quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19283: Memórias de Gabú (José Saúde) (73): Ambulância apanhada ao PAIGC (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Gabu em memórias 
Ambulância apanhada ao PAIGC 

Tento, amiúde, fixar-me em restos de memórias que me sobram dos tempos em que passei por terras de Gabu onde me deparei e ouvi falar de viva voz com as incessantes atividades guerrilheiras de índole diversa. Hoje, porém, trago à estampa uma dessas muitas atividades operadas pelo grupo de Marcelino da Mata, então um Alferes que se apresentava para o IN como um alvo a abater, sendo o tema uma ambulância apanhada ao PAIGC. 

Sabeis, ou ouviste falar, caros camaradas da versátil mobilidade no terreno de guerra do requintado grupo comandado pelo Marcelino da Mata. Não vou, como é evidente, focar-me na plenitude das muitas operações que tiveram o cunho do antigo guerrilheiro. Desconheço o detalhe da ação. Vou, sim, focar-me, resumida e exemplarmente, sobre a sua eficácia determinante no momento de enfrentar o IN. 

Não comento e nunca farei pressupostas opiniões, algumas quiçá devastadoras para quem deu o corpo às balas, acerca de um homem pelo qual guardo imenso respeito. Cada um opina dentro de valores que lhe vão na alma, não obstante os consensos de pareceres sobre uma realidade pública de “assaltos” consumados em pleno palco de guerra. 

A guerrilha no terreno impunha precaução ao mais humilde militar. O insólito do exato momento de luta, sempre inesperada, obrigava a minuciosas cautelas. E, pelo que me foi dado saber, Marcelino da Mata era um guerrilheiro que não temia uma missão que lhe fora confiada. 

Aliás, as suas diversas condecorações, ofertadas pelo Exército Português, são a prova evidente que o atual Tenente Coronel foi, sem dúvida, um osso duro de roer para o PAIGC. Neste contexto, não vou negligenciar a sua atividade ou os atos de bravura averbados na guerrilha. A sua história está concluída. 

Conheci-o pessoalmente na então Nova Lamego. Dele contavam-se surpreendentes explanações guerrilheiras. Histórias que iam pela qualidade da limitadíssima formação de homens que integravam o seu pequeno grupo, até ao conteúdo das suas ações no confronto direto com o IN. 

Um belo dia “aportou” no meu quartel, Gabu, uma ambulância apanhada ao PAIGC com o cunho do grupo do Marcelino. O Marcelino da Mata conhecia, e muito bem, as “silhuetas” do terreno ao pormenor, bem como os trilhos por onde o IN se movimentava. 

Estudado ao pormenor o objetivo previamente traçado, eis que o surpreendente golpe de mão às forças guerrilheiras contrárias, causou a “safra” de uma ambulância, desconhecendo-se o “rombo” de capital humano. Falou-se em vários cenários, todavia, o que se constou é que na ambulância seguia uma enfermeira sueca. 

Verdade ou mentira só o Marcelino, e os seus subordinados, poderiam testemunhar. A voz corrente que passava de boca em boca nos aquartelamentos da zona, findava pela valentia do grupo sobre aos “turras”. Baixas? Não se sabe se as houve! 

A curiosidade da narrativa passa, naturalmente, que junto ao veículo “sequestrado”, que acusava inúmeras batidas na chapa, está o saudoso enfermeiro Dinis, um rapaz, natural do Porto, ao qual já dediquei um texto, frisando o seu excelente companheirismo. 

O Dinis era moço simpático. A sua fisionomia atirava para o franzino e a sua estatura para o baixo. Porém, assumia-se como um jovem amigo do seu amigo e sempre disponível para mais uma missão ao interior de um mato que persistentemente camuflava o medo. 

Naquelas rondas às tabancas para a execução de mais uma missão dominada “psicó”, o Dinis transportava na sua sacola “mezinhos” para a cura dos nativos. Outras vezes era o Dinis que “desenrascava” o pessoal com comprimidos que ocasionalmente a malta procurava, de entre outros instantes de aflição em que a necessidade imperava e o nosso enfermeiro, sempre com um sorriso nos lábios, amavelmente aplicava medicamentos para a cura. 

Hoje rendo-me à humildade do saudoso Dinis, evocando o momento em que o "ronco" causado ao IN serviu para mais uma conversa entre ambos numa guerra em que o Marcelino da Mata era figura de proa no palco de um conflito que terminou pouco tempo depois. 

(Foto do 1º Cabo Enfermeiro Alfredo Diniz - Já falecido)

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

20 DE OUTUBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19123: Memórias de Gabú (José Saúde) (72): Jau, o nosso guia (José Saúde) 

4 comentários:

Luís Graça disse...

Zé Saúde:

Ai a nossa imaginação delirante!...Enfermeira sueca na ambulância de Copá ?!... Enfermeiras cubanas no hospital do Fiofiole ?!... Elefantes à noite junto ao arame farpado dpo quartel de Bambadinca ?!... MiG a rasgarem a noite da Guiné ?!...

Sobre ao "ronco" do grupo do Marcelino da Mata, "Os Vingadores", a que te referes no poste, ver aqui a versão dos acontecimentos no relato do nosso camarada, o madeirense Carlos Fernandes, ex-1º cabo paraquedista (da CCP 122 / BCP 12, 1971/74), que integrava o grupo, e que participou na Op Gato Zangado.


(...) Luis Graça, o que de momento me leva a enviar estas palavras é para falar a respeito da notícia sobre a Ambulância, que foi capturada entre Copá e a Fronteira. Eu estive nessa operação, eu e o Capitão Asterix (que não era o Ramos, mas sim o Valente dos Santos).

Nessa altura, ou seja entre fins de 1973 a Agosto de 74, quem fez parte do COE, foram o Major Veiga da Fonseca, do Exército, já falecido, e o Capitão Pára Valente dos Santos de quem junto uma foto de grupo, onde estou eu e o Valente dos Santos (...) . Foi tirada em Bula a quando da entrega das Boinas Vermelhas. Foi o nosso grupo o primeiro a usar tal cor de boina.

Hoje a Boina, que o Marcelino usa nesta foto , que também junto (...) , fui eu que lha ofereci, antes de ter vindo viver para a Madeira. Dei-lhe o crachá bem como os emblemas do grupo, os Vingadores.

Pois nessa operação, que teve por nome Gato-Zangado, em Fevereiro de 74, saímos de Bajocunda, andámos toda a noite... A operação consitia em armadilhar as linhas de água, com as "Bailarinas" e as "Viúvas Negras", pelo Alferes Tarro, do Exército. Eu fiquei encarregue de lhe fazer a segurança, a esse Alferes.

Já tinhamos colocado algumas armadilhas na zonas de água e estavamos no nosso descanso, quando aparecem dois sujeitos da população do PAIGC, com uns baldes, para irem buscar água, dentro do território deles. Aí começa a caça ao inimigo. Houve uma troca de tiros e, na perseguição, encontrámos caixotes de Armamento, granadas de RPG, bem como Armas.

Foi pedido apoio aéreo, na retirada do material, e foi numa das voltas do héli-canhão, que se deu com algo escuro, que de cima não deu para ver o que seria. Foi com base na informação do piloto do héli, que deparámos com uma viatura tipo Ambulância que se encontrava tapada, camuflada com árvores cortadas, com o sistema de ligação estragado. Foi o Marcelino que conseguiu colocá-la a trabalhar, depois de pedir combustível a Bajocunda, que era o quartel mais perto. Depois a Ambulância foi levada até Massacunda, local onde estava uma coluna de mantimentos para Copá e Bajocunda.(...)


Fonte:

21 DE OUTUBRO DE 2010 >
Guiné 63/74 - P7150: Tabanca Grande (249): Carlos Fernandes, ex-1º Cabo Pára (CCP 122, 1971/74) e ex-elemento do Grupo Os Vingadores, do Alf Grad Marcelino da Mata

Luís Graça disse...

Zé, desculpa, não é Fiofiole, mas sim Fiofioli...

Vd. poste de 15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

José Saúde disse...

Luís, obrigado pelo o esclarecimento. Tive o cuidado em não entrar pelos pormenores da operação. Não a conheci no terreno, logo não falaria de coisas que me foram literalmente desconhecidas. Por conseguinte, nada de imaginações porque debitei apenas narrativa tendo como objetivo associar a estadia da ambulância no meu quartel onde o nosso saudoso enfermeiro Dinis fez questão em posar para a posterioridade. Neste contexto, procurei, também, com o devido respeito trazer à estampa o "ronco" da safra, a eficaz operacionalidade do Marcelino da Mata, e seu grupo, no conflito, onde foram de facto um "osso duro de roer" nas operações em que participaram e recordar o meu ilustre camarada Dinis, bem como as "bocas" que soavam na época no interior do aquartelamento. Aliás, era comum tecerem-se opiniões, algumas credíveis outras não, de contactos no palco de guerra, exercendo-se então cenários quiçá inimagináveis. Falou-se, sim senhor, que no interior dita cuja ambulância se encontrava uma enfermeira sueca. Verdade ou mentira? Desconheço! Abraço, amigo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, vê aqui este poste mais recente:

13 DE DEZEMBRO DE 2018
Guiné 61/74 - P19286: FAP (113): Os pilotos do Lobo Mau (helicanhão), José Duarte Príncipe e Raul Coelho, foram quem identificou e sinalizou a ambulância russa do PAIGC, entre Copá e a fronteira do Senegal, quando estavam a dar proteção ao grupo do Marcelino da Mata, "Os Vingadores", em fevereiro de 1974 (Miguel Pessoa)

Deixei expresso o meu agradecimento por teres trazido de volta esta hstória... Ab, Bom Natal. Luís