quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19217: Historiografia da presença portuguesa em África (138): Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Para se aquilatar do bom ao mau uso que estes relatórios produzidos anualmente pelos administradores de circunscrição tinham junto dos governadores, impõe-se fazer a leitura dos respetivos relatórios destes últimos para os ministros das Colónias. É o que se irá procurar fazer, depois de passar a pente fino todos os que constam da secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. Manuel Luiz da Silva já nos dera o relatório de 1932, desta vez envereda pela dimensão antropológica social, tece comentários curiosos que vale a pena registar.

Um abraço do
Mário


Relatório Anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1935

Beja Santos

Dando continuidade à publicitação de documentação constante na secção de Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa, mostra-se alguns dos elementos essenciais do relatório assinado pelo Administrador da Circunscrição dos Bijagós, Manuel Luiz da Silva, em 1935. Recorde-se já aqui se dera à estampa alguns dos elementos mais significativos do relatório de 1932, também referente aos Bijagós[1].

Passando à margem das informações que constam em todos os relatórios, vamos entrar diretamente para elementos pertinentes do presente relatório. Começa por nos dizer que a única raça que habita o arquipélago é a bijagó, seriam 44 mil, de acordo com o recenseamento de 1924. Na atualidade a população tinha diminuído devido a muitos terem emigrado para o continente por não quererem trabalhar para o pagamento dos seus impostos, levando fora do arquipélago, na maioria dos casos, vida de nómadas. Mas quando melhora o quadro de crise, voltam às suas ilhas, pelo amor que lhes dedicam:
“Aqueles que a doença os prostra ou vêem aproximar-se o fim da vida, mesmo aqueles que os seus classificam de feiticeiros ou se vêem ou se julgam perseguidos por qualquer motivo, regressam, os primeiros para morrerem de morte natural e serem enterrados na sua terra ou na sua palhota, e os segundos para se suicidar, o que é frequente, por crerem na transmigração das almas”.

E procura dar um quadro de antropologia social do bijagó:
“Raça forte, inteligente, indolente e pacífica, já não são os bijagó os piratas que noutros tempos foram. Com excepção dos de Caravela e Caraxe, que talvez por motivos de uma superstição, nunca foram marinheiros. A inteligência serve-lhe mais as vezes para o mal do que para o bem, pois são mentirosos por índole, e, ainda mais, avessos à civilização, acatando, contudo, a colonização.
São hospitaleiros a ponto de se deixarem extorquir pelos seus hóspedes, sem que procurem livrar-se desses inoportunos, porque os seus usos e costumes e a lei da hospitalidade lhos impedem.
Se tiverem queixas e tenham de exercer vingança pessoal que mereça agressão a um estranho à sua raça, esperam encontrar-se fora da sua terra para a exercerem.
As terras são da comunidade. Nas ilhas de Caravela, Caraxe, Naga, Chedian e nalgumas povoações da Formosa vigora o regime patriarcal, nas restantes ilhas é mais acentuado o regime de matriarcado; mas em todas as ilhas quem namora, quem fala e trata do casamento é a mulher, é a mulher que põe o marido fora de casa, nas ilhas onde ela predomina. No entanto, o predomínio da mulher sobre a família, nas ilhas onde existe o matriarcado, tende a extinguir-se, pouco a pouco.
Não usam a circuncisão como em outras raças, mas fazem o simulacro, nessa ocasião são os rapazes de 20 a 30 anos submetidos à prova de resistência, que consta de flagelação com chicotes, podendo durar as cerimónias 2 ou 3 meses.
As mulheres, entre elas, também passam pelas mesmas provas mas muito mais suaves e menos demoradas. Nessa ocasião procedem à tatuagem. A cerimónia da desfloração é feita em segredo, como todas as cerimónias, usando-se de uma vagem própria para o acto. Cerimónia a fazer mas desnecessária, pois a desfloração já de há muito foi feita conforme manda a natureza, na idade de 12 anos em diante.
Toda a vida do bijagó anda à volta do fanado (acto de simulação da circuncisão) e das suas vacas, de que tudo imitam, inclusive o coito, imitam a vida de alguns peixes, como o tubarão e o espadarte, dos anfíbios, especialmente a do hipopótamo, executando todos os actos brutais dos animais”.

E o relatório do Administrador Manuel Luiz da Silva adianta mais informações:
“A Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, dentro das suas concessões nas ilhas de Bubaque, Soga e Rubane, possui cerca de 120 quilómetros. Um naturalista, aqui, tem matéria vasta de estudo. O que é certo é que é bem conhecida a existência de répteis, que já Camões, nos Lusíadas, os cita no Canto V, Estância XI. Foi dessa Estância que se baptizou um grémio existente em Bubaque, o Grémio Dórcada.
Bubaque possui uma praia, ao sul, onde é frequente os banhistas dela se servirem sem perigo dos tubarões, toda de areia consistente, com extensão de 4 quilómetros, servindo, como já tem servido, para corridas de automóveis”.

Procede depois a uma descrição dos Serviços Públicos e termina o seu documento dizendo que a ilha de Canhambaque se encontra temporariamente submetida ao regime militar, o Comandante da Força era o Tenente José de Passos Simas e o Segundo Sargento chamava-se Aníbal Augusto.



Tipos étnicos guineenses. 
Imagens retiradas da publicação “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 31 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19152: Historiografia da presença portuguesa em África (134): Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 14 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19192: Historiografia da presença portuguesa em África (136): Crenças e costumes dos indígenas da ilha de Bissau no século XVIII - Revista "Portugal em África" (Mário Beja Santos)

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