terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3804: Historiografia da presença portuguesa em África (16): A Exposição Histórica da Ocupação: A Guiné (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos, com data de 23 de Janeiro de 2009.

Luís,
Conforme a mensagem que te deixei no gravador, mergulho na escuridão nos próximos 3/4 meses, chegou o momento de agarrar nos meus cadernos de apontamentos e começar a escrever, dia após dia, o meu próximo livro. Além disso, ando embrulhado com um novo projecto que tem a ver com a educação do consumidor, não paro de ler nem de escrever. Nada obsta, no entanto, que eu possa corresponder a uma solicitação tua, em caso de necessidade. Deixo-te bastante material, garanto-te que aí por Abril retomo as minhas voluntárias obrigações no blogue. O material que agora te envio nasceu num catálogo que comprei na Feira da Ladra, foi uma verdadeira surpresa, li de um só fôlego, complementei com outras leituras na biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa. A ideologia do colonialismo que ainda respirámos na nossa passagem pela Guiné repassa as leituras que fiz, vale a pena meditar o que representou o Acto Colonial e a sua vanglória.

Sempre ao vosso dispor,
Mário


2. A Exposição Histórica da Ocupação: A Guiné
Beja Santos

No mesmo ano em que a Exposição Internacional de Paris põe em confronto as ideologias nazi e soviética na arte, em que Raoul Dufy pinta a Fada Electricidade e Le Corbusier assombra os visitantes com o pavilhão dos Tempos Novos, inaugura-se no Parque Eduardo VII uma exposição dedicada ao esforço português na ocupação dos domínios ultramarinos, uma verdadeira exaltação da epopeia dos Descobrimentos e da presença dos portugueses em todos os continentes.
Não era só o Acto Colonial que dava o mote ao grande evento propagandístico. O regime tinha que acautelar o seu património face aos novos ventos coloniais: no norte de África, há disputas dos franceses e espanhóis, o Duce lança-se na aventura em plena Etiópia, nos bastidores os diplomatas de Hitler reclamam os seus antigos talhões em África. Pelo Decreto-Lei nº 27.269, de 24 de Novembro de 1936, o Governo determina a realização da Exposição Histórica da Ocupação e refere concretamente que para ela convergirá uma eloquente demonstração de carácter iconográfico, militar e bibliográfico, havendo que mostrar os trabalhos e a acção dos portugueses tanto pela assimilação dos indígenas como para defesa do ultramar português. E marcou-se logo a data para a Primavera de 1937.

A Exposição acabou por abrir em 19 de Junho de 1937, foi indiscutivelmente uma grande demonstração do nacionalismo. Salazar não regateou meios e António Ferro entregou a encenação a alguns dos nomes mais brilhantes das artes plásticas do tempo: Francisco Franco, Barata Feyo, Mário Eloy, Sara Afonso, Hein Semke, Almada Negreiros, Emérico Nunes, Domingos Rebelo, Tomaz de Melo (Tom), entre outros.
Tudo obedece a critérios de grandiosidade, pompa, épica, fausto militar, um Portugal sempre vencedor: a magnificência estende-se pelas Salas dos Brasões, de Marrocos, dos Movimentos Literários, do Brasil, do Oriente, da Fé e da Marinharia. Há um parque de material de guerra, sucedem-se as salas militares e há mesmo uma Sala do Drama da Ocupação.
Os intelectuais são convocados para escreverem monografias sobre a Ocupação. Ao tenente-coronel João José de Melo Miguéis cabe a monografia da Guiné, e ele baliza o seu trabalho entre 1834 a 1915, ou seja à última "pacificação" de Teixeira Pinto. Sabendo-se hoje, e constando aliás do monumento que se construiu em pleno centro de Bissau e que lá está bem legendado, que a pacificação só se deu por concluída em 1936, com a rendição do régulo de Canhanbaque, é bem sugestivo que o regime não estivesse interessado em falar de uma pacificação de fresca data...

A Agência Geral das Colónias produziu 2 soberbos catálogos e foi dedicado o número de Dezembro de 1937 do seu boletim inteiramente aos conteúdos desta exposição.
As atenções focaram-se no período henriquino e nas colonizações de Angola e Moçambique. Mas há referências à Guiné portuguesa. Da Biblioteca Municipal do Porto vieram o Tratado breve dos rios da Guiné do Cabo Verde, de André Álvares de Almada, 1594, a planta da Praça de Bissau de 1796, estiveram expostas as espadas de Oliveira Muzanty e Teixeira Pinto, os dois nomes mais importantes na ocupação do século XX, havia mesmo diapositivos sobre uma rua antiga de Bolama e a Bissau antiga. A Guiné não aparece no mapa da expansão da língua, fala-se do crioulo. Há referências à Guiné na política sanitária, concretamente a doença do sono, a lepra e a tuberculose e aparecia um diapositivo sobre o Hospital de Bolama. E para mostrar que a ocupação também se fazia em nome da fé exibia-se um Alcorão apreendido na região do Oio, na campanha de 1902.
A exposição terminava na Sala Acto Colonial, publicada em 1930 e retocado em 1937 e que abriu caminho à Carta Orgânica do Império. Escrevia-se numa das portas da exposição: solidariedade, unidade, nacionalismo, eis a trindade de princípios em que assenta a ideia imperial.
O segundo volume deste catálogo vai ser oferecido ao blogue para ser leiloado e para que o seu produto seja canalizado para as despesas do seu funcionamento.
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Nota de CV:

Vd. último episódio da série de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3740: Historiografia da presença portuguesa (16): Filatelia, da medicina tropical à Missão do Sono (Beja Santos / Luís Graça)

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