Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74); membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780, tem 33 referências no nosso blogue. Escreveu sobre o nosso blogue: "O teu blog é um monumento. É de certeza absoluta o maior acervo que existe, na Internet e fora dela, sobre a guerra na Guiné. Está lá tudo, ou pelo menos assim parece. Não existe, para a guerra em Angola e em Moçambique nada que se lhe compare. Absolutamente nada. Zero vírgula zero zero zero. Neste aspeto, os antigos combatentes em Angola e Moçambique têm que se contentar com a pobreza franciscana dos grupos no Facebook, dos quais nem sequer sou membro (...) Tu e os camaradas que te acompanham nessa tarefa merecem, no mínimo, um reconhecimento público". (...) Engenheiro, natural do Porto, o Fernando Ribeiro é o administror do blogue "A Matéria do Tempo", que mantém ativo desde janeiro de 2006 até hoje. Um caso notável de longevidade. |
ADEUS, IRMÃO BRANCO!
por Geraldo Bessa Victor (1917-1985)
ADEUS, meu irmão branco, boa viagem!
Chegou a hora de você voltar
para a Europa, a sua terra.
Quando você chegar, há-de falar
dos encantos que encerra
esta África Negra, tão distante,
tão distante, irmão branco...
Pois eu quero, neste instante
da partida, pedir-lhe uma promessa:
- Não se esqueça da alma do negro,
não se esqueça!
Você há-de falar das terras africanas,
da mata e da cubata,
dos montes e das chanas;
mas não se esqueça da alma.
Você há-de falar do sol fogoso,
das caçadas e queimadas,
das noites que viveu em batucadas
no mais feiticeiro gozo;
mas não se esqueça da alma.
Vai falar do café, do algodão, do sisal,
da fruta tropical, enfim, de toda a flora;
mas não se esqueça da alma.
Você há-de falar dos negros no seu mato,
da negra tentadora
de corpo sensual,
mostrando até retrato;
mas não se esqueça da alma.
Adeus, meu irmão branco! Lá na Europa,
quando falar da tropical paisagem,
não se esqueça da alma do negro.
Adeus, meu irmão branco, boa viagem!
Geraldo Bessa Victor (1917-1985), poeta de Angola
"Obra Poética", Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2001
https://loja.incm.pt/en/products/livros-obra-poetica-no-20-1001652
Chegou a hora de você voltar
para a Europa, a sua terra.
Quando você chegar, há-de falar
dos encantos que encerra
esta África Negra, tão distante,
tão distante, irmão branco...
Pois eu quero, neste instante
da partida, pedir-lhe uma promessa:
- Não se esqueça da alma do negro,
não se esqueça!
Você há-de falar das terras africanas,
da mata e da cubata,
dos montes e das chanas;
mas não se esqueça da alma.
Você há-de falar do sol fogoso,
das caçadas e queimadas,
das noites que viveu em batucadas
no mais feiticeiro gozo;
mas não se esqueça da alma.
Vai falar do café, do algodão, do sisal,
da fruta tropical, enfim, de toda a flora;
mas não se esqueça da alma.
Você há-de falar dos negros no seu mato,
da negra tentadora
de corpo sensual,
mostrando até retrato;
mas não se esqueça da alma.
Adeus, meu irmão branco! Lá na Europa,
quando falar da tropical paisagem,
não se esqueça da alma do negro.
Adeus, meu irmão branco, boa viagem!
Geraldo Bessa Victor (1917-1985), poeta de Angola
"Obra Poética", Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2001
https://loja.incm.pt/en/products/livros-obra-poetica-no-20-1001652
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Nota do editor:
Postes anteriores da série:
29 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26323: A Nossa Poemateca (2): "Lágrima de preta" (1961), de António Gedeão / Rómulo de Carvalho (1906-1997) (escolha de Beja Santos, nosso crítico literário)
27 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26318: A Nossa Poemateca (1): "Ladainha dos Póstumos Natais" (1971), de David Mourão Ferreira (1927-1996) (escolha de Valdemar Queiroz, minhoto de criação, alfacinha por adoção)
7 comentários:
Um poema lindo!
Quem como nós conviveu com os africanos, bebeu a sua sabedoria e aprendeu a nunca se esquecer da sua alma.
Obrigado pela partilha.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
Comentário, do Fernado Ribeiro, sobre o poeta...
(...) Eu julgo que Geraldo Bessa Victor não é muito conhecido por razões políticas, pois as suas qualidades poéticas são evidentes.
Quando eu tinha cerca de 14 anos de idade, talvez, falei pessoalmente com Geraldo Bessa Victor. Não me lembro dos assuntos falados, como é natural, mas a situação em Angola foi, com toda a certeza, um deles. Por um lado, a guerra colonial já tinha começado; por outro, fiquei com a sensação muito vincada de que ele era um convicto apoiante da ditadura de Salazar e da sua política colonial. Geraldo Bessa Victor era, portanto, um firme opositor à independência das colónias portuguesas.
Por muito estranho que esta sua posição possa parecer, lembro que Geraldo Bessa Victor não foi o único intelectual originário de uma colónia portuguesa a apoiar o colonialismo. O são-tomense Francisco José Tenreiro, que muitos consideram ser o maior poeta da Negritude em língua portuguesa, também acabou por apoiar o regime colonial e foi mesmo mais longe do que Geraldo Bessa Victor, pois chegou a ser deputado pelo partido único da ditadura.
O que se passa dentro da cabeça de certas pessoas, que as leva a tomar atitudes que parecem contradizer tudo o que dizem e fazem? Mistério. Geraldo Bessa Victor era uma destas pessoas, cheias de contradições. A poesia que criou, por exemplo, é um exemplo de contradição, pois a sua forma é muito conservadora, quase arcaica, enquanto os temas abordados foram quase revolucionários para a época em que foram escritos. O poema "O menino negro não entrou na roda", nomeadamente, foi publicado na década de 40 do século passado. Nesse tempo, nenhum poeta africano se atrevia a abordar a questão do racismo com a frontalidade que Bessa Victor mostrou neste poema.
Portanto, não será exagero nenhum afirmar que Geraldo Bessa Victor foi um pioneiro, pelo menos a nível dos temas que abordou. Foi ele que apontou o caminho que muitos outros poetas africanos de língua portuguesa iriam seguir nas décadas seguintes. Este facto, por si só, é razão mais do que suficiente para que a obra poética de Geraldo Bessa Victor seja mais divulgada e conhecida, independentemente das opções políticas que o poeta tomou. É tempo de pôr de lado os pruridos ideológicos e reconhecer, por fim, o valor da poesia de Geraldo Bessa Victor.
Na coluna da esquerda do site seguinte estão links para vários poemas de Geraldo Bessa Victor:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/geraldo-bessa-victor/geraldo-bessa-victor.php
08 outubro, 2011 02:38
O link anterior foi descontinuado. Ver aqui, no portal Arquivo.pt
https://arquivo.pt/wayback/20200119115150/https://www.portalsaofrancisco.com.br/biografias/geraldo-bessa-victor
Havia muitos angolanos como este poeta, que eram nitidamente contra a independência, podendo simultaneamente não concordar com a "pobre" colonização portuguesa (ou à portuguesa).
Conscientemente, angola não dizia nada a milhões de angolanos, e muitos destes angolanos cultos, sabiam disso e que angola era Luanda em toda a acessão da palavra.
Daí, serem honestos com eles próprios.
Principalmente quando surgiu a revolta tribal e racista dos bacongos a UPA.
Só à porrada como aconteceu durante 28 anos é que se baldearam as tribos e se resolveu (por enquanto) o problema.
O mesmo no Zaire, o mesmo na Nigéria e por aí a diante.
Este angolano Bessa tinha consciência.
O Bessa Victor não é caso "virgem", do ponto de vista político... Veja-se o Burity da Silva, da mesma geração (nasceu em 1913): esteve totalmenmte alinhado com o "antigo regime", fez carreira no Minmistério do Ultramar e tendo sido inclusive deputado à Assembleia Nacional, etc.
https://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_1935-1974/html/pdf/s/silva_antonio_burity_da.pdf
De qualquer modo, aproveita-se o bonito poema um Africano Negro para um Europeu Branco.
Independentemente das cores que defende o nosso poeta Victor.
Não conhecia, mas nota-se aqui , não uma subserviência ao Branco, mas um reconhecimento do que o Branco significava para ele.
Falta saber se terá ou não razão.
Não é de guerra que se trata, nem de politica, mas de sentimentos, a ALMA.
VT.
O Governador Geral de Angola Silva Tavares, durante a guerra, era caboverdeano.
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