No dia 25 de abril 2021, pelas dez horas da manhã, um grupo
de combatentes da Lourinhã comemorou os 47 anos da revolução de Abril e o final
da Guerra Colonial.
O ato simbólico foi realizado junto ao monumento erguido em
memória dos combatentes mortos na Guerra Colonial do concelho da Lourinhã, ato
restrito a cerca de meia dezena de combatentes e alguns familiares, em virtude
das restrições sanitárias impostas pelas DGS.
Usaram da palavra o Presidente da AVECO, Fernando Castro, e
Jaime Silva, ambos alferes milicianos que cumpriram uma comissão de serviço
obrigatório em Angola.
No momento, foi realçada, não só a importância e o papel
fundamental dos militares de Abril no derrube da ditadura e na implantação da
democracia em Portugal, mas também reforçar como a revolução de Abril nos
permite hoje, viver numa sociedade mais justa, aberta e desenvolvida, apesar
das desigualdades sociais, particularmente para os mais pobres no acesso à
saúde, educação, trabalho, cultura, desporto e lazer!
Mais ainda, foi relembrado como naquele tempo de ditadura a grande maioria da população do concelho vivia numa pobreza extrema a diversos níveis, por exemplo: os homens trabalhavam de sol a sol no campo, sem qualquer regalia ou apoio social; a jorna e a força dos braços era a única forma de sustento da família, sempre numerosa; os homens só ganhavam a jorna quando trabalhavam no campo e os invernos pareciam muito longos e chuvosos com largos períodos sem trabalho e sem “o pão para a boca” (como se dizia).
Lourinhã > Largo António Granjo > Monumento aos Combatentes do Ultramar > 2014 > Aspeto parcial do monumento, inaugurado em 2005
Ouvia-se muitas vezes as mulheres da aldeia dizer, quando
falavam umas com as outras a lavar a roupa no rio:
- O “meu” já vai para um mês que só trabalhou três
quartéis. Como é que a gente pode viver assim? Olha, vai para o “rol” da
mercearia. O pior, é que, quando vendermos a seara, o ganho fica todo lá. Como
é que os pobres podem levantar a cabeça! Estamos condenados!
Foi evocada a frase comum dos mais velhos quando perante a
adversidade diziam: “o que é preciso é ter saúde e sorte, que Deus não dá
tudo”, tal o estado de resignação da gente
desafortunada!
Na minha intervenção lembrei também, a propósito da atual crise provocada pela Covid - 19 que, por volta do ano de 1955, quando andava na escola, houve no concelho um surto de varíola (“bexigas doidas”, como era designado pelo povo).
No Seixal, a minha aldeia, foi uma “arrazia”. Ocorreu até um episódio em que um dia o delegado de saúde do concelho da Lourinhã, Dr. José Carvalho, ali se deslocou para consultar uma criança nossa colega de escola, chamado pelo pai que era pescador e como pertencia ao sindicato dos pescadores, era o único que tinha direito a consulta médica para a filha.
Entretanto uma mulher que, mal viu o médico entrar na casa
do nosso vizinho, alertou as outras mães para a sua presença e mal o Dr. Carvalho
ultrapassou a soleira da porta, foi confrontado com este alarido todo. Não teve
outro remédio de, mesmo ali, e em plena rua, observar o estado das outras
crianças, todas, já, em tronco nu. Eu fui uma delas! O médico foi embora… e as
nossas mães lá nos continuaram a tratar com o único e milagroso remédio (o
mercúrio crómio) que tinham às mãos para curar as “bexigas doidas”.
A segunda parte da cerimónia os combatentes evocaram o fim
da Guerra Colonial e os seus longos e pesados treze anos de duração. Recordaram
que mais de um milhão de portugueses foram mobilizados para combater em África
e cujas consequências se saldou em mais de oito mil mortes, cento e vinte mil
feridos, quatro mil estropiados e, estima-se que, cerca de cem mil combatentes ficaram
a sofrer de stress pós traumático de guerra.
Lembraram e nomearam todos os jovens do concelho da Lourinhã que tombaram durante a Guerra, em Angola (9), na Guiné (6) e em Moçambique (5) e recordou-se, particularmente, o 1.º combatente da Lourinhã a morrer na guerra em consequência dos ferimentos que recebeu em combate.
Trata-se do Soldado Atirador Joaquim Alexandre Neto Martins, natural dos Casais de Porto Dinheiro em 12.6.1961. Pertencia à Companhia de Caçadores n.º 105 do Batalhão de Caçadores n.º 96. Foi mobilizado no Regimento de Infantaria n.º 7 em Leiria. Faleceu no Hospital Central de Luanda, vítima de ferimentos em combate. Ficou sepultado no cemitério Novo de Luanda, uma vez que a “Pátria”, nessa altura, não suportava as despesas com a trasladação dos corpos, cabendo às famílias suportar esses custos.
A cerimónia encerrou com a colocação de uma coroa de flores junto ao Monumento e com a leitura de um poema de Manuel Alegre que cumpriu uma comissão de serviço como Alferes Miliciano no Norte de Angola e cuja mensagem traduz de uma forma sublime o que cada um de nós, combatentes em Angola, Guiné ou Moçambique, sentíamos naquele “tempo de combate”.
"Nambuangongo meu amor”
“Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabeça cortada
e a flor bombardeada
tu não viste nada em Nambuangongo.
Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem um morto que não morre.
Sim nós sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em Nambuangongo existe
em cada homem um rio que não corre
Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece
Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta
É justo que me fales de Hiroxima.
Porém tu nada sabes deste tempo longo longo
tempo exatamente em cima
do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima
com a palavra morte em Nambuangongo”
Lourinhã, 27 de abril 2021
Jaime Silva
CONCELHO DA LOURINHÃ RELAÇÃO DOS COMBATENTES FALECIDOS NA GUERRA DO ULTRAMAR ANGOLA |
NOMES | POSTO | FREGUESIA | FALECIMENTO |
Joaquim Alexandre Neto Martins | Soldado | Ribamar/C.P. Dinheiro | 12.06.1961 |
João Cláudio Fernandes | Soldado | Atalaia | 05.07.1963 |
Leonel Lourenço dos Santos | Soldado | Marteleira | 10.08.1963 |
João António Fonseca Martins | Soldado | Lourinhã | 14.01.1964 |
Joaquim Domingos Santos Oliveira | Soldado | Reguengo Grande | 24.05. 1964 |
Frutuoso Brás Ferreira | 1.º Cabo | Reguengo Grande | 30.08.1964 |
João dos Santos Correia | Soldado | Pena Seca | 07.07 1970 |
Arsénio Bonifácio da Silva | Soldado | Seixal | 04.09.1972 |
Henrique Luís Rodrigues | Soldado | Pena Seca | 01.03.1973 |
MOÇAMBIQUE |
NOMES | POSTO | FREGUESIA | FALECIMENTO |
Manuel Filipe Henriques | 1.º Cabo | Casal das Barrocas | 02.10.1967 |
Henrique Lino Antunes Marques | Furriel | Marteleira | 07.02.1968 |
Avelino augusto Corado | Soldado | Paço | 30.10.1969 |
Jorge Maceira Santos | Soldado | Reguengo Grande | 26.09.1970 |
Israel António Onofre | Alferes | Moita dos Ferreiros | 11.01.1972 |
GUINÉ |
NOMES | POSTO | FREGUESIA | FALECIMENTO |
José António Canôa Nogueira | Soldado | Lourinhã | 23.01.1965 |
José Henriques Mateus | Soldado | Areia Branca | 09.07.1966 |
Albino Cláudio | Soldado | Ribamar | 23.07.1968 |
Alfredo Manuel Martins Félix | Soldado | Toxofal | 26.01.1970 |
Carlos Alberto Ferreira Martins | Soldado | Toledo | 15.04.1971 |
José João Marques Agostinho | 1.º Cabo | Reguengo Grande | 05.05.1973 |
Fonte: Jaime Silva (2014). vd. poste P13118
____________
Nota do editor:
Último poste da série> 25 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22035: Efemérides (346): No Dia Mundial da Árvore, lembrando o castanheiro do Barriguinho a que cheguei fogo involuntariamente (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
1 comentário:
(...) 40. (...) Havia dois ou três médicos, e chegavam para todo o concelho, que a gente da tua aldeia só os chamava no estertor ou no pavor da morte, a eles e aos padres, às parteiras, às carpideiras, aos testamenteiros e aos gatos-pingados. "Mal por mal, antes cadeia que hospital".
Havia duas boticas e chegavam, que o arsenal terapêutico cabia no malote do facultativo municipal. "Com malvas e água fria, fazia-se um boticário numa dia."
Havia os cortejos de oferendas (cada um dava o que podia e calhava: uma abóbora, um chouriço, um galo ou um saco de batatas!), para se construir um hospital novo para a velha misericórdia do séc. XVI, onde os catres para os doentes pobres não chegavam, que os ricos e os remediados, esses, morriam em casa, confortados com a extrema unção, que fazia parte do arsenal da arte de bem morrer… e quanto mais tarde melhor, porque este mundo… era um vale de lágrimas. Mas, mal por mal, dizia o teu pai, o teu avô e, se calhar, o teu bisavô que nunca conheceste, "mais valia andar neste mundo em muletas do que no outro em carretas". (..:)
Fonte: excertos de Luís Graça: Manuscrito(s): Com Bruegel, o Velho, domingo à tarde: 100 pictogramas (2020)
Enviar um comentário