quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19281: Historiografia da presença portuguesa em África (140): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
No mesmo ano em que o padre Dias Dinis começava a dar à estampa este seu trabalho sobre as etnias guineenses, surgia o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e a sua publicação de referência, o Boletim Cultural, ainda hoje de consulta obrigatória. Foi a partir dessa data, por incentivo de Teixeira da Mota, que os funcionários coloniais começaram a publicar trabalhos monográficos sobre as diferentes etnias, assim se abria a via para um certo desabrochamento em período colonial das investigações em antropologia, etnologia e etnografia. Isto para sublinhar que este franciscano, padre Dias Dinis, vem de outro tempo de leituras e observação, seria lastimável deixar no olvido uma tão ternurenta expressão pelo deslumbramento do mosaico étnico guineense.
É o que aqui pretendemos fazer.

Um abraço do
Mário


As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2)

Beja Santos

O trabalho do franciscano padre Dias Dinis foi publicado em “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”, com datas de 1946 e 1947, constitui um meritório esforço para a análise, com recursos parcos das ciências sociais e humanas do tempo, das etnias da Guiné Portuguesa. No texto anterior, fizeram-se referências a Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas e aos Balantas. Vejamos seguidamente os Manjacos e Mandingas.

Os Manjacos habitam a região de entre os rios Cacheu e Mansoa até à Costa de Baixo e as ilhas de Pecixe e Jata, território dos Brames, segundo André Alvares Almada. O padre Marcelino Marques de Barros faz derivar os Manjacos dos Papéis. Sem dúvida, Brames, Papéis e Manjacos mantêm afinidades etnográficas e linguísticas, que podem ter brotado de cruzamentos havidos durante séculos. Papéis e Brames são inimigos há dezenas de anos, com rixas frequentes e sanguinolentas na sua história mais recente, o que pode denunciar protesto dos Brames contra o predomínio político dos Papéis na ilha de Bissau, de onde os Brames foram escorraçados.

O autor trata os Mandingas como uma das etnias mais vetustas, habitavam as regiões de Farim, Oio e Pecixe. O berço desta etnia é situado pelos historiadores no Alto Níger, onde vivia o seu Chefe ou Mansa. Na primeira metade do século XIII, o Mansa de nome Sun-Diata conseguira estender a hegemonia dos Mandingas do Mali por grande parte dos territórios circunvizinhos, caso dos Jalofos e a Gâmbia. O apogeu do Império Mali aparece situado em meados do século XIV. O Mansa achava-se em contacto com os sultões brancos da África do Norte. O império estava dividido em províncias e cantões, administrados por governadores e lugares-tenentes, esta informação foi prestado pelo geógrafo árabe Ibn Batuta. Zurara fala no Império de Méli. Aos Mandingas da Gâmbia se referem Cadamosto e Martinho da Boémia. Mas as notícias mais extensas e precisas foram-nos transmitidas por Valentim Fernandes. André Álvares de Almada alude aos Mandingas em vários capítulos da sua obra, assim circunscrevendo o reino: “Este reino dos Mandingas é mui grande, porque corre por este rio (Gâmbia) acima mais de duzentas léguas. E está povoado todo de gente, de uma banda e da outra. Pela banda do Norte, se mete muitas léguas pelo sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E, pela banda do Nordeste, vai por cima dar na terra dos Beafares (Biafadas), como se dirá; e, pela banda de Leste, vai partir com os Cassangas e Banhuns”. Almada assevera que estes indígenas formavam muro por cima dos Cassangas e demais tribos do além-Cacheu e estendiam-se por Goli, povoação das margens do Geba (Porto Gole), até à região dos Beafadas. A zona dos Mandingas ter-se-á alargado, portanto, durante o século XVI, para a região de Mansoa e até às margens do estuário comum aos rios Geba e Corubal.

Passemos agora em revista o que Dias Dinis descreve sobre os Papéis, os Brames e os Biafadas.

Não há qualquer referência aos Papéis nem em Valentim Fernandes nem em Duarte Pacheco Pereira, a primeira referência data de 1573, foi de Luís del Caravaial Mármol, o qual, depois de falar do rio Cacheu, escreve: “A Província que segue é a dos Papéis, onde nasce um outro grande rio, que eles chamam das Ilhetas, por causa de duas pequenas ilhas povoadas de negros, que se encontram na sua foz”. O rio em questão é o Mansoa. Aparecem pois localizados entre o Geba e a ilha de Bissau, viveriam predominantemente aqui. Trocavam com os portugueses diferentes mercadorias, como ouro, escravos e presas de elefante; os portugueses levavam cavalos, contas, manilhas e panos. Diz Valentim Fernandes que chegaram a dar 14 escravos por um cavalo. Diz o padre franciscano (atenção, escreveu o seu documento em 1946) que o Papel é a única etnia guineense a estimar a carne de cão como alimento. Segundo ele, na ilha de Bissau trocavam um bom porco por um cão magro, para o comer, “segundo ali me informou um velho colono”. Os Papéis estariam dispersos pela ilha de Bissau, pelas imediações da vila de Cacheu, onde seriam tratados por Papéis do Churo.

Quanto aos Buramos ou Brames ou Mancanhas, distribuíam-se pelos regulados de Bula, Có e Jol, entre os rios Mansoa e Cacheu. São mencionados pela primeira vez na obra de Almada. Por não se venderem como escravos, explica este autor cabo-verdiano, cresceram muito, numericamente, e passaram-se para a margem esquerda do mesmo rio, acantonados na região de Putama. Mais tarde os Brames espalharam-se por toda a região entre os rios de Cacheu e Geba. O padre Marcelino Marques de Barros di-los subdivisão dos Banhuns. Seria interessante apurar-se esta afirmação, observa o autor. André Alvares de Almada descreve os seus usos e costumes, e com grande vivacidade. Que viviam em casas de taipa como as de Casamansa; descreve a indumentária daqueles que viviam na Corte dos régulos enquanto no sertão andavam nus. E adianta que os Brames eram bons e serviçais escravos. Homens e mulheres limavam os dentes. Para estas não serem «palreiras nem comilonas», logo de manhã metiam na boca um pouco de cinza e traziam-na até ao jantar, para não falarem nem comerem. Davam-se bem com os Portugueses, entregavam-lhes escravos, cera e marfim e recebiam camisas, calçado e alimentos.

Os Biafadas habitam a região de Quínara, entre os rios Geba e Buba. Almada refere-se bastante à terra dos Biafadas pelo ativo comércio que nela se desenvolvia, principalmente nas povoações de Guinala, Bolola e Buba, grafada também por Buguba e Biguba. Habitavam assim a região de Quínara. É minucioso e dá-nos muitas informações sobre os reis e o cerimonial da sua morte, as práticas de justiça, o modo do apuramento da verdade, que eram ladrões e vadios, que semeavam pouco e vestiam camisas compridas. Os Biafadas estavam sujeitos ao Farim-Cabo, Mandinga. O seu modo de habitação era peculiar, não viviam em aldeamentos mas em casas isoladas. Em Babel Negra, Landerset Simões diz dos Beafadas: “Imigrado em data impossível de precisar, por força da expansão que a certa altura tomou os Mandingas a que pertence (Djola), o seu contacto com os Papéis vem de longe e hoje ele próprio o tem por parente”. Segundo o missionário, julgava-se que do facto da aturada convivência dos Beafadas com os Mandingas se ter deduzido erradamente o parentesco. O professor Mendes Correia asseverava haver algumas leves afinidades linguísticas entre Biafadas e Manjacos. Parece ser de aceitar a observação do padre Marcelino Marques de Barros, diz o autor, que os Biafadas eram parentes próximos dos Cassangas.

Iremos prosseguir esta descrição das etnias falando dos Bijagós, dos Nalus, Fulas e Futa-Fulas, e ouviremos as confissões deste missionário que investigou com tanto empolgamento etnias da Guiné-Bissau.

(Continua)

Imagem retirada do livro “Guiné Portuguesa”, Luís António de Carvalho Viegas, 1936.

Imagem retirada do livro “Estudos, Ensaios e Documentos, Acerca da casa e do Povoamento da Guiné”, Francisco Tenreiro, 1950. A fotografia é do professor Orlando Ribeiro, que visitou a Guiné em 1947.
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Nota do editor

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