terça-feira, 20 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23629: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XVI: Conto - O menino e patu-feron



Ilustrações do mestre Augusto Trigo (2016), pai da pintura guineense e grande ilustrador, a sua obra é uma referência. (pp. 81 e 83). Nasceu em Bolama, em 1938. Casapiano.



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



1. Transcrição das pp. 81/83 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato > Lendas e contos da Guiné-Bissau




Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



CONTO - O MENINO E O PATU-FERON 
(pp. 81/83)


Um dia, uma mulher ao ir buscar lenha ao mato, em vez de carregar com o seu filho nas costas como era costume, deitou-o no chão, para poder trabalhar mais rapidamente.

Um patu-feron (37),  vendo a mulher distraída com o trabalho, roubou-lhe o filho, e levou-o para o seu ninho numa árvore.

A mulher aflita gritou:
Ajuda, ajuda. Patu-feron levou o menino. Ajuda, ajuda.

Vieram pessoas a correr, que foram logo procurar o menino, nas árvores onde os patus-feron costumavam fazer os ninhos, mas, apesar de muito procurarem, nada encontraram.

Anos mais tarde, um caçador que andava a caçar naquele local, viu uma criança em cima de uma árvore.

O caçador tinha visto uma mulher ali perto a cozinhar, e foi falar com ela.

 Eu vi uma criança em cima de uma árvore, cozinha arroz para dares à criança, que eu vou buscá-la  disse o caçador.

O caçador, mal chegou ao local, começou a subir a árvore para ir buscar a criança, mas o patu-feron atacou-o e não o deixou subir. Então o caçador pegou no machado e começou a cortar a árvore.

Quando o patu-feron viu o caçador a cortar a árvore, começou a cantar.

 
− Ráque, ráque! Ráque, ráque!  fazia o patu-feron e a árvore voltava a crescer.

Então o caçador pegou no arco e nas flechas para matar o patu-feron, mas ao ver isto o patu-feron começou a gritar por ajuda, e começaram a vir muitos patus-feron, que atacaram o caçador.

O valente caçador enfrentou os patus-feron, e com o seu arco disparou as setas que tinha, matando muitos patus-feron, mas as setas acabaram-se e eles continuavam a vir. Então o caçador pegou no machado e na catana e continuou a lutar, até todos os patus-feron estarem mortos.

Finalmente o caçador conseguiu subir à árvore e trazer a criança.

A mulher deu o arroz à criança, mas esta não quis comer, porque só estava acostumada a comer peixe cru que o patu-feron lhe dava.

O caçador levou-o para sua casa e criou-o como se fosse seu filho, insistindo, pouco a pouco, para que ele comesse arroz.

E foi assim, que o caçador conseguiu salvar o menino, e acostumá-lo a comer arroz, ao pequeno-almoço, ao almoço, e ao jantar.

___________

Nota do autor:

(37) Patu-feron - é a designação dada em crioulo ao pato ferrão (Plectropterus gambensis), o qual é comum na África subsariana. É a maior ave aquática do continente africano, chegando a pesar sete quilos e a envergadura das asas ser de dois metros; é uma ave perigosa, pois usa o esporão que tem na dobra de cada asa (de onde deriva o nome pato-ferrão) para atacar quando se sente ameaçada.


Pato-ferrão, Patu-feron (crioulo), Thifathe (balanta), Cubuquetaco (fula).  Macho adulto. 

Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 15. Ilustração de PF - Pedro Fernandes) (Com a devida vénia...)  



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E-mail: ajudaamiga2008@yahoo.com

Telemóvel: +351 937149143
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5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Arroz ao pequeno almoço, almoço e jantar... seria muito bom se todos os meninos da Guiné-Bissau pudessem dar-se, ainda hoje, a esse luxo. Mas, infelizmente,...

Pobreza impede 68% da população da Guiné-Bissau de ter dieta nutritiva

https://news.un.org/pt/story/2022/04/1785502

ONU News, 8 abril 2022 | Amatijane Candé, de Bissau para a ONU News

(...) Encontro de Alto Nível do governo e agência da ONU reúne parceiros e decisores políticos para definir e aprovar roteiro de melhoria nutricional; ação alinhada aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável visa erradicar a fome e melhorar a segurança alimentar e a nutrição.

Novo estudo do Programa Alimentar Mundial, PAM, revela que quase três quartos da população da Guiné-Bissau não têm acesso a uma dieta energética devido aos elevados níveis de pobreza.

O custo diário para uma família de sete membros é de US$ 2,35 e a dieta nutritiva custa US$ 4. Uma barreira que elimina mais de 68% da população.

(...) A divulgação do relatório sobre a disponibilidade, acesso e custos de uma alimentação saudável contou com a parceria do Ministério da Saúde, reuniu decisores políticos e parceiros-chave e culminou com aprovação de um roteiro destinado a melhorar a situação nutricional no país.

O estudo recolheu dados primários sobre os preços dos alimentos e analisou as pesquisas do Sistema de Seguimento da Segurança Alimentar e Nutricional de 2019 e o do Agregado da Revisão da Fome Zero em Bissau, ajustando-os aos dados do índice de preços ao consumidor.

Segundo a avaliação “Mitigar a falta de Nutrientes”, os atuais níveis de produção alimentar são insuficientes e podem ser melhorados através do aumento da fruta fresca, legumes, frutos secos e alimentos de origem animais. (...)

(...) O representante interino do PMA, Papa Fal, atribuiu o aumento dos preços de alimentos e combustíveis no mercado internacional ao conflito na Ucrânia e alertou sobre os riscos da monocultura do caju, em meio ao início da campanha de comercialização do produto.

“A economia do país depende em grande parte da monocultura do caju, porém ela apresenta riscos no que toca a deterioração dos meios de subsistência, devido a perda de rendimento de cerca de 60 por cento da população que vive da agricultura”.

A frequência dos choques climáticos e o aumento das temperaturas constituem um sério risco ao cultivo do caju, principal produto de exportação do país com mais de 200 mil toneladas em 2021. (...)

(...)Peixe e arroz

O sistema alimentar da Guiné-Bissau carece de alimentos nutritivos acessíveis, 50 por cento do arroz consumido é importado e quase todo o peixe é exportado, resultando numa disponibilidade limitada de alimentos ricos em nutrientes.

As adolescentes, mulheres grávidas e lactantes que respondem por 40 por cento do custo da dieta das famílias e com maiores necessidades nutricionais, não conseguem satisfazer estas necessidades devido ao custo elevado dos alimentos ricos em nutrientes.

(...) “Existem oportunidades para aumentar a disponibilidade de alimentos nutritivos, diversificando a produção e desenvolvendo a indústria pesqueira. Igualmente, a soberania alimentar poderia ser reforçada através da melhoria dos rendimentos das culturas, reduzindo a dependência da importação do arroz”.

A pasta de amendoim ou suplemento nutricional à base de lípidios, em quantidade média, seria não só uma boa solução para as crianças menores de cinco anos, vulneráveis ao atraso de crescimento e a deficiências em micronutrientes, mas também para reduzir o custo de uma dieta nutritiva em 20% ou 37%. (...)

(Continua) (Negritos nossos)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Pobreza impede 68% da população da Guiné-Bissau de ter dieta nutritiva

https://news.un.org/pt/story/2022/04/1785502

ONU News, 8 abril 2022 | Amatijane Candé, de Bissau para a ONU News

Continuação:


(...) Entre as recomendações estão fortificar alimentos em casa como forma de cobrir 40% das necessidades em micronutrientes e melhoria na alimentação complementar, que apresenta baixos índices, através de mensagens de mudança de comportamento social.

“Tornar a refeição escolar mais nutritiva e apropriada, adicionando alimentos frescos para limitar os nutrientes como ovos, fruta de goiaba e folhas de mandioca e aumentar o tamanho das porções.

A ideia é reduzir a quantidade que os agregados familiares precisam gastar numa dieta nutritiva para crianças em idade escolar. (...)

Antº Rosinha disse...

A ideia é reduzir a quantidade que os agregados familiares precisam gastar numa dieta nutritiva para crianças em idade escolar. (...)

Esto na África, porque em Portugal o que se reduziu foi o agregado familiar.

Talvez isso ajude.

Valdemar Silva disse...

As ilustrações, quase impressionistas, de Augusto Trigo são de tempos muito actuais, e pouco lendárias.
O Pato-Ferrão até tem um colar branco e parece um pato de trazer por casa. O menino sentado num banquinho perfeito, de camisola de alças e calções como deve ser, até se esqueceu de comer arroz à mão e precisou de uma colher.

Tomara eu ter o jeito do Augusto Trigo para fazer ilustrações assim, a ilustrar belas lendas da Guiné.

Valdemar Queiroz

Antº Rosinha disse...

Valdemar, essa do comer à mão tem porras, nem a Amilcar Cabral passou ao lado:

"Ninguém pense que é mais africano do que outro, mesmo do que algum branco que defende os interesses de África, porque ele sabe hoje comer melhor com a mão, ..."

Amilcar foi a todos os pormenores para explicar a sua luta.

Valdemar, tu reparaste na colher do puto, um tanto fora do contexto, mas aquela galinha à espera de uma migalha é que me chamou mais à atenção.

Essa sim faz parte com pleno direito daquele quadro, e digo-te que ao fim de muitos anos a saborear cafrielas ou de chabeu dessas esgravatadeiras, é horrível ter de comer esses animais de aviário.