sábado, 24 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22132: Os nossos seres, saberes e lazeres (449): Quando vi nascer a Avenida de Roma (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Não só de ver nascer a Avenida de Roma vive aquele criançola que frequenta a Escola Primária N.º 151, que colabora nos abastecimentos calcorreando a Rua de Entrecampos, que visita todo o Bairro Social de Alvalade; joga-se à bola com os meninos de Telheiras ali bem perto onde houve um campo pelado do Sporting, e não muito longe onde nasceu o primeiro Estádio do Benfica, o Campo Grande presta-se a belos passeios, tem arvoredo majestoso, canteiros floridos, esculturas, dois lagos, além de ser flanqueado por uma arquitetura já decrépita, que os moços vão bisbilhotar nos seus passeios em torno do jardim: do lado esquerdo a Fábrica de Massas Itali, ao lado de prédios que já viveram melhores tempos, muito mais tarde serão terraplanados que deram origem àquele espaço onde posicionaram um edifício da Câmara Municipal de Lisboa e outros de habitação, a puxar para o chique, segue-se a Biblioteca Nacional, era um semi-descampado, depois os restos de casario oitocentista, ainda lá está um prédio do Colégio Moderno, segue-se uma vivenda Arte Nova, passava-se a Estrada de Malpique, as livrarias, depois da Avenida Alferes Malheiro mais moradias e casas apalaçadas, numa delas até se filmou Maria Papoila, o velho edifício da Junta de Freguesia do Campo Grande adossado ao Palácio Pimenta, corríamos até ao interior do Campo Grande e mirava-se com imenso prazer aquele lago que já vinha do passado. Pois muito do passado estava extinto, só restava um retiro, o Quebra-bilhas, já não havia a feira, já era raro passar gado para o Mercado Geral de Gados, que caminhava para a extinção, ninguém referia quermesses, batalhas de flores nem paradas militares, o Jóquei Club era para nós longe e desinteressante.
A idade contada, a proximidade também, só raramente se passeava até ao Campo Pequeno ou se subia a Avenida das Forças Armadas ou se descia a 5 de Outubro. A alteração de fundo é mesmo o alcatroamento da Avenida dos Estados Unidos da América e o fim da Quinta do Visconde de Alvalade. As classes médias vão ter mais espaço para desfrutar, começa a saga.

Um abraço do
Mário Beja Santos


Quando vi nascer a Avenida de Roma (5)

Mário Beja Santos

Enquanto a Avenida de Roma vai nascendo prodigiosamente em direção à linha do comboio, fora das horas passadas na Escola Primária N.º 151, e das muitas brincadeiras na Quinta e Olival do Sr. Visconde de Alvalade, pelas múltiplas deambulações entre os quintais do bairro, jogos de caricas, peão e berlinde, há o conhecimento fascinante do Jardim do Campo Grande. O meu guia e comentador é a minha mãe. O ponto de partida dos passeios é mesmo junto à Estátua dos Heróis da Guerra Peninsular, os talhões estão bem cultivados com belas flores, ela vai comentando as esculturas que vemos na passagem, caso do busto do ator António Pedro. A minha mãe conta que por ali D. Sebastião passou revista às tropas que depois largaram do Tejo a caminho de Alcácer Quibir, passamos o primeiro lago, os cisnes percorrem as águas em majestade, atravessamos a Avenida Alferes Malheiro a caminho do segundo lago, há sempre comentários para os edifícios plantados nas margens do jardim, há casas apalaçadas, os comentários na viagem para lá são habitualmente sobre o que se apresenta do lado esquerdo, ainda não se erigiu a Biblioteca Nacional, passamos ao lado da Estrada de Malpique, maravilho-me com as montras das livrarias, nem me passa pela cabeça que serão santuários da minha adolescência, percorre-se o lago do Campo Grande, é domingo, enorme a vozearia da mocidade nos botes, o restaurante lá em cima, ainda não apareceu o Caleidoscópio, há avenida das palmeiras, a minha mãe aponta ao fundo e diz tratar-se da Alameda das Linhas de Torres, mais casas apalaçadas, sobressai uma em tristonho abandono, a minha mãe fala-me no Palácio Pimenta, passamos agora para outro lado, e com surpresa minha vamos entrar numa vivenda, é um museu, tem ao lado o Asilo D. Pedro V, obra devotada de proteção à infância desvalida, pode ter sido a ideia inicial, mas recordo perfeitamente de ter visto velhinhos, mas também estou confuso, também passei por ali e ouvi o gralhar de crianças uniformizadas de bibe. E continuamos a subir, já conheço, é ali que eu frequento a catequese, a Igreja dos Santos Reis Magos. Lerei um dia uma publicação chamada “Guia de Portugal Artístico, Lisboa, Jardins, Parques e Tapadas”, a sua autora era Maria Rio de Carvalho, e retenho uma frase bombástica: “O Campo Grande, na beleza apoteótica das suas áleas, tantas vezes perfumadas do aroma subtil ou penetrante das mais lindas flores, perdura ainda a miragem evocativa do árido Campo de Alvalade, restando a sua corpulência gigante à surpresa maravilhada das renovações!”.

Lá para cima, há outro mundo em fermentação, a Cidade Universitária e o Hospital de Santa Maria, caminhamos agora em direção a casa, passamos pela Pastelaria Nova Iorque, tenho direito a um lanche, jamais esqueci o nome do cabeleireiro por cima da pastelaria, Instituto de Beleza Cleópatra, do outro lado ainda resta uma vivenda pombalina, será derribada, terá depois outra pastelaria, a Granfina, muito frequentada por namorados, fazendo esquina com a já bem alardeada Rua de Entrecampos. E voltamos pelo lado do Campo Grande. Agora tudo mudou de rosto, adeus padaria, adeus esquadra da polícia encostada à Rua Aboim Ascensão, há muito que desapareceu a linha do elétrico, o quarteirão seguinte parece que foi engolido por um tremor de terra, nada sobreviveu. Muitas mudanças houve nesta cintura protetora do Bairro Social de Alvalade, ele permanece incólume, a despeito de muitos proprietários envidraçarem as varandas, há muitas obras, pena é termos jardins tão maltratados, melhores dias virão.
Agora sim, vamos até à Avenida de Roma, há muito recreio à nossa espera.
Museu Rafael Bordalo Pinheiro, no fim do Campo Grande, uma posição quase frontal com o Museu de Lisboa – Palácio Pimenta
Duas peças de cerâmica inesquecíveis, explico porquê. A raposa e a cegonha esteve durante muitos anos à entrada do Museu, que se fazia então pela porta principal, a peça estava exposta no jardim, depois foi retirada para restauro e está hoje no interior. Não sei como nem porquê, a minha mãe adquiriu uma cópia deste bule da cerâmica caldense, é bonito que se farta, mesmo com algumas falhas gosto de o ver em exposição
Campo Grande, a sempiterna avenida das palmeiras, imagem de tempo recente
O Palácio Pimenta, conheci-o fechado, esteve abandonado até 1962, a Câmara de Lisboa adquiriu-o nessa altura e transformou-o em Museu da Cidade
Igreja dos Santos Reis Magos, Campo Grande, imagem muito antiga, não conheci o lugar deste modo, o muro foi derribado e destruídos todos os prédios à volta, as árvores sim, permanecem.
Igreja dos Santos Reis Magos na atualidade

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22110: Os nossos seres, saberes e lazeres (448): Quando vi nascer a Avenida de Roma (4) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Valdemar Silva disse...

No grande Jardim do Campo Grande também havia um ringue de patinagem, utilizado pagando uma verba à hora para patinar com patins próprios ou alugados.
E também havia aluguer de bicicletas utilizando o circuito dentro do Jardim, mas só podia alugar quem apresentasse BI. O Roberto arranjava sempre problemas quando saía do circuito e vinha de bicicleta até ao Jardim Constantino, em Arroios.

Valdemar Queiroz