indígenas autóctones e outras adventícias e é inquestionável a existência de grupos étnicos bastante diferenciados, o que demonstra sucessivas imigrações. Das populações autóctones, algumas sofreram influências islâmicas, outras não. O autor apresenta-se perante os seus leitores dizendo que a recolha a que procedeu assenta, essencialmente, na Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné, de Zurara, nas Navegações do veneziano Luís de Cadamosto, no Manuscrito «Valentim Fernandes», no Esmeraldo "de situ orbis" de Duarte Pacheco Pereira. Estes autores são invocados porque nalgumas das suas obras nem sempre figuram as diferentes etnias guineenses. E escreve mesmo: “Nem todas as tribos citadas por Valentim Fernandes e Duarte Pacheco Pereira estão representadas na Guiné Portuguesa de hoje. Algumas desapareceram, fundiram-se com outras ou mudaram de nomes". E vai passar em revista, sempre a insistir que são notas ligeiras, as etnias que conheceu e que são objeto deste estudo.

Logo os Felupes, instalados entre o Atlântico e os rios do Arame, de Casamansa e Cacheu. Valentim Fernandes situa os Felupes nas margens de um braço do rio Casamansa dizendo que no vestir, adorar e comer, os Felupes podem-se equiparar aos Balantas. O mesmo autor trata-os por grandes guerreiros, possuidores de canoas em que remavam 50 a 60 homens e eram governados por um Mansa, dependente do Imperador. Era uma majestade verdadeiramente selvagem, punha e dispunha da vida dos seus súbitos, chegava a praticar atrocidades. André Alvares de Almada chamava os Felupes “pretos muito negros”. Francisco de Azevedo Coelho, comerciante nas margens do rio Buba no século XVII fala também dos Felupes, entre outros autores. Landerset Simões diz que pertencem à família dos Djolas.

Quanto aos Baiotes, estariam confinados entre o Cacheu, os Felupes, os Banhuns e a fronteira. Em tudo idênticos aos Felupes, tinham dialeto próprio. O Padre Marcelino Marques de Barros considerava tratar-se uma subdivisão dos Felupes.

Passando para os Banhuns, Valentim Fernandes dedicou-lhes muita atenção. Eram gente pacata que aceitou a chegada dos cristãos mercadores. Tinham uma feira semanal a cerca de 7 léguas do rio Casamansa, que atraía muito gentio. Eram idólatras. Valentim Fernandes descreve como sagravam os seus deuses, que eram simples forquilhas, implantadas no terreno, com longo e custoso cerimonial. Duarte Pacheco Pereira não teve conhecimento direto da tribo dos Banhuns que localiza, tanto quanto parece, entre o Geba e o Cabo da Verga. Adianta o Padre Dias Dinis que no século XVII trabalharam ativamente no território dos Banhuns os missionários franciscanos.

Temos agora os Cassangas, limitada territorialmente pelos Banhuns, pela fronteira, pelo rio Cacheu e supõe-se que pelo rio Abul, a leste. O rei vivia na povoação de Brucama, aqui se efetuava uma grande feira onde se vendiam escravos, produtos da terra e outras mercadorias. Era um chefe não eleito pelos seus súbitos, era nomeado de entre as pessoas da Casa Real e às vezes o novo chefe era imposto pelas armas. A terra era segura para os mercadores portugueses. Coisa que ali se perdesse logo sabia o rei dela e entregava ao seu dono. Os indígenas criavam abelhas em colmeia. Nas guerras, usavam azagaias, frechas, adargas, facas, espadas curtas e até paus. Belicosos, viviam em casas boas. Reverenciavam ídolos que eram “uns paus fincados no chão, de baixo de alguma árvore grande e sombria”. A estas Chinas ofereciam vinho de palma e de milho, ofereciam comida e vinho aos seus defuntos.

Segundo o autor, os Balantas habitavam principalmente os territórios das circunscrições de Mansoa e Bissorã, a zona média do rio Cacheu e o estuário dos rios Geba-Corubal. A primeira notícia que temos dos Balantas é dada por Valentim Fernandes, provavelmente escrita ainda no século XV, ele descreve os seus usos e costumes, como se vestem, o que cultivam, o gado que criam, as suas armas, a expressão da sua idolatria, a sua habitação. André Alvares de Almada, Duarte Pacheco Pereira referem-nos, Almada refere-se aos Balantas quando trata dos Brames do Geba e da ilha de Bissau. Os Balantas dão-se a si mesmos o nome de Brásà, ainda não se sabe o motivo. O desfile étnico vai prosseguir, logo com os Manjacos e com os Mandingas.

(Continua)

Povo Nalu – Aldeia de Cacine – Guiné-Bissau – África Ocidental
Foto: Jose Valberto Teixeira Oliveira – abril de 2010, retirado do site http://www.povonalu.com/, com a devida vénia.

Imagem retirada de Independent, com a devida vénia.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19217: Historiografia da presença portuguesa em África (137): Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935 (Mário Beja Santos)

Sem comentários: