quarta-feira, 28 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22147: Historiografia da presença portuguesa em África (260): Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Que importância se pode atribuir às descrições do então Tenente do Corpo de Engenharia que terá percorrido com algum cuidado uma Guiné Portuguesa ainda sem fronteiras definidas no final da década de 1830? Traz-nos elementos esclarecedores de uma presença portuguesa em regiões do Litoral, na região dos rios, uma presença sem profundidade no Interior, e já não se fala de estabelecimentos para além do Tombali, veja-se o mapa de 1843. Tudo precário, com compras de negociantes, uma tropa indesejável, padres degredados, os franceses a cercar o Casamansa. Poucos anos depois da publicação desta Corografia Cabo-Verdiana é a vez de Honório Pereira Barreto vir apelar às autoridades em Lisboa para cuidarem da Guiné, uma colónia praticamente reduzida a praças e presídios, e tudo parecia que estava condenada à extinção. Atenda-se a estes documentos da época para melhor se perceber como decorreu a luta pela independência.

Um abraço do
Mário


Corografia cabo-verdiana das ilhas de Cabo Verde e Guiné, 1841-1843 (2)

Mário Beja Santos


José Conrado Carlos de Chelmicki é autor da Corografia Cabo-Verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde e Guiné, em dois volumes, tendo sido o primeiro publicado em 1841. Este Tenente do Corpo de Engenharia nasceu em Varsóvia, é um jovem quando vem combater pela causa liberal em Portugal, distingue-se pela sua bravura, foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Vila Viçosa, igualmente condecorado em Espanha, distintíssimo oficial colocado em vários pontos do país, deve-se-lhe uma obra singular, uma descrição ampla e certamente documentada de uma Guiné que poucos anos depois da publicação do Tomo I é alvo de um documento que vem confirmar o que ele observara na sua digressão numa Guiné sem fronteiras, refiro-me concretamente à Memória da Senegâmbia, de Honório Pereira Barreto.

Recorde-se o que já se escreveu anteriormente. Começa por nos dizer que a Costa da Guiné que nos antigos portugueses abrangia o espaço compreendido entre o Rio de Senegal e a Serra Leoa, começou a ser descoberto depois que Gil Eanes, pelos anos de 1433, dobrou o Cabo Bojador. Dá-nos depois a dimensão do refluxo, dizendo que ainda em 1650, o distrito da Guiné, que pertencia à capitania de Cabo Verde, começava no Rio Sanaga (Senegal), estendendo-se até ao princípio do distrito da Serra Leoa. A sua descrição começa no Rio Casamansa, dizendo que na sua embocadura tem o Ilhéu dos Mosquitos, “agora segundo nos consta ocupado pelos franceses; este rio dista da foz do Gâmbia vinte léguas. No Casamansa fica situado Ziguinchor. Dali até ao Rio de Cacheu, ou de S. Domingos, toda a terra é habitada por Felupes. O Rio de Cacheu tem duas entradas, vinte léguas acima da foz do rio está a Praça de Cacheu. Do Sul, a primeira terra de frente de Bolor é a Mata de Putama, ponta cheia de arvoredo e que é terra de Felupes. Daqui para Bissau há três caminhos, o primeiro entre a terra dos Felupes e Papéis; o segundo, por fora, pelo Canal das Caravelas ou pelo Canal das Âncoras; o terceiro, partindo da Mata de Putama e correndo a terra dos Felupes”.

Fala pormenorizadamente de S. José de Bissau, de várias ilhas dos Bijagós, situa perfeitamente a embocadura do Rio Grande, dizendo que houve povoações e estabelecimentos portugueses de que só restam alguns sinais.
Continuando o percurso, fala do Rio dos Tombalis dizendo que os moradores são Beafadas e que daqui à boca do Rio Nuno são trinta léguas de costa, habitadas por Nalus. Mudando de agulha diz que a Guiné Portuguesa é dividida em dois distritos: o de Bissau e o de Cacheu. O distrito de Cacheu abrange Cacheu, Ziguinchor, Bolor e Farim; terá dois mil habitantes sujeitos ao domínio português, espalhados por todos estes pontos, incluindo 93 soldados que os guarnecem. Ziguinchor situa-se no Rio Casamansa nas terras dos Banhus e tem comunicação pelo interior com o Rio Gâmbia. “Negoceia-se aqui com os gentios Felupes, Cassangas, Banhus e Mandingas, comprando cera, arroz, marfim, couros de vários animais a troco de contas miúdas, ferro, pólvora, alambre (âmbar), cristal e cola”. E logo regista a crescente presença francesa no Casamansa, fazendo notar que no Tratado de Paz celebrado em Paris em 1814 fora reconhecido o Rio de Casamansa como propriedade da Coroa de Portugal, e sugerindo que o Governo devia tomar esta violação em consideração. Descreve Ziguinchor, adiantando que a sua guarnição em 1836 era de nove soldados, admitindo que ao tempo em que escreveu a sua corografia não fosse maior.

Falando de Cacheu, adianta que é cabeça de concelho e distrito do mesmo nome, situada na terra de Papéis e Brames. No princípio era uma feitoria, em que habitaram alguns negociantes portugueses, comprando escravos, cera e marfim dos gentios Papéis. Atualmente, “aquilo que chamam casa-forte não tem de fortaleza senão o ser de pedra e cal”. Quase sempre está Cacheu em guerra com o gentio vizinho, e diz com toda a franqueza que a guarnição é de 74 praças, tanto oficiais como soldados dos piores. O caminho por terra de Cacheu a Ziguinchor era o mais conveniente e cómodo.
Quanto a Bolor, dá a saber que os reis gentios cederam esta ponta à Coroa Portuguesa, é a ponta chamada do Baluarte de Bolor, onde então o Sr. Lopes de Lima, que fez este tratado de aquisição, principiou a formar um estabelecimento, e diz mesmo que antes de chegar a Bolor há ainda à beira-mar duas grandes aldeias, Usol e Jafunco. “Em todas estas partes se cultiva arroz, que pode ser um grande ramo de comércio a troco de ferro, pólvora, tabaco, treçados, missanga, aguardentes, panos, quinquilharias, etc.”. Identifica Farim, dizendo que dista 60 léguas de Cacheu pelo rio de S. Domingos acima, ficando em terra de Mandingas. “Até 1692, era uma simples feitoria de negociantes sujeitos a todas as insolências e maus-tratos dos gentios”. Aqui viviam dois naturais de Santiago, o padre João Cabral e Pereira Simão Vassalo, degredados então pelo bispo D. Frei Vitoriano Portuense, fortificaram a povoação e persuadindo aos cristãos que ali se achavam que pegassem em armas e se defendessem dos gentios. E observa que Honório Pereira Barreto, em 1835, aqui montou seis peças de artilharia à sua custa. “O melhor negócio é o da cola. Os naturais compram também com muita avidez prata para fazerem manilhas e apreciam este metal mais do que o ouro”. E termina esta digressão pelo distrito de Cacheu dizendo que é o único ponto na Guiné onde uma grande extensão de terreno vizinho a Farim pertence de facto e de direito aos portugueses, terreno esse que terá sido comprado por um tal senhor Pascoal e outros comerciantes ali estabelecidos. “Este ponto é muitíssimo importante por ser ponto de passagem de todos os gentios que vão levar à Gâmbia e ao Senegal os seus marfins, ouro em pó, etc., por não acharem aqui sortimento de fazendas próprias”.
Concluída que fica a descrição do distrito de Cacheu, segue-se Bissau.

(continua)
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Nota do editor

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