sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19291: Notas de leitura (1131): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (64) (Mário Beja Santos)

Edifício de habitação na esquina da Rua Teófilo Braga com a Rua de Cascais
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Durante anos, a historiografia oficial, a portuguesa e a do PAIGC, dava como ponto de arrancada da luta armada a flagelação a Tite, em 23 de  janeiro de 1963, era apresentado como ato primigénio, não tinha passado. Há anos que se sabe que não foi exatamente assim, houvera assaltos e atos vandálicos praticados pelo Movimento de Libertação da Guiné, a partir do Senegal, ainda continuados em 1963, mas no segundo semestre de 1962 fora profundamente alterada a ordem na região Sul, isto a despeito do gerente do BNU de Bissau que falara numa quase perfeita normalidade. Se assim fosse, se a luta armada tivesse caído quase de paraquedas, ele não iria descrever o precioso legado de informações, em grande continuidade, logo a partir de fevereiro, não é difícil concluir que o Sul rapidamente foi avassalado por um caos militar, económico, social e político.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (64)

Beja Santos

A subversão está em marcha, manifesta-se ao longo do segundo semestre de 1962. Logo em 26 de junho, o gerente do BNU em Bissau informa Lisboa:

“ É nosso dever levar ao conhecimento de V. Ex.ª que por volta das três da madrugada de ontem, pequenos grupos de indivíduos, que se supõe pertencerem ao PAIGC, atacaram a tiros de pistola em Catió a Administração do Concelho, a Central Eléctrica, o posto da PIDE e os CTT, cortando os fios telefónicos e atravessando árvores na estrada.

Incendiaram também a jangada e três pequenos barcos que fazem a ligação de Bedanda para Catió.
Entre Buba, Empada e Fulacunda, foram cortadas as comunicações telefónicas e destruídos alguns pontões feitos de paus de cibe.

O ataque foi prontamente repelido, tendo-se deslocado para o local alguns efectivos militares, como medida de segurança.

Não foram feitas capturas, sendo desconhecido o número dos assaltantes. Não houve feridos. O assalto, pela sua curta duração e reduzido número de tiros disparados, é interpretado como o início de uma campanha de pânico a estabelecer pelo PAIGC.

Devemos, contudo, dizer a V. Ex.ª que o ataque não teve qualquer reflexo sobre a população”.

Nova mensagem em 18 de dezembro:

“Segundo nos foi hoje revelado, vindo de fonte fidedigna, foi obtida a informação que na noite de 11 de Dezembro, vindos da vizinha República da Guiné, entraram no nosso território pelo local denominado Gam Dembel, na área de Fulacunda, munidos de espingardas e pistolas-metralhadoras, infiltrando-se nas matas de Forreá e Cantanhez, que cobrem uma extensa área na parte sul da Província.

No dia imediato, essa informação foi confirmada, desconhecendo-se, contudo, o número dos componentes desses bandos.

Apenas se sabe que as tropas fixadas na parte sul da Província já pegaram no rasto, e estão seguindo esses grupos para uma operação de limpeza. É a primeira vez que bandos de terroristas se apresentam armados de espingardas e metralhadoras. A entrada fez-se por um sítio isolado, distante 12 km da fronteira, e as condições atmosféricas locais não têm permitido que a aviação, em sucessivos voos de reconhecimento, consiga determinar o local onde se acobertaram.

A informação está rodeada do maior sigilo, pois receia-se que o pânico substitua o optimismo e confiança que predominam, nesta época de início da campanha da mancarra.

A divulgação da notícia traria o risco de uma paralisação de negócios no interior da Província”.

O gerente de Bissau volta a dar notícias em 21 de janeiro de 1963:

“Em aditamento à nossa carta-extra de 18 de Dezembro passado, cumpre-nos levar ao conhecimento de V. Exas. que foram nulas as pesquisas realizadas pela tropa para a descoberta dos grupos de terroristas entrados no território na noite de 11 de Dezembro.

Duas hipóteses se formulam quanto ao desaparecimento dos referidos grupos:
- Uma rápida infiltração, facilmente proporcionada pela extensa e pantanosa área em que teve lugar, coberta pela densa vegetação que forma as matas de Cantanhez e Foreá, ou - O regresso ao vizinho território da República da Guiné em grupos dispersos que não foram referenciados.

O certo é que se sumiram todos os vestígios da sua passagem pelo local da infiltração, o que levou a tropa a abandonar o prosseguimento das buscas, depois de porfiadas diligências.

Os acontecimentos que tiveram lugar no decorrer desta semana, que nos foram hoje revelados pelo inspector da PIDE, fazem-nos admitir relativo êxito da infiltração, pois notou-se certa actividade da parte dos elementos perturbadores da ordem.

Assim, no norte da Província, a ponte de Campada, a 16 km de S. Domingos, foi parcialmente danificada; registou-se o ataque a uma serração situada a 8 km da mesma povoação, levado a efeito por um grupo constituído por cerca de 20 indivíduos munidos de pistolas, que se refugiaram no Senegal logo se aperceberam da aproximação da tropa; em Ganjandim, também próximo de S. Domingos, foi atacado um jipe militar com tiros de zagalote disparados por uma arma caçadeira; e a estrada que liga S. Domingos a Susana, a 8 km da primeira, foi cortada pela abertura de uma vala.
Não se registaram feridos.

Quanto à parte sul da Província, na vasta área de Fulacunda, foram referenciados 50 indivíduos armados de pistolas-metralhadoras, sobre os quais a tropa prontamente agiu.

Na mesma área, efectuou-se uma surtida a determinada tabanca já referenciada pelas autoridades, tendo sido abatido um indivíduo, ferido vários e capturados outros.

Foram apanhadas granadas de mão de fabrico italiano, alguns pacotes de explosivos de origem russa e americana, e ainda pequenos pacotes contendo explosivos de matéria plástica. A captura revelou que já dispõem de algumas dezenas de pistolas-metralhadoras, além de outro material.
Todos estes acontecimentos não têm perturbado as actividades, que continuam a processar-se normalmente”.

Mas dois dias depois dava-se a notícia do primeiro ataque a um quartel:

“Em complemento à nossa carta-extra de 21 do corrente, cumpre-nos informar V. Exas. que, segundo nos acaba de ser revelado, à 1,45 horas de hoje, um grupo de terroristas munidos de pistolas-metralhadoras, atacaram o Quartel de Tite, sede do Batalhão que faz a cobertura da área de Fulacunda.

Uma bomba de regular potência foi lançada, causando a morte de um soldado, e ferindo outros sem gravidade. A tropa prontamente respondeu ao ataque, fazendo numerosas baixas entre os terroristas.
O audacioso ataque à própria sede do Batalhão, confirma ter sido bem-sucedida a infiltração levada a cabo na noite de 11 de Novembro.”

Em 30 de janeiro, o gerente de Bissau complementa a notícia da flagelação a Tite com mais informações:

“O ataque perpetrado visou o paiol das munições e, não tendo sido bem-sucedido na primeira tentativa, de novo foi atacado às 4 horas do mesmo dia, decorridas portanto, cerca de 2 horas da primeira investida.

As numerosas baixas sofridas pelos terroristas, levou-os à desistência de renovarem os ataques ao aquartelamento de Tite.

No dia imediato, uma viatura militar que seguia escoltada por um jipão, do Enxudé para Fulacunda, foi alvejada por tiros de zagalote, sendo atingido um pneu da viatura, despistando-a.

Nenhum dos ocupantes do jipe estava armado, tornando-se fácil aos terroristas alvejá-los à vontade, pondo-se em fuga logo que se aproximou o jipão que servia de escolta que, em marcha mais moderada, vinha ainda bastante distanciado.

Do ataque, resultou a morte de um soldado e ferimentos em mais dois.

No dia 26, uma patrulha do exército, do sector de Buba, numa acção de repressão, caiu numa emboscada, morrendo um sargento, um cabo, dois soldados e dois guias indígenas, e sendo feridos um alferes e dois soldados.

Foram muitas as baixas sofridas pelos atacantes.

No dia 28, pelas 20 horas, fomos procurados pelo gerente da Sociedade Comercial Ultramarina que nos comunicou ter recebido a informação de ter sido assaltada a propriedade do Banco denominada ‘Brandão’, arrendada aquela Sociedade.

Do assalto não eram conhecidos pormenores.

No dia imediato fomos informados pelo oficial que chefia os Serviços Secretos do Exército, que o assalto incidira apenas sobre algumas moranças de indígenas Fulas, suspeitos de colaborarem connosco, sendo poupadas as tabancas dos indígenas da raça Beafada, que sempre foram hostis à nossa colonização.

Quanto ao edifício onde está instalado o estabelecimento da Sociedade, segundo as informações que possuía, nada lhe tinha sucedido.

Como o estabelecimento estava encerrado por ausência do respectivo encarregado que se deslocara a Bolama, não se sabe, por enquanto, se foi roubado.

Segundo nos declarou o gerente da Sociedade, no estabelecimento existia dinheiro, mercadorias e produtos da actual colheita, tudo no valor de cerca de 240 contos.

A notícia divulgada pela Emissora Nacional na sua emissão de hoje não corresponde à verdade, quando diz ter sido incendiado o edifício.

Sabemos que o Comando Militar chamou a atenção de alguns correspondentes de jornais, pela forma precipitada como as notícias são prestadas, fazendo supor o pior.

Achamos conveniente incluir nesta carta a tragédia ontem ocorrida com o navio da Sociedade, ‘Coruche’.

Fazemo-lo no sentido de esclarecer V. Exas. que o sinistro não tem qualquer correlação com os acontecimentos insurrecionais vindos a registar-se.

Atracou ontem, cerca das 17 horas, ao cais de Bissau, com um carregamento de combustível destinado à Aviação Militar o navio motor ‘Coruche’.

Quando se procedia à descarga de bidons, soltou-se um de uma lingada, provocando pela fricção uma chama que originou a inflamação do carburante que transportava.

O incidente ocorreu precisamente pelas 18,45 horas, tendo comparecido, além do pessoal da Casa Gouveia, agentes da Sociedade Geral, material da cooperação dos bombeiros locais. O fogo foi dado por extinto pelas 19 horas para, decorrido pouco tempo, voltar a deflagrar com toda a intensidade. Seriam 21 horas quando o Senhor Governador, segundo nos informaram, ter mandado retirar o barco da ponte de cais, pelo perigo de uma explosão. O navio anda à deriva, subindo e descendo o rio, consoante o sentido das correntes e das marés. Admite-se que os prejuízos sejam totais. Sentimos a necessidade de incluir o incidente neste relato, receando que ao mesmo fosse atribuído um sentido diferente.

Com excepção do ataque à serração de S. Domingos, relatado a V. Ex.ª em 21 do corrente, e em que não houve prejuízos a registar, os incidentes têm visado sempre objectivos militares.

O extraordinário de todos os acontecimentos, que não queremos deixar de evidenciar, é continuar a processar-se, com toda a normalidade, a vida económica da Província”.

Mas o tom otimista desta carta será contrariado pelo que irá escrever em 13 de fevereiro seguinte:

“Toda a parte sul da Província, se encontra infestada de grupos armados de terroristas, que à luz do dia circulam com a maior das liberdades, sem depararem com a oposição.”

E vai relatar que começaram os ataques às infraestruturas económicas, o Sul entrou inexoravelmente num profundo desequilíbrio.


Imagem retirada do livro 'Portugal no Ultramar', 1954, Edições Sotramel - Sociedade de Comércio e Propaganda, Lda com o apoio na cedência de fotos da Agência Geral do Ultramar.


Subúrbios da cidade de Bissau, anos 20
Mapa pertencente ao acervo do Arquivo Histórico do BNU, a quem se agradece a reprodução.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 13 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19285: Notas de leitura (1130): "Sótão, Rés-do-Chão e Outras Vidas", por Alberto Branquinho; Edições Partenon, 2018 (Carlos Vinhal)

15 comentários:

Luís Graça disse...

É impressionante a "promiscuidade" entre o BNU da Guiné e a PIDE local... Os relatórios que o gerente manda para Lisboa são factualmente rigorosos...

Em todo o caso, parece ter-lhe escapado a notícia da morte de Vi(c)torino Costa, um dos coamndantes do PAIGC treinados na China, da mesma leva do 'Nino' Vieira, do Domingos Ramos, etc...

Foi a primeira grande baixa do PAIGC... E um "grande ronco" para os homens do cap inf José Curto, a CCAªÇ 153. O Vi)c)torino Costa é morto em Darsalame, em junho ou julho de 1962... Deve ter sido na sequ~encia do assassinato do comerciante Januário Simões, em Empada... (Era irmão do Manuel Simões,de Jugudul...).

É também nesta altura que as famílias dos comerciantes, metropolitanos e cabo-verdianos, começam a sair da Guiné, ou pelo menos do interior... Fixam-se em Bissau, mandam os filhos para a metrópole... Ainda ontem estive a falar com a filha do chefe dos correios (que ensinou orse ao Amílcar Cabral...). Depois de ter estudado no liceu Honório Barreto (onde apanhou o célebre reitor Paquito), veio para a Metrópole... Os céus da Guiné começam a carregar-se de núvens negras... A violência, cega, estúpida, arbitrária, vai rebentar de um lado e do outro...

A pouco e pouco vamos vamos juntando o fio à meada... LG

Adriano Miranda Lima disse...

O Beja Santos tem razão no que diz. Os acontecimentos não caíram de pára-quedas nem estas coisas funcionam assim. Há uma progressiva degradação da situação a partir de um primeiro incidente.
Quanto a promiscuidade, ela era uma prática normal. O que é estranho é ser o homem da BNU o relator da situação.

Luís Graça disse...

Foi também nesta altura que o avô materno do nosso amigo, grã-tabanqueiro, historiador, doutor Leopoldo Amado, foi morto... pelas NT (, fuzilado e enterrado numa vala comuum, segundo a versão do neto):


(...) O meu avô, Victor Vaz Martins, pai da minha mãe, era ali agricultor e comerciante, tendo mesmo chegado a desempenhar as funções de chefe do posto administrativo local.

(...) Era uma figura muito conhecida não só em Empada, mas igualmente em Cubisseco, Dar-es-salam e outras localidades circunvizinhas de Empada. Porém, Victor Martins morreu em 1962, após ter sido preso e acusado pelas NT de prestar apoio e colaboração ao PAIGC. Soube-se mais tarde que fora fuzilado e enterrado numa vala comum, com muitos outros guineenses, todos acusados de subversão. Mas isso é uma outra história. (...)


1 DE JUNHO DE 2006
Guiné 63/74 - P830: O meu avô Victor Vaz Martins, dos 'Gã' Martins de Empada (Leopoldo Amado)

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas
Assino em baixo, como o fiz noutras ocasiões.
Contudo... ponham os capacetes. O AGA vai atacar!. Não sei como, mas sei que vai atacar a explicar que a culpa é do Beja Santos.
Sem ele nada disto acontecia
Um Ab.
António J. P. Costa

Luís Graça disse...

Mário, começo a gostar do "teu gerente"... O gajo é um ponto... O capim já está arder, mas a "tragédia" é o navio que explode com gasolina para os aviões... Mata-se e morre-se no sul, mas o que importa é reportar que os interesses do Banco estão acautelados e dsão defendidos...

O gajo faz pela "vidinha", mas tem a preocipação de não "tirar o sono" aos patrões de Lisboa...

Não aprendemos nada na Guiné... com a tragédia de Angola em 1961!... Como foi possível não "prever" e "prevenir" aquela guerra, tão dolorosa para todos nós, guineenses e portugueses ? Como dizia o velho Clausewitz, em 1832, "a guerra não é mais do que a continuação da política de Estado por outros meios"...

Luís Graça disse...

O problema é que ninguém estava preparado para lidar com aquela guerra (que já não era "militar"), era uma "guerra revolucionária"...

E a biblioteca da Acadamia Militar de Lisboa não tinha sequer os livros dos "gurus" da "guerra revolucionária", como a Academia de Nanquim, para onde o Amílcar Cabral mandou os seus futuros generais, o 'Nino', o Domingos Ramos, o Rui Djassi, os Costas, etc.

O capitão José Curto nem o Clausewitz deve ter lido... Mas, pronto, os poucos militares que havia em 1962 e 1963 foi apenas "polícias" e "bombeiros"... Não queria estar no lugar deles, nestes "anos de chumbo"...

Spínola e os seus rapazes, brilhantes, chegaram demasiado tarde...

António J. P. Costa disse...

Bom dia Redactor

Mais uma vez assino em baixo e também já falei de "bombeiros que chegaram demasiado tarde a um incêndio florestal que tinhas todas as condições para arder". Mas isto sou eu a falar...
Não creio que, nessa altura, existisse qualquer livro de guerra subversiva em qualquer biblioteca das academias europeias. Talvez em Saint Cyr (mas isso é lá na França) pois aquele país já andava a terminar a sua acção civilizadora no extremo oriente...
Mas a prevenção, nesta como noutras situações, não funciona. Dá trabalho e obriga a alterar hábitos, estruturas e a proceder com verdade o que é sempre uma chatice e dá cá uma tarbalhêra...
Como também já disse, quem previa a desgraça ficava mal visto e era quase tido como traidor.
Claro que a culpa de tudo isto é dos "estudantes do Império" e do Beja Santos.
Ponham-se a pau que, quando formos colonizados pelos chineses (e não falta muito) terá lugar um varrimento dos arquivos e só sobreviverá o que agradar ao grande Ti Moleiro ou ao não menos grande Xin Zin Ping (Pong) e sus muchachos. Escrevi muchachos pois não sei escrever a mesma palavra em xinês.


Um Ab e bom FdS
António J. P. Costa

Manuel Luís Lomba disse...

Em princípios de 1964, na "escola de quadros" no então RCAV 7, à Calçada da Ajuda, no âmbito da nossa preparação operacional,o então Capitão Ramiro Mourato, oficial de Informações e Operações do BCAV 705, transmitiu-nos conhecimentos de "Guerra Revolucionária" que recebera de oficiais franceses, ex-combatentes na Indochina e na Argélia, e um alferes e um furriel miliciano, de Fulacunda, de licença, transmitiram-nos conhecimentos, ^de experiência própria, sobre abatizes, minas e emboscadas. Tive oportunidade de melhorar esses conhecimentos pela leitura do livro "Guerra Revolucionária", da autoria do Capitão Hermes de Oliveira, ao tempo Chefe do Estado-Maior, em Macau.
A guerra revolucionária começava com a subversão política, organizava-se os aderentes em células e, formavam-se corpos para a acção armada, eram os aderentes eram organizados em células, a formar corpos políticos e de acção armada - assunto para polícias e não para exércitos clássicos. A evolução aconteceria dava-se em quatro fases, a 4.ª era a decisiva, a da batalha final em guerra convencional.
Quanto à guerra político-militar da Guiné, a conclusão é simples. Ganhador das batalhas políticas, policiais e diplomáticas, o PAIGC perdeu as batalhas de guerra convencional (Guidaje, Gadamael, Copá, etc), mas subempreitou a sua vitória final ao MFA, em Lisboa.
Abr.
Manuel Luís Lomba

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

"A Guerra Revolucionária" era, no meu tempo, livro de "leitura obrigatória" dos cadetes da AM.
O já então coronel Hermes Araújo de Oliveira escreveu sobre vários temas, e tem um outro livro "A Guerrilha na Guerra Moderna" no qual só não lê quem não quiser ler.
É dos tais que gritou avisos que não foram escutados. E, como todos os mensageiros da triste notícia, "cortaram-lhe a cabeça". Ninguém mandou pensar. Olha que Porra!

No caso da Guiné, depois das 4 fases (faltava a 5.ª a da Insurreição Geral) só faltou a Dien-Bien-Phu que trouxe aos franceses aquela estrondosa vitória na Indochina.
No nosso caso, sempre tenho dito que se a malta não se pusesse a pau ainda ganhávamos aquela m***a...
Mas por mim acho que a culpa de tudo isto é dos "gajos da CEI" e do MBS.

Um bom FdS
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Quando a guerra começou, ninguem estava preparado para qualquer espécie de guerra.

Nem guerra subversiva, nem guerra convencional.

Nem tinhamos armas apropriadas, nem para uma guerra nem para outra.

Tudo o que no princípio se conseguiu, foi improvisar, desde armas, fardas, viaturas, quarteis, psico-social...e ao fim de 13 anos ainda se improvisava e no caso de Angola, a joia da coroa, «improvisou-se»a africanização da guerra e a consciencializaçãoda do povo que já se permitia que a vida decorresse com a maior naturalidade...sem turras, mas tudo improvisado.

O tédio das companhias em quarteis no «mato», «cus de judas» era uma pasmaceira horrível que não havia psiquiatra que improvisasse uma solução para aquele vazio.

A guerra acabou, e acabou aquela pasmaceira na terra angolana, onde eu estava da parte de fora desses quarteis.

Mas a guerra tinha que se fazer, se não se fizesse aquela guerra, não havia consequências históricas completas a interligar os 500 anos da nossa história de alem mar, porque sem aquela guerra não ficava pedra sobre pedra na «nossa áfrica».

Valdemar Silva disse...

Na recruta do CSM-1967, na EPC-Santarém, tivemos várias sessões/palestras da guerra subversiva e de guerrilha. Julgo que as NEPs dos vários exercícios também tinham essa intenção e, depois, quando fui monitor de recrutas do contingente geral também
era dada essa formação. Evidentemente que no inicio da guerra nas colónias (pra Angola já e em força) ninguém estava preparado
Quanto ao 'pedra sobre pedra', ainda por lá estão os Fortes de Mombaça, o Forte dos Escravos no Benin, outras Fortalezas no Corno de África, na India e restante Ásia, que, afinal, eram as únicas pedras sobre pedras dos Portugueses, com excepção das Igrejas de Goa.

Valdemar Queiroz

António J. P. Costa disse...

Camarada Valdemar
Aquela da "pedra sobre pedra" era uma alegoria.
Mas não deixa de ser curioso que "aquela guerra tivesse que se fazer, se não se fizesse aquela guerra, não haveria consequências históricas completas a interligar os 500 anos da nossa história de alem mar, porque sem aquela guerra não ficava pedra sobre pedra na «nossa áfrica».
Há aqui, algures uma contradição, digo eu.
No entanto os que passaram pela Guiné recordarão com saudade "o tédio das companhias em quartéis no «mato», «cus de judas»". Aquilo "era mesmo uma pasmaceira horrível".
Claro que a questão está em sabermos como é que se chegou à situação de 1961 e isso é o que o MBS tem vindo a descortinar ao consultar os arquivos do BNU e outros. A História é somatório do que se passou todos os dias num dado local e hoje não temos dúvidas. Os factos em História têm origens e quando acontecem só se podem limitar as avarias.
Quanto aos resíduos da permanência dos portugueses há sítios onde vão sendo paulatinamente apagados; outros onde não passam de vestígios ou curiosidades e que só interessam aos estudiosos ou a um ou outro curioso sobre "estas coisas giras".

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

Valdemar, há uns blocos de cimento enterrados em áfrica que foram devidamente coordenados geograficamente que ninguém os queria respeitar.

Nem os alemães, nem os ingleses, nem os franceses, nem os seus ex-súbditos queriam respeitar esses blocos (marcos), tanto nas fronteiras da Guiné, e principalmente em Angola e Moçambique. (penso que não estou a contar novidade nenhuma, nem invenção minha)

Essas são as pedras a que me refiro, que também as havia em Goa, Macau e Timor.

Em São João Batista de Ajudá era uma linda fortaleza que não representava nada em 1961, só lá estava um Administrador, e que tinha servido para entreposto de escravos.

O Administrador teve que fazer as malas, tal como na India, que também era como que uma ocupação simbólica.

E Valdemar, em 1961, aos olhos dos grandes exploradores europeus,e seus ex-súbditos, também não passava de uma ocupação simbólica a nossa presença em África.

Em 1998, quase ficava mais um museu em Bissau, a fortaleza D´amura, porque os marcos a norte estiveram prestes a passar ao esquecimento.

As fortalezas são museus sem vida.

Em 1961, abdicávamos e não sobrava nada.

Adriano Miranda Lima disse...

Logo que o conflito deflagrou em Angola o exército português encarregou um grupo de oficiais de ir à França adquirir a doutrina da guerra subversiva e da guerra de guerrilha, dado que aquele país tinha a experiência da Guerra da Indochina e da da Argélia. Esses oficiais organizaram uns manuais que serviram de base doutrinal para os cursos ministrados nas escolas militares, tendo-se o CIOE (Centro de Instrução de Operações Especiais) tornado a principal referência. A partir de 2006 passou a designar-se Centro de Tropas de Operações Especiais (CTOE). Pouco ou muito, adquiriu-se o que, quanto a mim, foi o suficiente para darmos conta daquele recado. Mas mais importante que a técnica de guerrilha em si, aliás facilmente assimilável, era a estratégia para conquistar a adesão das populações. Isto para não dizer o que é óbvio e consabido: mais importante era ter resolvido politicamente o problema.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Como muitas vezes já tem sucedido começamos a falar de um assunto e vamos andando e já estamos a falar de qualquer coisa que não tem que ver com o assunto do post.
Voltemos ao ponto inicial.
Lembro que estávamos a falar da Guiné e dos antecedentes da sua vida social, económica etc. com particular destaque para a actuação das diferentes (em tipo e nível) autoridades coloniais portuguesas.
E a análise que tem vindo a ser feita no arquivos históricos (militar, ultramarino, etc) e do ex-BNU e até da Casa Comum na fundação Mário Soares, a par de uma análise de carácter mais geral da História universal e nacional, prova que a guerra era uma consequência natural dum passado longínquo que criou, desde o princípio, as raízes da revolta.
No fundo, estas conclusões que têm de ser enfrentadas com coragem e frontalidade, eram mais que sabidas. Mas, nada de culpabilizações. As coisas são ou foram como são ou foram.
O que se passou depois da independência, os vestígios da passagem dos portugueses, se o Exército estava ou não preparado para a guerra são aspectos a considerar noutras análises.
Uma coisa é certa e isso é o mais importante havia indícios, que foram negligenciados, de que as coisas não corriam bem. Mas isto também é assim mesmo.

Um Ab. e um bom domingo
António J. P. Costa

PS: Não se esqueçam de que a culpa é do MBS. Sem ele nunca mais haveria guerra Guiné.