1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2018:
Queridos amigos,
Se gostava de Toulouse-Lautrec, fiquei seu amigo incondicional. É certo que ao longo das últimas décadas conversava com ele em Bruxelas, no Museu de Ixelles, que alberga uma coleção riquíssima de cartazes deste mestre, em exposição permanente. Mas conhecer o Museu de Albi é uma possibilidade, talvez única, de ser confrontado com a evolução do seu génio, desde uma arte um tanto convencional até ao seu traço caraterístico que atravessa o universo de entretenimento e pândega da Paris do seu tempo, são registos únicos, não convencionais, em que pela primeira vez na história das Belas-Artes a cortesã e a meretriz são retratadas como seres humanos nossos irmãos.
E aqui acaba a viagem a Toulouse, segue a Holanda e a Bélgica, a seguir uma semana em Cotswolds, região de Oxford, e mais adiante se verá.
Um abraço do
Mário
Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (13):
À despedida, uma sentida homenagem a Toulouse-Lautrec
Beja Santos
O viandante sentir-se-ia mal se não voltasse a Albi, um tanto fora de horas, de Toulouse-Lautrec só se pode dizer muitíssimo bem, ninguém lhe regateia o génio. O viandante guardara um acervo de imagens daquela visita a este impressionante museu, doía-lhe a alma se não a partilhasse convosco. Já se sabe tudo sobre este aristocrata, que era um tanto disforme, desproporcionado entre cabeça, tronco e pernas, que cedo descobriu o gosto pelas Belas-Artes, que foi para Paris e não se deu bem com o classicismo, logo descobriu Van Gogh, seu ponto de referência. Paris será o seu teatro do mundo, percorrerá a cidade febricitante, sobretudo à noite, no mundo dos cabarés, dos bailes, dos prostíbulos. O que o viandante começa por reter são os seus primeiros trabalhos, uma fortíssima atração por desenhar cavalos e pintá-los. Já era um génio sem discussão, embora sem notoriedade.
Henri-Marie-Raimond de Toulouse-Lautrec nasceu belo e sadio mas ganhou uma insólita aparência, na adolescência, as pernas não se desenvolveram normalmente. Enquanto convalesce de acidentes com as pernas, observa manobras militares, desenha a movimentação dos soldados, os cavalos ganham vida nas suas telas. Foi uma meteórica preparação para a sua arte futura, tal como os retratos que lhe saíram das mãos.
Mesmo no apogeu, o retrato é fonte de atração, o captar perfis, o que aqui se vê é ainda um tanto estático, austero, escurecido. A sua pintura irá ganhar luz, embora admire Manet, Rénoir e sobretudo Degas ele irá preferir, ao arrepio do impressionismo, tonalidades claras, finas pinceladas de cor crua. É o seu caminho artístico, nitidamente pessoalíssimo.
Nem sempre o que pinta é uma sofrida humanidade noturna, Toulouse-Lautrec gosta da pândega, ele e os amigos apreciam fantasiar-se com trajes exóticos, ele é doido por festas e bailes. Irá mesmo trabalhar nas artes gráficas e vale a pena recordar que para muitos críticos de arte o melhor do seu talento ficou plasmado nos cartazes. Aqui acaba o rol de imagens que se retivera desse génio que pintou cavalos, cabriolés, mulheres sentadas, bailes, artistas, bailarinas, interiores de bordéis, e sempre retratos nessa Paris feita festa, onde ele participou vezes sem conta, à beira do precipício, preparando a sua morte precoce. Tem para si o viandante que tudo fará para um dia destes regressar a Albi, só para voltar a conversar com Henri de Toulouse-Lautrec.
Atravessa-se o parque, a caminho do canal do Midi, há que levantar a trouxa no hotel e apanhar transporte até ao aeroporto. Mas o viandante não resiste, regista uma escultura daquele tempo em que era corriqueiro encontrar-se a melhor arte nos jardins e alegra-se com o facto de que a vida vibra, e que o bom tempo ajuda a que gente de todas as idades baile no coreto. Haja festa!
Agora é tomar o avião e regressar, Toulouse não lhe sairá da memória. E é bom que este aeroporto, de dimensão regional, exiba tapeçarias e outras obras de arte de grandes mestres, o viandante não se acanharia de ter em sua casa esta obra prodigiosa de Fernand Léger, é um realismo cheio de carinho, uma arte sonhadora de um tempo em que os operários pareciam destinados a criar um mundo novo, é uma cromática de viço, alegria e esperança.
E nada mais há a dizer, neste fim de viagem.
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Nota do editor
Último poste da série de 17 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19202: Os nossos seres, saberes e lazeres (293): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (12): O esplêndido Museu Arqueológico Saint-Raymond, em Toulouse (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Caro Mário,
De cada vez que venho ao blog, és omnipresente, ora com apontamentos sobre a historiografia da Guiné, ora com interessantes reportagens por cenários europeus de um «viandante» veterano das bolanhas, que cultiva o bom gosto com o conhecimento das artes. Parabéns pela persistência.
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