GUINÉ, IR E VOLTAR - XV
ME-14-04
Um ano e pouco depois da formação dos grupos, a sangria continuava, uns incapacitados e outros a acabarem as comissões.
Dos 4 grupos iniciais ficaram dois, os que tinham alferes, os Diabólicos e os Vampiros. Os que sobraram dos Apaches e dos Centuriões foram repartidos pelos outros dois grupos.
Dos outros dois chefes de grupo, um seguiu o seu caminho, psiquiatria primeiro, baixa a librium e triptyzol, às vezes com água, outras vezes não, até que teimou em pedir alta. Foi convalescer para Guilege, na altura um dos sítios mais aquecidos da Guiné. O camarada de Brá acompanhou-o a Bissalanca, beberam uma água no bar do aeroporto à espera do embarque no Dornier. Amigos e companheiros de quarto durante meses despediram-se, sem palavras, com um abraço.
Quando lá chegares diz qualquer coisa!
Dois ou três dias depois dizia-se em Brá que tinha sido bem recebido pela NT e pelo IN também, que logo na noite da chegada não quis faltar, convidando-o a assistir e a participar na festa, metido nos buracos até acabarem as comemorações.
Continuava assim o seu percurso, só lhe faltava mudar o líquido, o que parece não ter demorado muito.
A permanência dele por lá não foi fácil, como se calculava. E quando a comissão foi dada por terminada, no aeroporto em Bissalanca não era capaz de falar, só abanava a cabeça, a chamada para o embarque na TAP, o abraço do camarada e amigo, lá ia ele sem o saco de viagem. E quando subia as escadas para o avião, parece que não queria deixar aquela terra, escorregou, ainda desceu um ou dois degraus desamparado, a amarrar-se a um dos corrimões, a hospedeira a tentar dar-lhe a mão, o camarada a respirar melhor quando a porta do avião se fechou. O outro alferes adoeceu quase logo no início da actividade operacional do grupo, ficou de baixa, embora se ocupasse na instrução física, em que era bastante competente. O sargento Mário Dias chefiou o grupo até chegar a vez dele acabar a comissão e os Apaches mantiveram um desempenho excelente.
O capitão continuava a sua saga, endireitá-los a qualquer custo. Assim não estranhava que não estivesse nada satisfeito, mas mesmo nada, com a comunicação que a PM lhe tinha apresentado naquela manhã. Um jipe dos comandos com seis gajos dentro, a entrar por um campo de mancarra, junto ao hospital? Que é isto? Estas brincadeiras ainda não acabaram? Não quero mais histórias destas aqui!
Estendeu-lhe a participação da PM assinada pelo comandante, Capitão Matos Guerra. Trate de averiguar o que se passou.
Mudando de assunto, amanhã tenho tarefa para si. Vai levar a Nhacra o 1.º Cabo Pinto.
Quem, meu capitão?
A D. Cecília Supico Pinto do M. N. F., parece que agora quer que que lhe chamem 1.º Cabo Pinto e vem com a D. Renata, também da organização.
O que vai fazer? Vai escoltá-las até Nhacra, deixá-las lá. Amanhã passam cá a manhã, mostramos-lhes as instalações, almoçam connosco, pega no seu grupo e leva-as a Nhacra. Depois regressa.
Foi mesmo assim, no dia seguinte entre duas Mercedes, o 14-04, já recomposto, foi entregar as senhoras ao pessoal de Nhacra.
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Partir mantenhas1
Temos aqui um guia apanhado aos terroristas e outro daqui, um caçador nativo, bom conhecedor da região e homem da nossa confiança, o tenente-coronel de óculos chegados à ponta do nariz, cócegas no mapa com o pingalim.
Deixaram Aldeia Formosa pelas 15 horas daquela tarde, dois grupos de combate de uma companhia de caçadores atrás, mais um pelotão de milícias, uma Fox à frente, outra a fechar a coluna.
Estava prevista a chegada à base de ligação, Saala Delta, pelas 18h30, deixar aí o apoio, e começar a progressão rumo ao objectivo, que deveria ser alcançado ao alvorecer. Segundo a ordem de operações, os grupos de combate da companhia de apoio deveriam estacionar, emboscados na estrada, frente a Nhantafará.
Paragens, algumas demoradas, devidas a problemas com uma das viaturas e alguns atascamentos atrasaram a caminhada. Saala Delta só foi atingida pelas duas da madrugada.
Pararam, chamaram o intérprete, falaram com um guia, depois com o outro. O guia IN dizia não conhecer a estrada, o caçador que estávamos mesmo, mesmo, em Saala Delta, um soldado das milícias que já passou, que talvez seja para trás. Melhor esperar pelo acordar do dia, progredir depois.
Por volta das cinco, o grupo reiniciou a progressão, companhia para trás, emboscada. A certa altura, de um momento para o outro, o tal guia apanhado aos terroristas ajoelhou-se e não quis continuar. Bem se insistiu, tentou saber-se o que se passava, nada. Embora tivessem perdido tempo a tentar resolver o assunto não ficaram com dúvidas que estavam no rumo certo, que o objectivo estava próximo. Prosseguiram com cautelas redobradas até que avistaram, recortadas na neblina, duas ou três barracas.
Duas equipas destacaram-se com o guia, o tal caçador da inteira confiança do comandante do batalhão. Enquanto os dez homens procuravam dispor-se em linha, com os olhos no acampamento, deixaram de prestar atenção ao caçador. E quando o soldado guineense que o acompanhava se lembrou dele ainda o viram, mas a desaparecer entre as casas de mato.
Na mesma altura, como se estivesse tudo combinado, aparece o PCV2 às voltas em cima deles, a solicitar indicação de posição.
Uma rajada foi disparada sobre os intrusos. Ataque imediato à tabanca mesmo em frente, alguns guerrilheiros com armas nas mãos e população a correrem, cada um para seu lado, todos misturados, mulheres e crianças aos gritos.
Os atacantes a recolherem as crianças, as mães, os anciãos e o IN a esgueirar-se de qualquer maneira, a disparar sobre aquela gente toda, sem contemplações.
Nada mais havia a fazer, só tirar dali as pessoas e procurar abrigo. A pouco mais de cem metros, foram disparados roquetes para a zona do abarracamento. E pelo mesmo caminho, com os civis à frente, dirigiram-se ao reencontro da companhia de apoio. Uns quilómetros depois ainda se ouviram alguns rebentamentos, vindos da mata do acampamento que tinham deixado a arder.
Quatro mulheres, 6 crianças, 3 velhos, uma pistola Seska, cinco calças de caqui, duas camisas, um par de polainitos, três barretes, seis bornais, três almotolias de óleo, três centenas de cartuchos de calibres diversos, caixas de fósforos do Ghana, suspensórios, recipientes de material de limpeza, portas-cartucheiras Simonov, calças civis, prospectos "Faúlha", documentos em marabú, uma revista francesa sobre África, quatro exemplares de "O nosso primeiro livro de leitura", cadernos escolares de Augusto Sanco, exemplares de jornais "Libertação", foi tudo, meu tenente-coronel.
Uma aselhice que, afinal, acabou por trazer algum benefício ao batalhão. Sem que ninguém se apercebesse, as duas equipas a organizarem-se para o ataque, e o guia de toda a confiança do tenente-coronel a ir “partir mantenhas” com os parentes que tinha no acampamento do PAIGC.
Alguém do batalhão disse mais tarde que o comandante tinha recebido a informação que o guia morrera durante a fuga, nas proximidades do acampamento.
A Fox à frente, luzes no máximo, os picadores a pé a abrirem caminho à coluna, o regresso interminável a Buba, os olhos a fecharem-se-lhes de cansaço e sono, uma sensação de frustração que nem visto.
Depois, no cais, em Buba, continuaram a dormitar, à espera da lancha para Bolama.
Chegaram já quase à noite, àquela cidade do passado. Parada nos tempos, mesmo assim uma beleza.
Bolama, Hotel Turismo. Imagem do blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné. A devida vénia.
____________Notas
1 - Cumprimentar
2 - Posto de Comando Volante, ou PCA, Posto Comando Aéreo, normalmente em Dornier
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Buba, outra vez3
“Reconhecimentos aéreos confirmam a existência de uma base IN junto ao pontão de Buba Tombó. Na última operação ali efectuada, as NT foram emboscadas por um grupo calculado em cerca de 100 elementos. Na mesma acção foram levantadas 2 minas a/c e um fornilho na estrada Buba-Buba Tombó. Sabe-se que o mesmo itinerário se encontra minado e que a picada Sare Tuto-Buba Tombó também devia estar minada contra pessoal pois nele já foi accionada uma mina a/p. O acampamento de Buba Tombó serve de ligação entre as bases de Antuane e Injassane para os reabastecimentos IN e corta a estrada em Buba e Fulacunda. Não há guia para o acampamento, apenas guias conhecedores da zona”.
Quinze homens do grupo de comandos saíram de Buba pouco passava das 21h00, iniciando a progressão pela estrada na direcção de Buba Tombó. A cerca de três quilómetros desta tabanca, local indicado por um dos guias da zona, tentaram entrar na mata através de várias pontuadas. Sem sucesso. Visibilidade zero, lua escondida e vegetação densa. Decidiu-se aguardar o amanhecer, entrar na mata e procurar um caminho para o acampamento.
Já com a mata em frente, a estudá-la com os olhos, com uma pequena bolanha a separá-la, surgiu a parelha de T-6. Procurou estabelecer-se a ligação rádio, o que não foi possível. As frequências tinham sido alteradas, sem conhecimento do grupo! Estabelecida uma ligação verificou-se que os indicativos também não estavam certos.
Os T-6 começaram a picar sobre a mata, deviam ter avistado algo com interesse, e o grupo que já se encontrava muito próximo abrigou-se o melhor que pôde. Com as frequências e os indicativos alterados não havia a certeza de quem estava a falar com quem e os pilotos dos T-6 decidiram afastar-se.
O grupo de comandos torneou a bolanha e, não encontrando carreiros de acesso ao acampamento, foi-se internando na mata até avistar um elemento IN que disparou uma longa rajada de PPSH, atingindo um milícia, conhecedor da zona que os acompanhava, gravemente no ventre. Com os intestinos pendurados, uma equipa ficou a prestar-lhe o socorro possível, enquanto as outras duas se lançaram na direcção do guerrilheiro. Apareceram as barracas, recolheu-se o material que foi possível transportar, o de menor interesse destruiu-se. O acampamento era constituído por duas casas com 12 camas numa e 8 noutra e defendidas por abrigos cavados no terreno à volta.
Abrigos com disposição idêntica a esta. Foto na net.
Não sendo possível evacuar o ferido no local, foi transportado numa maca improvisada, a corta-mato, enquanto o IN fazia fogo de morteiro e de RPG sobre o acampamento, sem consequências para o grupo, já a retirar pela mata.
Viram os T-6 a sobrevoá-los quando já se encontravam a caminho de Buba.
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Nota
3 - Operação "Olinda", Buba
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Vamos ser independentes
Naquele fim de tarde, quando, vindo da Amura, descia a rua em direcção à Sé, viu o pai da Teresa, de calção, no pequeno jardim, a tratar da relva e das flores. Aliás, viram-se um ao outro ao mesmo tempo, um a desviar os olhos para o outro lado, para uma montra de uma casa de fotografias, o pai mais demorado, a endireitar-se, sacho na mão, talvez a magicar, se calhar é aquele o tipo que anda atrás da Tesa.
Sé de Bissau
Lá em baixo, acabada a missa da tarde, Teresa, véu dobrado numa mão, braço na mãe, ia começar a subida da rua para casa quando o viu. E agora, perguntou-se ele.
A mãe conhece-te de vista, já te viu da janela mais que uma vez, uma tardinha perguntou-me até se te conhecia.
Sei lá, mãe, um militar qualquer, como hei-de saber, queres que lhe pergunte o nome, porque está a passar na rua?
Que atrevida que estás, Tesa, julgas que tenho os olhos fechados?
E se nós mudássemos a conversa, mãe?
Uns tempos mais tarde viu-me a falar contigo, junto ao jipe. Quando me viu voltar a correr, fez-se desentendida, desceu para o jardim, para a minha beira, eu calada, com o livro na mão. Desconfiei da chegada tão repentina, fiz de conta que não entendi, falou-me da carta da tia de Santo Antão a dizer que vinha passar um tempo connosco. Fiz-me ausente, desinteressada, ah sim, quando?
E não me largava, a perguntar-me como iam as aulas.
Tentei evitar até não poder mais, a mamã não saía dali, sempre com perguntas.
Sim conheço-o, tem mal, mãe?
Que não, desde que eu lhe contasse tudo, que tivesse cuidado, que vocês, militares longe das famílias, saudosos das namoradas, estavam aqui de passagem, só queriam divertir-se.
Um dia que calhe eu apresento-to, está bem mamã? E arrumei os livros e o assunto.
Mais coisa menos coisa, a conversa terá sido assim, contara-lhe ela, dias depois.
Rua de Bissau. © Foto do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné.
De saída da missa, então, de braço dado com a mãe, mudou de passeio e subiam a rua, ele a olhar para o chão, como quem não quer a coisa, até ficarem frente a frente.
A mãe Benilde, um amigo, as mãos estendidas.
A mamã gostou de te conhecer, acha-te simpático, é verdade! Que pareces atinado.
É, depende dos dias e dos momentos, também acho, agora simpático, como as aparências enganam, se ela te conhecesse melhor! Mas gosto de estar contigo, embora haja coisas que nos separam.
O quê? Esta guerra! Nem entendo porque te envolves assim tanto. Porquê?
Porque sou soldado!
Na guerra mostramos quem somos. Em combate não há capitães, sargentos ou alferes, somos todos soldados. Soldados com as caras sujas, olhos muito abertos, o crepitar das metralhadoras, balas a riscarem a noite, rebentamentos surdos dos morteiros, ouvidos a zunirem, pó a cair com folhas de árvores, gritos, sangue nas fardas rasgadas, nó na garganta, a sensação de não estar nem vivo nem morto, confusão, o silêncio, os soldados e as fardas lavadas, os emblemas a brilharem ao sol, os tambores a rufarem, o clarim a tocar aos mortos, o frio pela espinha, os jipes, os camiões, as lagartas dos carros de assalto, o barulho dos helis.
Não sei, Teresa, sei lá!
Não sentes uma ponta de remorso pelo que andais a fazer? Custa-te a entender a luta deste povo? Nem sequer te interessa o assunto!
Claro que estamos a fazer tropelias, não o devíamos fazer, não é para isso que estamos aqui. Ficamos fora de controlo, às vezes. Lutamos pelo gosto da luta. Gostamos disto, desta adrenalina. Mas odeio a guerra, esta ou qualquer outra. Não quero morrer, nem quero que os outros morram. Mas, por mim, não a vamos perder.
Não respondes?
Um assunto muito pessoal, só teu? Para outras conversas és íntimo comigo, porque é que esta é diferente, tens outras vidas de que não queres falar comigo?
Obrigo-te a estar aqui?
Quando vai ser, não sei. Já estivemos mais longe. Eu era menina, andava para aí no 3.º ano, quando tudo começou a sério. Até 63, tirando o caso do Pijiguiti4, ao que ouvi dizer, era só conversa. Nem me lembro de alguma vez ter ouvido falar em independência.
Depois a história passou a escrever-se de outra forma. Foi pena, mas para trás tem sido sempre assim, não se consegue quase nada a bem, é pena, mas é assim. Já pensaste no que farias se fosses guineense ou cabo-verdiano? Alistavas-te no partido ou no colonialismo?
Olha, não vai ser já já, vai demorar ainda uns anos, mas tenho a certeza que a nossa bandeira vai subir no mastro do palácio, lá em cima na praça, e eu vou estar no meio do povo, a vê-la ao vento. Podes crer! As minhas aulas vão andando, obrigada!
O barulho dos ramos das árvores e um mocho ou uma coruja lá para trás, dos lados do cemitério, os dois sentados na espreguiçadeira que mal dava para um.
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Nota
4 - Manifestação de trabalhadores do porto de Bissau em 3 Agosto de 1959. A repressão causou mais de 50 vítimas segundo o PAIGC e 16 segundo as autoridades de então.
(Continua)
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____________Nota do editor
Poste anterior da série de 24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá
4 comentários:
Camarada Virgílio Briote:
Acho sempre muito interessantes os teus postes pelas descrições que fazes dos combates com o inimigo, poucos como tu poderiam fazer isso, já que tu eras de uma tropa de elite, que era a tropa equipada e treinada para o combate.
Fazes boas descrições dos combates e perigos que viveste tu e os teus camaradas de armas. Como um jovem sensível aos encantos das jovens de cá e de lá, trazes-nos os cambiantes de todas essas relações mais efémeras ou duradoiras por que todos ansiávamos. Era tempo de viver intensamente e amar com paixão.
Amigo Virgílio, sei que os tempos da Guiné foram muito duros para ti, daí eu tenha que elogiar todo o contributo tão contido e lúcido que transparece nos teus textos.
Num exército, em batalha, os generais que comandam nunca estão na primeira linha de combate.Na primeira linha estão as tropas especiais, estarias tu e os teus homens.
O que eu mais admiro é que tu tenhas sobrevivido a tantos embates e tenhas conservado a lucidez e a inteligência para nos falares de todos esses maus momentos.
Eu estive em Buba em 1970 e 1971, durante 17 meses na C.Cac. 2616, tropa normal, tropa de quadricula, tivemos alguns ataques de armas pesadas ao quartel, algumas minas e alguns encontros com o inimigo. Há dias ouvi um jovem do nosso tempo, um especialista da Força Aérea, falar alto e bom som, num sitio público que ele, sem nunca ter saído duma base aérea, tinha passado por maus bocados, não o conhecia, não lhe respondi, se a auto estima dum homem passa por estas pequenas mentiras que não prejudicam ninguém, porque não deixá-los mentir. Em Buba, confesso que nunca conheci Buba-Tombó, confesso que o que eu mais conheci foi a picada entre Buba e Nhala, onde fazíamos protecção às colunas de reabastecimento que vinham de Aldeia Formosa carregar mantimentos e material de toda a espécie ao cais de Buba.
Tínhamos também por missão impedir a passagem do inimigo numa derivação do carreiro de Guilege que podia passar perto de Buba. Só perto do final da comissão, penso que depois de terem levado porrada, no carreiro de Uane, entre Nhala e Mampatá, por um pelotão de Mampatá duma companhia independente de açoreanos, que se não estou em erro, era comandado pelo alferes Alves, que sofreu quatro mortos em combate, transferiram o carreiro para a nossa zona. Lembro-me que o Alves, vi-o algumas vezes quando ia nas colunas a Buba, nunca mais foi o mesmo, talvez marcado pelas mortes desses camaradas.
Nesse tempo em tom de brincadeira, talvez para afugentar os perigos, os militares de Buba usavam muito o seguinte cumprimento " Estás porreiro ou vais pró carreiro?"
Desculpa camarada porque querendo falar da grande batalha que tu e tantos comandos, fuzileiros e paraquedistas travastes, talvez por teres falado em Buba, onde ficou um pouco da minha alma, acabei por falar de pequenos episódios de guerra, alguns trágicos, como o do pelotão do Alves. Confesso que quando se activou o carreiro na nossa zona, estando já a companhia em final de comissão, ainda tivemos três mortos em combate e passamos uns maus bocados. Continuamos a aguardar as tuas crónicas de guerra.
Um abraço. Francisco Baptista
Francisco, Caro Camarada.
Antes de mais fico grato pelo teu comentário. Como sabes bem, os tempos de 65/66 foram muito diferentes, qualitativa e quantitativamente, dos de 70/71. A guerra tinha evoluído muito. E essa evolução não deve ter ocorrido na mesma proporção entre os dois contendores. Embora as políticas tenham sido alteradas com a mudança do G. Geral, julgo que não acompanhámos a evolução da guerrilha. Esta refinou os métodos com os anos de experiência, as armas que possuía em 70 e 71 não se comparavam em termos de quantidade, com as que dispunha em 65/66.
Outro aspecto que não posso deixar de referir, Caro Francisco, é o comportamento das NT em quadrícula. Face às condições em que viviam, submetidos a ataques de noite e de dia, com picadas e carreiros minados, comportaram-se, e falo de uma maneira geral, admiravelmente. Isolados (a distância na Guiné não se media em Kms, como sabes bem), ultrapassaram obstáculos, carências e fizeram a vida negra à guerrilha. Foram poucos os casos em que as nossas unidades estacionadas no mato viraram a cara à luta. Pelo que vi, naqueles anos de 65, 66, as NT estacionadas em quadrícula foram a principal razão da guerra ter durado aqueles anos todos. As chamadas forças especiais, em 65/66, tinham uma condição muito especial: estacionavam em Bissau.
Um abraço do V Briote
Caros Camaradas Francisco e Virgínio,
Aproveito para fazer um comentário jocoso sobre o estribilho dos 3 dês que interrompeu o esforço, sacrifício, e interregno de vida que calhou a tantos que por lá passaram com humanidade e valentia: inopidamente a guerrilha recebeu o facho da vitória. Não vale a pena referir-me às consequências, normalmente caracterizadas por chacinas correctivas à momentânea noção de justiça popular, e ao epíteto de povo colonizador (no mau sentido da expressão) que nos colaram à pele.
Também não defendo a guerra, andei lá à em contribuição e à espera da paz, não do inferno sucedâneo e persistente.
Abraços fraternos
JD
Caro Briote
Continuo a acompanhar com interesse estes teus relatos/memórias.
Para mim, que tenho a mania das "segundas leituras", encontro sempre redobrados motivos de interesse.
E este conjunto de episódios de hoje têm 'muito sumo'.
Abraço
Hélder S.
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