segunda-feira, 22 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25424: In Memoriam (503): Agradecimento a René Pélissier (1935-2024) que ao blogue é devido; paraninfo a um devotado historiador (Mário Beja Santos)

Fotografia oferecida por René Pélissier ao blogue, o historiador está na sua biblioteca em Orgeval, França


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Dito cabalmente por quem agora nos deixou, a única vez que este notável historiador colaborou com um blogue, foi connosco, ofereceu-nos uma meditada reflexão sobre a dimensão caleidoscópica sobre a literatura da guerra colonial. E jamais esqueci a observação que ele me fez, em jeito de admiração, quanto à singularidade dos nossos encontros de veteranos, para ele era a prova provada de que as tribulações da guerra jamais se apagam, a elas se volta nesses encontros de partilha, foi nesse convívio que diariamente todos arriscaram a vida, o encontro, segundo ele, tão mais do que a recordação dos que partiram era a lição ao vivo de quanto pesa a solidariedade e a camaradagem.

Um abraço do
Mário



Agradecimento a René Pélissier que ao blogue é devido; paraninfo a um devotado historiador

Mário Beja Santos

Acaso ou destino, no exato momento em que tive a infausta notícia do falecimento daquele que terá sido o historiador francês que mais se dedicou a investigar o império português, fundamentalmente do século XIX aos tempos da descolonização, folheava na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa o Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné, a décadas que vão de 1840 a 1860, o início do trabalho de Pélissier na sua História da Guiné. É chocante o contraste entre a documentação oficial e a realidade que se vivia naquele momento no enclave português daquele ponto da costa ocidental africana, a França a procurar “despejar” a presença portuguesa das margens do Casamansa e os britânicos a querem apossar-se do Rio Grande de Bolola e de Bolama, dava-lhes jeito em termos de feitorias até à Serra Leoa.

Pélissier desvela o tráfico de escravos quase oficial, as sublevações de Bissau que exigiram a implantação de tropas preparadas naquela que vai ser a capital da colónia, mas aonde os Grumetes não dão descanso ao Governador da Praça. Isto para dizer ao leitor que Pélissier nos prestou um grande serviço tratando de forma rigorosa e verosímil a nossa presença, naquele também bastante circunscrita aos rios e rias da faixa litoral, as menções a Gabu só serão conhecidas em meados do século XIX.

Há um texto do notável historiador no nosso blogue, uma importante apreciação da literatura saída do punho dos militares, convido os confrades a relê-la, continua atual.[1]
Pélissier andava sempre a bater à porta das editoras pedindo-lhe livros não só referentes à literatura da guerra colonial como historiografia vária. No princípio do século ele só tinha sido publicado na Editorial Estampa: "História das Campanhas de Angola", "História de Moçambique" e esta "História da Guiné" circunscrita ao período de 1841 a 1936 (como se tivesse desenhado um arco histórico entre o término formal da abolição da escravatura e a pacificação de Canhabaque), conheceu edições posteriores ligadas à Faculdade de Letras do Porto. Era colaborador assíduo de publicações científicas.

Não me cabe fazer a laude do cientista, é trabalho para historiador avisado, que eu não sou. Mas sinto-me agradecido a Pélissier, ele distinguiu o nosso blogue, não se sentia animado a participar nas redes sociais, enviou-me cartas manuscritas e exigiu rever o que dele procurei adaptar. Há um aspeto para mim muito tocante da leitura que ele fazia da literatura da guerra e que se prende com os encontros regulares dos veteranos. Ele não escondia o seu assombro, a sua leitura, disse-me numa carta, passava por aquela camaradagem e solidariedade comuns que se prendia com as condições precárias, a tensão permanente e os medos partilhados. Tratava-se de um património que marca a existência até ao fim dos dias. Esses tais encontros podiam ser assumidos como um hino à vida, depois de tanta devastação e companhia do horror e das tribulações do quotidiano, tivesse a vida tido os êxitos que teve na existência de cada um, nada demais exaltante que estar um dia por ano com quem nos acompanhou naquele que terá sido o acompanhamento mais importante da vida de cada um. Agradeço esta lembrança a este historiador francófono cuja imponente biblioteca veio para Portugal.

René Pélissier (à direita), quando distinguido pela Universidade de Lisboa como Doutor Honoris Causa, 2022[2]

Obras de René Pélissier sobre a Guiné colonial
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Notas do editor:

[1] - Vd. posts de:

26 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11159: Bibliografia de uma guerra (67): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1) (René Pélissier / Mário Beja Santos)
e
28 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11173: Bibliografia de uma guerra (68): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (2) (René Pélissier / Mário Beja Santos)

[2] - Vd. post de 7 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23150: A Universidade de Lisboa, sob proposta da Faculdade de Letras, atribuiu o grau de Doutor Honoris Causa a René Pélissier como reconhecimento de mérito Académico, Científico e Profissional na área da História de Portugal

Vd. post anterior de 19 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25413: In Memoriam (502): Historiador René Pélissier (1935-2024), que dedicou vasta obra literária às antigas possessões portuguesas em África

1 comentário:

Anónimo disse...

Porquê tanto lambe-botas, tanto elogio, tanto assumir de culpas, tanto servilismo em relação ao René Pélissier?
Esse historiador francês que nunca foi à Guiné e que, entre coisas certas, escrevia montanhas de barbaridades a respeito de Portugal e dos portugueses?

Abraço,

Ant6ónbio Graça de Abreu