sábado, 8 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19266: Os nossos seres, saberes e lazeres (296): Viagem à Holanda acima das águas (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Um dos aspetos que acicata a viagem é o facto de que por mais informação que se possua e até visualização dos lugares, o completamente inesperado acaba por nos encher o espírito. Foi logo o caso desta igreja de São Pedro, uma dicotomia entre a pompa contida e a severa linha calvinista, reduzindo a amostra religiosa a túmulos e epitáfios, lápides e memoriais, alguns túmulos e pintura. A surpresa veio de se verificar que os Peregrinos, em fuga às perseguições religiosas de Henrique VIII, aqui tiveram guarida, até partir para a América do Norte, onde fundaram comunidade e se transformaram num dos pilares da História norte-americana.
É por isso que a viagem nunca acaba desde que a curiosidade permaneça desperta.

Um abraço do
Mário


Viagem à Holanda acima das águas (2)

Beja Santos

A Igreja de São Pedro de Leiden é o monumento icónico da cidade. Começou por ser uma basílica cruciforme católica, com a Reforma transformou-se num bastião protestante, é hoje monumento nacional, considerado um lugar de reunião polivalente. Entra-se e é rapidamente percebido que o templo está marcado pelo rigor protestante. Dentro e fora, contudo, encontramos brasões de armas, monumentos, epitáfios, lápides, emblemas das corporações, escudos funerários, painéis religiosos, cruzes, túmulos, sinos, pintura em superfície seca… O mínimo que se pode dizer é que o viandante tem muitíssimo para ver naquele contexto aparente de imponência grave e de vigilância austera.




Este Juízo Final aqui exposto, é um empréstimo, a sua casa primitiva está em obras. É uma das mensagens mais poderosas que acompanham o Cristianismo em que a pintura exerce um papel pedagógico sem precedentes: no retábulo encerra-se a mensagem do que é viver bem praticando o bem e fugindo das fontes do mal, daí a advertência do fogo do inferno em contraposição à contemplação paradisíaca.


Memorial evocativo dos Peregrinos.

Entre o muito que há para ver neste grandioso templo, temos a história dos Peregrinos de Mayflower, alguns deles, em fuga dos rigores do protestantismo de Henrique VIII, que também se dedicou à perseguição religiosa, chegaram a Leiden em 1609. Daí a importância que os Peregrinos nos Estados Unidos dão a este templo. Os Peregrinos viajaram para a América do Norte a bordo do Mayflower, a sua expetativa era construir uma vida nova, não se davam muito bem com a severa moralidade holandesa. Estava iminente o fim da trégua de doze anos da República com o reino de Espanha, em 1621 sentiram-se forçados a abandonar o país. Era aqui que os Peregrinos celebravam as suas missas, o batistério e uma parede exterior conservam placas comemorativas. E deixaram outra lembrança, o Pacto do Mayflower, onde declararam a intenção de formar uma comunidade política que pretendiam estabelecer no norte da colónia britânica da Virgínia (atualmente Plymouth, Massachusetts).



A grelha do Coro de São Pedro em Leiden é tida como a mais antiga dos Países Baixos, trata-se de uma construção com vigamento de carvalho velho que data de 1410, sendo o friso do século XVI.


Leiden é quase completamente plana. Fora do quase há um castelo, hoje uma reminiscência de uma cidadela que vem do século IX, ainda há muralhas com uma altura de seis metros para lembrar o seu papel defensivo. Hoje é uma atração turística para desfrutar panorâmicas que o solo da cidade não permite desfrutar. O viandante entusiasmou-se com esta visão da igreja de São Pedro incrustada no casco histórico, não deixa de ser impressionante.


Concluída a visita a Leiden, regressa-se a Alphen aan den Rijn, é tempo de conhecer o lugar onde se dorme e come, é uma cidade com cerca de 110 mil habitantes, tem uma população próxima de Leiden, a cidade dispersa-se, mas mantém uma densidade por quilómetro quadrado bem alta. Há quem critique esta casa de cultura, considerando-a uma monstruosidade que atenta contra os princípios ecológicos. Vista de perto, tem este gigantismo de cimento e vidro, o viandante sentiu-se atraído pelas linhas curvilíneas, uma sensação de profundidade, enganadora pela ilusão ótica da escala.



Em plena artéria comercial ultramoderna é possível encontrar entretenimentos que vêm do passado, aquela caranguejola musical atrai muita gente, o burrico não está para conversas, mais comunicativo é o cão, que parece zelar pela caixa de música enquanto o patusco empresário recolhe as moedas.

Fim do primeiro dia acima das águas da Holanda.

(Continua)
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Nota do editor

Último poeta da série de 1 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19250: Os nossos seres, saberes e lazeres (295): Viagem à Holanda acima das águas (1) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

Luís Graça disse...

Mário, parece que a Holanda está-se a afundar, aliás, estamos todos... Temos, desde o tempo de Ramalho Ortigão, ou muitos séculos antes, uma relação de amor-ódio com estes 'flamengos'... Um país que eu admiro, mas não dava para lá viver... Fui lá em trabalho várias vezes... Nunca dá para conhecer, a não ser mal...

Obrigado pela crónica. Luís

Valdemar Silva disse...

É verdade Luis.
Viver na Holanda só os holandeses.
Leiden, ou Leia, já quer dizer água, dá gosto andar por lá no verão e mesmo assim
nunca fiando.
Por razões familiares, eu conheço alguma coisa da Holanda, sempre que lá vou e com o meu problema de saúde depressa regresso para o nosso seco-quentinho Portugal.
A construção de edifícios, em muitos locais, tem que obedecer a uma técnica que só
os holandeses conseguem executar, dado que cada cavadela cada poça d'água. Nota-se
perfeitamente alguns edifícios inclinados por cedência dos alicerces, que estão assim mas não caem.
A localidade Gielthoorn, mais a norte, é toda ela dentro d'água. O percurso pelas suas rua só pode ser feito de barco e, incrível, nem bicicletas andam por lá. Esta localidade é uma beleza que deve ser visitada, pois tem lá de tudo o que é preciso mas convém que se saiba nadar.
Vamos esperar por mais uma interessante crónica do Beja Santos.
Ab.
Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...

Ia me esquecendo.
Teria sido interessante que Beja Santos visitasse de Poortugaal, na zona de Roterdão, para nos explicar a história desta localidade, com certeza relacionada com o nosso país.
Valdemar Queiroz