domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)



Mapa da Guiné-Bissau: destaque, a vermelho, para a região de Quínara (, adotamos a grafia que era usada pela cartografia militar portuguesa). Fonte: adapt de Wikipedia, com a devida vénia...


Guiné > Região de Quínara > Carta de São João (1955) > Escala 1/50 mil > O topónimo QUÍNARA (GUÍNALA), tal como foi grafado perlos Serviços Cartográficos do Exército

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Comentário do editor Luís Graça (*)

Um "ciberdúvida" para o nosso especialista em questões etnolinguísticas, o nosso irmãozinho Cherno Baldé, que mora em Bissau:

A palavra "Quinara":

(i) é esdrúxula (QUÍ-NA-RA) ?

(ii) é grave (QUI-NA-RA) ?

(iii) ou é aguda (QUI-NA-RÁ) ? 

Eu pronuncio-a sempre como se tivesse o acento tónico na antepenúltima sílaba... QUÍ-NA-RA. (Se  for erro,  é um erro sistemático que tenho aqui cometido, no blogue.)

O Gonçalo Inocentes escreve QUI-NHA-RÁ que, suponho, não existe... Ele devia  querer dizer QUI-NA-RÁ... (*)

Na nossa cartografia militar, parece ter sido  grafado o vocábulo QUÍ-NA-RA (palavra esdrúxula, acento tónico na antepenúltima sílaba): vd. por exemplo mapa de São João, de que se publica um excerto).

Mantenhas. Luís Graça

PS - Na Wikipedia pode ler-se; (...) " Quinara (também Quinará) é uma região da Guiné-Bissau, cuja capital é a cidade de Buba. Possui 60.777 habitantes (2009), correspondente a 4,19% da população do país" (...). [Compreende quatro setores: Buba, Empada, Fulacunda, Tite.]

2. Resposta do Cherno Balde_

Data: quinta, 10/09, 13:40 (há 2 dias)


Caro amigo Luis,

Ao que tudo indica, e confirmando uma regra geral no caso dos topónimos guineenses, a palavra (e a grafia) "Quínara" é portuguesa e resultou da corruptela da palavra "Guínala" que designava uma parte dos três principais reinos biafadas do séc. XIX, criados em consequência do deslocamento destes que, empurrados pelas guerras de conquista dos fulas em revolta contra o jugo mandinga/soninqué na segunda metade do séc. XIX, depois de mais de 6 séculos de submissão e escravidão na região oeste africana da Senegâmbia.

Assim, Quínara em português seria uma palavra esdrúxula como referes e corresponde mais a pronúncia fula do que os outros grupos étnicos, mas para a maioria dos outros grupos do mosaico guineense, na sua forma verbal, as três formas são aplicáveis sem que subsistam quaisquer contradições ou mal entendidos.

Aliás, devo dizer que no meio biafada a forma mais corrente é a forma aguda com acento na última sílaba [Quinará], que combina com a pronúncia da palavra de origem "Guínala" que na historiografia portuguesa não tem acento, mas deve-se pronunciar daquela forma. [Mas tem na carta de São João.]

Juntamente envio um extracto de um interessante texto de uma dissertação de mestrado de um portugués apresentado no nosso instituto (ISCTE-IUL) em 1991, para dar um cheirinho pitoresco da epopeia biafada e fula no surgimento do chão que passou a ser conhecido por Quinara ou Quinara [. Esse excerto será publicado oportunamento: o autor,   Manuel Portugal Almeida de Bivar Abrantes,a grafia Quinara, palavra grave.] (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

3. Resposta de LG, em 10 set 2020, 21h10:

Obrigado, Cherno, és uma referência inestimável e insubstituível. O teu saber sobre a tua terra é uma prova de amor pátrio. Fico sempre muito sensibilizado pelo teu carinho pelos teus e por nós. Fica bem, meu irmãozinho. Luís

4. Nova nensagem do Cherno Baldé:

Caro Luís: esqueci-me de te dizer que, também, no extracto do texto do jovem investigador português escrito a partir de uma narrativa oral dos biafadas, podes encontrar a origem do nome do rio Geba e do regulado de Badora, descrito nos seguintes termos:

"(...) Andando, andando, andando, e a sede a apertar, os meninos e as mulheres a chorar. Mas lá em baixo, um rio. Levaram a água à boca - – “esta é doce! Bádjéba, a Geba dos brancos. Seguiram para Badora - cano de arma antiga e comprida dada pelo irã (cr.) aos biafadas para que os fulas não ousassem fazer a guerra".

Abraço,
Cherno Baldé 
____________

Notas do editor:

2 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Como diz a sabedoria popular "O homem planeia e Deus executa", isto a propósito da região administrativa de Quinara, pois na introdução do texto, o editor escreve, baseado na realidade de hoje, que a cidade de Buba é a capital da região de Quínara, facto que não corresponde a verdade de jure. Todavia, por força da sua excelente posição geográfica na confluência das regiões de Quínara e Tombali, esta cidade destronou a localidade de Fulacunda que, no papel ainda continua a ser oficialmente a sede da região. Um facto bem curioso.

Em 1975, por vontade de influentes representantes desta região no seio do Paigc, com destaque para o Comandante Quemo Mané, mais tarde seu Governador quase vitalício, determinaram a indicação de Fulacunda como sede da região em detrimento de Buba, considerada zona de influência fula assim como a separação do Sector de Buba com o Quebo com o qual, administrativamente estava ligado na época colonial. Mas, a realidade suplantou o desejo puramente subjectivo dos intervenientes e Buba acabou sendo sede da Província Sul antes de (oficialmente) ser promovido a sede de região e assim acabou acumulando as duas funções de forma natural e sem contestação com o desaparecimento de Quemo Mané.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno, temos que usar a Wikipedia sempre com reservas... Fui induzido em erro pela entrada, na Wikipédia, sobre Quinara (sem acento tónico na antepenúltima sílaba).

Mantenhas. Luís