terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26458: (In)citações (261): Guiné que foi vossa/nossa, mas que hoje, sendo vossa/vossa, é bem mais nossa do que antes (José Belo, Estocolomo, setembro de 1981)





José Belo, ex-alf mil, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampaté e Empada,
1968/70); cap inf ref, "capitão de Abril"; jurista, autor da série "Da Suécia com Saudade" (de que se publicaram 90 postes); vive na Suécia há mais de 4 décadas e,  mais recentemente, nos EUA; membro da Tabanca Grande desde 2007; régulo da Tabanca da Lapónia; tem 260 referências no nosso blogue; faz hoje anos (*).
 

Um hino à Guiné que nós conhecemos

por José Belo (**)


- Guiné!, ... dos pântanos, das bolanhas, dos mosquitos e das febres.

- Guiné!, ...  da mata onde havia momentos em que todos os ruídos paravam. Não se afastavam ou diminuíam, antes tudo se calava abruptamente, como se os seres vivos tivessem recebido uma ordem. Ouviam-se então coisas impossíveis.... O soprar húmido do vento, o suor dos nossos camuflados, a atividade frenética dos insetos, e mesmo, o batimento do nosso coracão.

- Guiné!, ... dos escravos, das revoltas nativas, das muralhas do Cacheu, que lá estavam quando cheguei, e lá ficaram ao partir.

- Guiné!, ... dos Fulas, dos Mandingas, noites de luar, falando dos avós dos avós, de outros chãos onde nunca houvera fome, dos pastores que no céu escuro guardam os milhões de estrelas.

- Guiné!, ... dos Balantas, símbolo pujante da Africa que luta, que trabalha o seu chão, mas que também se sabe divertir. (Ah, velha aguardente de cana!)

- Guiné!, ... dos Biafadas, dos Nalus, dos Papéis, dos guerreiros Felupes bebendo vinho de palma pelo crânio dos inimigos vencidos.

- Guiné!, ... do matriarcado Bijagó.

- Guiné!, ... de Bubaque... miragem de guerra!

- Guiné!, ... da praia de Varela, copacabana sem casas, sem gente, mas na qual num dia solarengo do princípio dos anos sessenta, Brigitte Bardot (pasme-se!) tomou um bom banho de mar.

- Guiné!, ... das bajudas de mama firmada, lavadeiras de tantas lamas e,  porque não?, também de algumas águas bem cristalinas

- Guiné!, ... de Bissau, vilória perdida. Cidade feita de... avenida única....pouco mais! Da cerveja gelada, das ostras grelhadas com molho picante, dos mininos vendendo mancarra em coloridos alguidares de esmalte. Das tascas, dos restaurantes (?)que serviam gostoso chabéu que o Joaosssssinho Manjaco tão bem preparava!

... Bissau das muralhas do Forte da Amura. Lembrança constante de um...estar pelas armas!

... Bissau da piscina em Clube de Oficiais, mas também Bissau do Hospital Militar.

... Bissau,  os minutos que valiam oiro... roubados à morte que esperava no mato!

- Guiné!, ... da violência, da guerra tribal... dividir para governar!

- Guiné, ... do Comando Africano, jovem herói, usado e abusado, para matar os seus em guerras não suas.

- Guiné!, ...  de Amílcar Cabral, que, com humildade, soube ouvir os gritos de um Povo.

- Guiné!, ...  onde General destemido tentava tapar com mãos nuas os buracos nos diques, pretensiosamente levantados aos maremotos da História. Saberia ele? Saberíamos nós?... quando o víamos chegar aos locais mais perigosos da luta, visitar, interessado, os feridos, que olhávamos o... último dos Comandantes de Africa, num Portugal que jamais seria o mesmo?

- Guiné!, ... onde o Império acabou por ruir!

- Guiné!, .... de um círculo. Dos amigos. Dos inimigos. Dos amigos inimigos. E, mais tarde, dos inimigos amigos!

- Guiné!, ... de muitas e tão duras lições!

- Guiné!, ... do lendário comandante Nino, temido chefe guerrilheiro, que, depois de Presidente, coloca os seus filhos em colégio... do Porto!

- Guiné!, ... terra vermelha de argila e sangue! Da estrada de Buba a Aldeia Formosa, de Aldeia Formosa a Gandembel.

... Terra que abraçámos com violência, quando contra ela nos comprimíamos em chão de emboscadas!

... Terra que comungámos no pó e saliva que nos enchia a boca em rebentamentos de minas!

... Terra regada com tantas lágrimas de saudade, de dramas pessoais, de frustrações e de dor... a juntarem-se às vossas... de povo africano mártir!

- Guiné!, .... de Mampatá, tabanca perdida na selva, onde, tão longe de tudo e de todos, acabámos por... nos encontrar!

- Guiné que foi vossa/nossa, mas que hoje sendo vossa/vossa, é bem mais nossa do que antes.

Um "Maioral", José Belo.

Estocolmo, Setembro de 1981 (***)

(Revisão / fixação de texto: LG)

3 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mr. Joseph Belo, "no news, good news" ? O provérbio continua a ser verdade nos States ?... Abraços, manga deles. Luís

José Teixeira disse...

Belo momento de inspiração. Parabéns, grande, amigo. A Guiné foi para nós isso tudo e continua a ser para quem ousa lá voltar. Terra de sonho, de festa e alegria, onde a amizade que ficou se renova em cada reencontro.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, adoro o teu trocadilho, altamente feliz, criativo (os gajos do marketing não fariam melhor...): É claramente dirigido a um público-alvo, nós, antigos combatentes, e os guineenses que ganharam uma pátria em 1974: "Guiné que foi vossa/nossa, mas que hoje, sendo vossa/vossa, é bem mais nossa do que antes"...

Confesso que já não me lembrava, de todo, deste teu hino à Guiné, um belíssimo poema, que bem merece voltar à montra principal do nosso blogue... Estou-te grato, a ti que o escreveste, e ao Zé Teixeira que mo mandou... Luís