Lisboa > 2009 > O Amadu Djaló no Cais do Sodré
Guiné > Bolama > 1962 > O Amadu Djaló na escola de recutas
Fotos (e legendas): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, os antigos 'comandos' Virgínio Briote e Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano: "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...
Foto (e legenda): © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados.
.[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Temos reproduzido, aqui no blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua nos nossos corações.
É um documento autobiográfico, único, sem paralelo, indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe.
Membro da Tabanca Grande, tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado).
Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui a notável introdução em que este antigo sargento 'comando' graduado, do Batalhão dos Comandos da Guiné (e depois alferes graduado da CCAÇ 21) faz um apelo ao paficismo e à reconciliação, ele que a seguir à independência teve de trilhar os dolorosos caminhos da fuga e do exílio, ele que escolheu um dos lados da guerra, o lado português, mas também podia ter andado a lutar contra os portugueses, nas fileiras do PAIGC.
É ele próprio quem nos conta, sem alarde mas também sem autocensura de qualquer espécie, como chegou a ser aliciado, em Catió, aos 21 anos, para aderir ao PAIGC, acabando por ir para a nossa tropa: em 9 de janeiro de 1962, começaria ele, embora contrariado, a recruta no CIM de Bolama. Serviu a bandeira verde-rubra até agosto de 1974.
(...) Quando estava em Catió, em jlho de 1961, toda a gente falava de um tal 'Nino' Vieira que tinha fugido da prisão da administração de Catió e que tinha sido ajudado por um cabo cipaio, o Adulai Duca Djaló, casado com uma irmã do João Bacar Jaló.
Nessa altura encontrava-se em Catió, um colega meu de Bissau, o Adulai Djá, que enquanto fazia 'consultas' [como vidente, presumo eu, LG] , tentava mobilizar pessoal para o PAIGC.
Nessa altura encontrava-se em Catió, um colega meu de Bissau, o Adulai Djá, que enquanto fazia 'consultas' [como vidente, presumo eu, LG] , tentava mobilizar pessoal para o PAIGC.
Eram os tempos em que o PAIGC, ainda pouco conhecido, estava a começar a emitir um programa pela rádio de Conakry.
Uma tarde, convidado pelo Adulai Djá[1], fui ouvir a emissão a casa do cipaio. Depois voltámos mais vezes, fechávamos a porta, para o João Bacar não saber, e ouvíamos o programa quase todo. Nessa altura, o Adulai Djá estava a tentar aliciar-me e eu estive hesitante. Um dia disse-me que o pai dele lhe tinha mandado de Bissau a mulher e que esse momento não era oportuno para partir.
Ele, que tinha muita arte para fazer 'consultas', disse-me, dias depois, que eu não contasse mais com o PAIGC, que ia ter um amigo, militar português, que me ia meter na tropa. Não liguei nenhuma importância ao que ele contara.
Quando regressei de Catió, tomei a decisão de trabalhar para mim, já há muito que alimentava o desejo de abrir uma banca no mercado de Bafatá, onde pudesse vender cigarros, contas[2], colas, tecidos da Gâmbia, panos e outros artigos. (...)
Quando regressei de Catió, tomei a decisão de trabalhar para mim, já há muito que alimentava o desejo de abrir uma banca no mercado de Bafatá, onde pudesse vender cigarros, contas[2], colas, tecidos da Gâmbia, panos e outros artigos. (...)
(...) Introdução (pp. 13/16)
Esta história [,este livro, ] fala das circunstâncias da guerra em que participei. Tratou-se de uma guerra que dividiu e pôs frente a frente filhos da mesma terra.
Eu acho que participar em qualquer uma dessas partes não era crime. O crime é uma actuação que depende da pessoa que o pratica. Sem dúvida que houve criminosos em ambos os lados, que mataram barbaramente, mas cada um tem o seu processo individual para ser julgado, neste mundo e no outro.
No final da guerra não podiam nem deviam condenar todos. Primeiro deviam julgar os processos de cada um e só depois poderiam condenar aqueles que cometeram actos criminosos, tanto no Exército Português como no PAIGC.
Eu tenho a certeza que, entre aqueles que cometeram crimes nesta guerra, poucos sobreviveram e se, até agora, não foram presos e julgados pelo Estado, Deus já os terá julgado com grandes desastres e doenças incuráveis.
Em 25 de Abril de 1974 havia muita gente que considerava criminosos todos os militares guineenses do Exército Português e havia também outros que consideravam todos os combatentes do PAIGC como criminosos.
É mal pensado. Devemos respeitar o sexto e o nono mandamentos. O sexto, guardar castidade nos pensamentos e nas palavras; o nono, guardar castidade nos desejos e nas obras. Se respeitarmos estes dois mandamentos, entre os dez, não pecaremos contra a humanidade.
Foi uma era de sofrimento, muito dura que passámos. Perante os vestígios da guerra, ainda frescos e bem visíveis, a quem foi cobrado o pagamento da dívida? A nós, aos militares guineenses que lutámos nas Forças Armadas Portuguesas, bem como às nossas famílias. Fomos os únicos a quem foi cobrada esta divida e nós e as nossas famílias pagámos muito caro. A minha mãe, muito idosa, e os meus filhos, ainda crianças, passaram fome.
Ninguém é culpado disto, é tudo fruto do destino de Deus. Tudo passou e fica para a história.
Quando Nino Vieira deu o golpe de 14 de Novembro de 1980, as perseguições, as pressões e as calúnias acabaram. Ficámos livres, tirou o fecho de segurança da boca de todos os ex-militares guineenses do Exército Português que ainda viviam.
Eu não sou político, apenas um ex-militar, oriundo da Guiné, com treze anos de serviço militar. E o que me levou a escrever este livro é, para além de contar as peripécias que vivi, revelar as minhas dúvidas e os meus sentimentos, durante esses anos, em situação de guerra. Era difícil ser bom português, e os bons patriotas são sempre patriotas, sejam quais forem as ocasiões.
A minha maior dúvida foi a integração no Exército Português. Não era crime, nem erro cometido por qualquer dos lados, quer pelas entidades portuguesas, quer pelos soldados guineenses, porque, naqueles tempos, ir à tropa era uma obrigação.
Os momentos de guerra foram muito difíceis, e é por isso que temos que dar tudo por tudo, para que a guerra seja a última solução do homem.
Com o fim da guerra e o início das perseguições que sofremos, a integração no Exército Português parecia ter sido um passo errado. Ficámos a pagar uma dívida que não devíamos e da qual nem éramos fiadores. Fomos apenas militares da nação portuguesa.
Aqueles momentos foram muito duros e inesquecíveis. Não havia julgamentos. Só condenações à morte e fuzilamentos, sem processos individuais, sem averiguações sobre os actos praticados por cada um.
O que me leva, então, a pôr em dúvida se a integração no Exército Português foi um passo certo, é porque, quando estávamos a pagar os vestígios da guerra, não havia nenhuma entidade portuguesa, patronal, governamental, nem tão pouco diplomática, que pudesse, ao menos, exigir que nos fosse feita justiça.
Na altura, não se falava de direitos humanos, nem em democracia em África. Este contexto originou um silêncio completo em todo o mundo e, assim, foi correndo até ao dia 14 de Novembro de 1980, data em que acabaram com essa injustiça. Porque tudo acaba por ter um fim.
E, como disse atrás, a guerra é a última solução para o homem, porque ninguém sabe as consequências que ela vem trazer, para além dos mortos, dos feridos e dos prejuízos, que são sempre as primeiras a aparecerem.
Mas também, quando não há outra saída, só a guerra, então temos de a fazer. A guerra é indesejável, mas quando vamos para ela, é nossa obrigação enfrentá-la com seriedade, porque na guerra não há graça. A guerra também é uma arte, aumenta o conhecimento do homem, traz novas experiências, novos conhecimentos, novas aventuras, novas amizades, novas relações, novas culturas.
Nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português. Nunca nos juntávamos nas festas com os europeus, durante a presença portuguesa. Só quando se iniciou o conflito começámos a ver os militares das companhias e dos batalhões, que nos acompanhavam como irmãos e como amigos. Festejávamos juntos, repartíamos o pão na mesma mesa, juntávamo-nos em todas as ocasiões, boas e más.
Este povo pacífico, que agora vinha de Portugal e convivia connosco nos momentos de guerra, ficou a conhecer-nos melhor, trocávamos conhecimentos de vida diferentes, tratávamo-nos como irmãos.
Antes, só os comerciantes e os funcionários do Estado vinham com as famílias para a Guiné. Nós éramos servidores, eles, patrões e chefes. E a convivência entre nós, nesses anos, não era muita.
Os jovens da minha etnia, na então Guiné Francesa[3] andavam todos em escolas europeias. Na Guiné Portuguesa, as portas das escolas só se abriram para nós, muçulmanos, com a vinda dos padres italianos.
Os portugueses tiraram algum povo do mato, deram-lhes nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está lá tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos.
Foi uma era de sofrimento, muito dura que passámos. Perante os vestígios da guerra, ainda frescos e bem visíveis, a quem foi cobrado o pagamento da dívida? A nós, aos militares guineenses que lutámos nas Forças Armadas Portuguesas, bem como às nossas famílias. Fomos os únicos a quem foi cobrada esta divida e nós e as nossas famílias pagámos muito caro. A minha mãe, muito idosa, e os meus filhos, ainda crianças, passaram fome.
Ninguém é culpado disto, é tudo fruto do destino de Deus. Tudo passou e fica para a história.
Quando Nino Vieira deu o golpe de 14 de Novembro de 1980, as perseguições, as pressões e as calúnias acabaram. Ficámos livres, tirou o fecho de segurança da boca de todos os ex-militares guineenses do Exército Português que ainda viviam.
Eu não sou político, apenas um ex-militar, oriundo da Guiné, com treze anos de serviço militar. E o que me levou a escrever este livro é, para além de contar as peripécias que vivi, revelar as minhas dúvidas e os meus sentimentos, durante esses anos, em situação de guerra. Era difícil ser bom português, e os bons patriotas são sempre patriotas, sejam quais forem as ocasiões.
A minha maior dúvida foi a integração no Exército Português. Não era crime, nem erro cometido por qualquer dos lados, quer pelas entidades portuguesas, quer pelos soldados guineenses, porque, naqueles tempos, ir à tropa era uma obrigação.
Os momentos de guerra foram muito difíceis, e é por isso que temos que dar tudo por tudo, para que a guerra seja a última solução do homem.
Com o fim da guerra e o início das perseguições que sofremos, a integração no Exército Português parecia ter sido um passo errado. Ficámos a pagar uma dívida que não devíamos e da qual nem éramos fiadores. Fomos apenas militares da nação portuguesa.
Aqueles momentos foram muito duros e inesquecíveis. Não havia julgamentos. Só condenações à morte e fuzilamentos, sem processos individuais, sem averiguações sobre os actos praticados por cada um.
O que me leva, então, a pôr em dúvida se a integração no Exército Português foi um passo certo, é porque, quando estávamos a pagar os vestígios da guerra, não havia nenhuma entidade portuguesa, patronal, governamental, nem tão pouco diplomática, que pudesse, ao menos, exigir que nos fosse feita justiça.
Na altura, não se falava de direitos humanos, nem em democracia em África. Este contexto originou um silêncio completo em todo o mundo e, assim, foi correndo até ao dia 14 de Novembro de 1980, data em que acabaram com essa injustiça. Porque tudo acaba por ter um fim.
E, como disse atrás, a guerra é a última solução para o homem, porque ninguém sabe as consequências que ela vem trazer, para além dos mortos, dos feridos e dos prejuízos, que são sempre as primeiras a aparecerem.
Mas também, quando não há outra saída, só a guerra, então temos de a fazer. A guerra é indesejável, mas quando vamos para ela, é nossa obrigação enfrentá-la com seriedade, porque na guerra não há graça. A guerra também é uma arte, aumenta o conhecimento do homem, traz novas experiências, novos conhecimentos, novas aventuras, novas amizades, novas relações, novas culturas.
Nós, Povo da Guiné, antes da guerra, mal conhecíamos o Povo Português. Nunca nos juntávamos nas festas com os europeus, durante a presença portuguesa. Só quando se iniciou o conflito começámos a ver os militares das companhias e dos batalhões, que nos acompanhavam como irmãos e como amigos. Festejávamos juntos, repartíamos o pão na mesma mesa, juntávamo-nos em todas as ocasiões, boas e más.
Este povo pacífico, que agora vinha de Portugal e convivia connosco nos momentos de guerra, ficou a conhecer-nos melhor, trocávamos conhecimentos de vida diferentes, tratávamo-nos como irmãos.
Antes, só os comerciantes e os funcionários do Estado vinham com as famílias para a Guiné. Nós éramos servidores, eles, patrões e chefes. E a convivência entre nós, nesses anos, não era muita.
Os jovens da minha etnia, na então Guiné Francesa[3] andavam todos em escolas europeias. Na Guiné Portuguesa, as portas das escolas só se abriram para nós, muçulmanos, com a vinda dos padres italianos.
Os portugueses tiraram algum povo do mato, deram-lhes nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está lá tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos.
Depois que a guerra teve início, começaram a desembarcar companhias e batalhões de militares vindos de Lisboa. Passámos a ter amigos europeus, quase todos militares simpáticos, tanto oficiais como sargentos e praças. Poucos eram os que não tinham amigos.
Antes de ser incorporado, o meu único amigo branco era um oficial do Exército, o tenente Carrasquinha, em finais de 1961. Ia a minha casa, foi o meu primeiro amigo. Depois, a tropa continuou a desembarcar e fui tendo mais amigos. Convivíamos em festas, comíamos e bebíamos, cantávamos, dançávamos juntos e ficavam também a conhecer o Povo pacífico da Guiné.
Todos os europeus que regressaram deixaram lá pelo menos um amigo que pensa neles. E todos os que regressaram, trouxeram consigo um ou mais amigos, no fundo do seu coração, que ainda hoje pensa neles.
O Povo da Guiné também é diferente dos outros povos da África. Desde o início da guerra foram muito raros os casos em que o PAIGC matou civis brancos.
A guerra destrói um lado e constrói outro. Mas a destruição é sempre maior. Por isso é melhor evitá-la, o máximo que pudermos. Mas, se não fosse a guerra nós também nunca viríamos a conhecer este Povo pacífico, que é o português, e que nunca deixámos de recordar.
Vivemos com estas recordações e vamos morrer com elas.
Até agora, se Portugal for invadido, nós vamos defendê-lo com tudo o que estiver ao nosso alcance. Se a Guiné for invadida, faremos o mesmo. Eu acho que devemos estar cada vez mais unidos e mais fortes, Guiné e Portugal.
Quero apelar a todos os antigos combatentes guineenses, tanto os que lutaram pelo PAIGC como os que foram incorporados no Exército Português, que façam um esforço de reconciliação com o que se passou.
Naqueles anos, ao serviço do Exército português, nunca deixei de ter amor pela Guiné, a terra que me viu nascer. O facto de eu e muitos companheiros nos termos alistado não fez de nós menos guineenses do que qualquer outro e não nos fez querer menos a nossa Pátria.
Foi a luta pela independência que nos levou a pegar em armas e trocar tiros com os nossos irmãos dentro da nossa terra.
Por tudo isto, eu peço, de uma forma humilde, a todos os guineenses para, hoje, mais do que nunca, ultrapassarem as diferenças, sejam quais forem, para o bem da nossa Pátria. (...)
[Seleção / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
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Todos os europeus que regressaram deixaram lá pelo menos um amigo que pensa neles. E todos os que regressaram, trouxeram consigo um ou mais amigos, no fundo do seu coração, que ainda hoje pensa neles.
O Povo da Guiné também é diferente dos outros povos da África. Desde o início da guerra foram muito raros os casos em que o PAIGC matou civis brancos.
A guerra destrói um lado e constrói outro. Mas a destruição é sempre maior. Por isso é melhor evitá-la, o máximo que pudermos. Mas, se não fosse a guerra nós também nunca viríamos a conhecer este Povo pacífico, que é o português, e que nunca deixámos de recordar.
Vivemos com estas recordações e vamos morrer com elas.
Até agora, se Portugal for invadido, nós vamos defendê-lo com tudo o que estiver ao nosso alcance. Se a Guiné for invadida, faremos o mesmo. Eu acho que devemos estar cada vez mais unidos e mais fortes, Guiné e Portugal.
Quero apelar a todos os antigos combatentes guineenses, tanto os que lutaram pelo PAIGC como os que foram incorporados no Exército Português, que façam um esforço de reconciliação com o que se passou.
Naqueles anos, ao serviço do Exército português, nunca deixei de ter amor pela Guiné, a terra que me viu nascer. O facto de eu e muitos companheiros nos termos alistado não fez de nós menos guineenses do que qualquer outro e não nos fez querer menos a nossa Pátria.
Foi a luta pela independência que nos levou a pegar em armas e trocar tiros com os nossos irmãos dentro da nossa terra.
Por tudo isto, eu peço, de uma forma humilde, a todos os guineenses para, hoje, mais do que nunca, ultrapassarem as diferenças, sejam quais forem, para o bem da nossa Pátria. (...)
[Seleção / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]
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Notas do autor ou do "copydesk" (editor literário) Virgínio Briote:
[1] Adulai Djá militou no PAIGC, vindo a ser 2º comandante da base principal de Morés. Foi morto aquando de um ataque de Comandos helitransportados e soube-se que era ele, por causa do nome inscrito no anel que trazia num dedo.
[1] Adulai Djá militou no PAIGC, vindo a ser 2º comandante da base principal de Morés. Foi morto aquando de um ataque de Comandos helitransportados e soube-se que era ele, por causa do nome inscrito no anel que trazia num dedo.
[2] Colares.
[3] República da Guiné-Conakry, desde 2 de outubro de 1958.
6 comentários:
Palavras justas e sentidas do Amadu Djaló. Ainda tive o gosto de o conhecer e de lhe dar um grande abraço. Homem superior.Não o esqueço.
O vosso,
António Graça de Abreu
O que o nosso Amadu Djaló deve ter consultado em 1961, em Catió, foi um "mouro" ou "muru", um vidente... O seu antigo colega de escola Djá (que o tentou aliciar para o PAIGC) seria um vidente, alguém com "poderes mágicos" capaz de adivinhar o futuro e dar conselhos em matéria de saúde, amores, dinheiro, profissão... Proliferam em todos os tempos e sociedades... Em Portugal, há muitos de origem africana e brasileira....
Parece que o termo que se se usa na Guiné-Bisssu para designar vidente, é "pauteiro",
pauteiro
nome masculino
Guiné-Bissau vidente; mágico
Do crioulo guineense pautèru.
Porto Editora – pauteiro no Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2022-09-23 14:58:17]. Disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/pauteiros
Eapero a confirmação do nosso Cherno Baldé.
Caros amigos,
" (...) Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadu, outro homem sábio, africano: "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...
De facto, como bem disse o nosso Editor Mor, Luis Graça, especialista e grande conhecedor da Guiné e da guerra colonial (Blogue da TG), o Amadu coloca uma questão fundamental na relação entre portugueses e fulas na região da Senegâmbia e na Guiné dita Portuguesa.
No século XIX foram os lideres religiosos das várias etnias (mandingas, saracolés, jacancas, bambaras, wolofs, sérere, fulas...) que protagonizaram as mudanças politicas e sociais no que era então o Sudão Ocidental, tentando fazer face as manobras de infiltração e tentativas de dominaçao de forças externas vindas dos paises europeus, com particular destaque da França. E no caso concreto dos fulas, foram estes lideres religiosos que tomaram a iniciativa de organizar as massas dispersas do mesmo grupo para formar estados teocráticos fortemente organizados e que fizeram frente as investidas das forças de dominaçao dos europeus, a partir da costa para o interior do continente africano.
(continua)
(continuaçao)
Sendo assim, os fulas ja estavam integrados na dinámica ideológica e cultural da religião islámica, alguns por convicção e outros por contingência e/ou força das armas (jihad) e seria muito dificil ou quase impossivel reverter a situação e isso os europeus perceberam rápidamente, pelo que nunca houve tentativas de reconversão a sério.
Estando na Guiné na situaçao de (novos) senhores do poder recém conquistado aos soninqués de Gabu, e graças a sua longa experiência de percurso e lucídez de espirito, também, rápidamente perceberam que os europeus (portugueses no caso) detinham uma larga vantagem tecnológica em muitos dominios e fundamentalmente no respeitante ao armamento de guerra, de modo que, teriam chegado a conclusão lógica de que, mais valia aceitá-los como “amigos” e aliados de que enfrentá-los numa guerra que poderia ser não só destruidora, mas também, condenada ao fracasso, a mêdio e longo prazos. Ouve outros povos e etnias que tiveram entendimento diferente com as consequências que se conhecem na historia das guerras de pacificaçao na senegambia e na Guiné. Assim, os fulas, habitantes do reino de Fuladu (territorios situados hoje entre a Gambia e Guiné-Bissau),optaram pela colaboraçao até ver como as coisas iriam evoluir no futuro.
Por outro lado, os portugueses convertidos ao catolicismo pelos romanos, eram originarios e descendentes de um territorio (re)conquistado aos muçulmanos (mouros) árabes tendo ainda na memória, mesmo que de forma inconsciente, os traumas resultantes dos trágicos acontecimentos das guerras Don-Sebastianas em terras muçulmanas do mediterrâneo (reino de Marrocos).
Durante quase todo o periodo da colonização houve sempre um bom entendimento e colaboração das duas partes, de tal maneira que podemos afirmar que a "pacificaçao" da Guiné aconteceu graças a esta aproximação destas duas componentes que a partida nada fazia prever.
Todavia, não é dificil notar que foi uma aproximação vs colaboração de circunstâncias em que cada um sabia que, a longo prazo, a situação deveria necessariamente mudar, por força das diferenças e possiveis contradiçoes ideológicas e sócio-culturais. Esta perspectiva, lógicamente, obrigava a que os portugueses fizessem tudo ao seu alcance para se aproximar dos outros grupos que eram hostis e menos colaborantes mas que, a partida, lhes parecia mais susceptiveis de aceitar a sua religião e por essa via, também a assimilação cultural subjacente que poderia garantir e facilitar a sua presença a longo prazo. Facto esse que nao era novo, pois todos os povos conquistadores que por aqui tinham marcado a força da sua presença ja o tinham feito com sucesso, a começar pelos míticos Banhuns, depois os Soninqués (mandingas) e mais tarde os fulas.
Por isso o Amadu diz: "nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos...". Por escola, o Amadu subentende conhecimentos tecnológicos que permitissem apropriar-se da técnica do fabrico de ferramentas avançadas para fazer face aos adversários e/ou concorrentes eja no campo da batalha seja non campo da produção cientifica que sao condiçoes indispensaveis para o estabelecimento de qualquer poder e/ou sociedade humana. Para isso eles contavam com a paciência "oriental" de que já tinham feito prova debaixo do dominio mandinga no reino de Gabu que finalmente acabaram por se apoderar após séculos de dominação e de trabalho escravo as ordens dos farinados mandingas de então.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Muito clara esta exposição do Cherno.
Abraço
V. Briote
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