quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3811: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (19): Resposta de Nuno Rubim a António Martins de Matos

Guiné > Zona Leste > Nova Lamego > 1 de Fevereiro de 1974 > O então Ten Pilav António Martins de Matos, no seu Fiat G-91, preparando-se para a uma acção Apoio Fogo.


Foto: © António Martins de Matos (2009). Direitos reservados.

"Ataque a Guileje, a partir de 22 de Mai 73. O dispositivo do PAIGC (...). Este dispositivo constituíu a única parte da minha intervenção que sofreu uma confirmação já na Guiné. (...) Eu fui para lá em 8 de Fevereiro. No interim tive oportunidade de conversar, na AD, com o hoje Maj Gen Watna Na Lai, um dos Cmdts da Art do PAIGC no ataque a Guileje ( conjuntamente com o Gen Veríssimo Seabra, que foi CEMFA, assassinado em Out de 2004).

"Ora quando lhe mostrei a minha 'teoria' sobre a implantação das posições da Artilharia do PAIGC durante o ataque ele ficou surpreendido e disse-me que tinha sido tal e qual !!!

"O que eu fiz foi simplesmente, sabendo do alcance máximo dos materiais utilizados, marcar na nossa carta 1:50000 esses alcances com círculos e depois ver onde eles interceptavam as possíveis vias de comunicação (caminhos) que vinham da Guiné-Conacri, por onde o material forçosamente teria de ser deslocado com alguma facilidade. Aí seriam as prováveis bases de fogos ! A nossa carta era de facto extraordinária !

"Bingo … eram mesmo ! …, segundo ele confirmou!" (...) (NR)

Imagem (e legenda) : ©
Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.



"CCav 8350 > Relatório da Acção Bubaque, realizada em 18Mai73 na Região de Guileje > 8. Apoios > As forças envolvidas foram apoiadas com cerca de 55 granadas de Obus 14. No entanto verificou-se que o tiro estava extremamente pouco preciso, facto que está relacionado concerteza com a chegada dos dois obuses, na coluna de antevéspera em substituição do material 11,4 cm que seguiu na mesma coluna para Gadamael. De notar que vieram apenas 2 obuses, sem tabelas de tiro e um deles, sem aparelho de pontaria".

Pesquisa - Nuno Rubim Dez 2007


1. Comentário/resposta de Nuno Rubim, Cor Art Ref, a 15 questões e comentários (em itálico e negrito) de António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res (*), em mensagem enviada em 16 do corrente:

(i) Li a comunicação do Nuno Rubim e não concordo com as suas (dele) conclusões (**).

Está no seu pleno direito, mas não apresenta um único documento que consubstancie as suas objecções, o que realmente se me afigura incompreensível . O único que apresenta é o que se refere ao emprego da USAF no Vitenam, ficando omissos os aparelhos abatidos do USMC e da USN.

(ii) Apenas alguns pontos: Os alcances das armas do PAIGC não estão correctos, podendo ser bastante superiores ao indicado.

A que armas se está a referir ? Para eu poder realmente apresentar os dados que tenho e indicar onde os obtive. Nunca se devem fazer afirmações sem indicar as fontes.


(iii) Não se percebe se a Ordem de Operações que está na sua apresentação foi ou não a indicada para o ataque ao Guileje em Maio 73.

Realmente não foi, mas este aspecto nada tem a ver com o que eu que falei com o Luís Graça. Se o António M. Matos tivesse assistido à minha comunicação no Simpósio teria constatado que eu estava a tecer considerandos sobre o planeameno delineado por Amílcar Cabral, excelente na minha perspectiva, mas que foi redigido antes do ataque real, planeamento esse constante de um documento que recentemente foi datado do início de 1968 pelos especialistas da FMS [Fundação Mário Soares].


(iv) A ser, está escrito "reconhecer a melhor posição junto à fronteira para colocar os morteiros de 120".

Referi-me ao Morteiro de 120 mm soviético, cujo alcance máximo é da ordem dos 5700 metros, sendo que raramente se utilizava esse alcance, devido à dispersão do tiro, como aliás acontece com qualquer boca de fogo de artilharia. De qualquer forma a menor distância de Guileje à fronteira é sensivelmente de 8 km.


(v) A ordem de operações do PAIGC indica 3 pelotões de artilharia, a 3 canhões cada e 30 granadas, o que dá no total 270 granadas, 1000 kilos a serem transportados por 20 carregadores, o que estará correcto, partindo do principio que estes são do tipo "forte e bem constituído".

Mas que ordem de operações ? Acima referi que essa ordem de operações se reportava a 1968. A de 1973 foi-me indicada por vários ex-Cmdts do PAIGC, havendo ainda algumas dúvidas, nomeadamente no que se refere à infantaria. Dizem eles que, nas grandes linhas, houve poucas alterações, a ideia de manobra é que terá sofrido rectificações. Mas no que respeita à artilharia ela está praticamente assente graças aos testemunhos do Maj Gen Watna e dos Comdts Osvaldo Lopes da Silva e Júlio de Carvalho, que não só planearam o tiro como dirigiram a sua observação e regulação. Das conversas havidas dei-me conta do seu alto grau de profissionalismo, o que não me surpreendeu visto terem frequentado um curso extenso na antiga URSS.


(vi) Conforme o plano, o dispositivo era 1 pelotão para Guileje, outro para Ganturé e outro para Gadamael. Ora, com estas contas, o Guileje tinha que se 'haver' com 90 granadas.

Não teço comentários pelo acima exposto.


(vii) No entanto, é referido noutros documentos que o Guileje foi bombardeado com cerca de 1000 granadas.

Desconheço esses documentos. Julinho de Carvalho referiu entre 500 e 600 disparos de 120 mm.


(viii) Poder-se-á especular que as restantes 900 munições seriam de morteiro, só que essa granadas pesariam qualquer coisa como 13 toneladas (já seriam precisos 260 carregadores dos tais fortes e bem constituídos).

Não faço comentários. É pura especulação. Segundo Osvaldo L. Silva as munições vieram em viaturas desde Conakry, via Kandiafara, até à fronteira ( pelo menos… ), pois só tenho um testemunho ainda não recortado, de que chegaram mesmo até perto da zona onde estavam instalados os Morteiros, Paroldade.


(ix) Das duas três, ou os ataques foram do "estrangeiro", onde o PAIGC teve tempo suficiente para ir armazenando as suas munições, ou os bombardeamentos foram significativamente mais pequenos.

Que ataques ? A artilharia do PAIGC estava toda em território da Guiné, exceptuando as peças de 130mm, que eram da Guiné Conakry e estavam instaladas perto de Kandiafara, fora do alcance quer das 11,4cm, quer, com maior força de razão, dos 2 obuses de 14cm “sem tábuas de tiro” e “só com um aparelho de pontaria” !


(x) A meu ver, estes tópicos fazem com que a teoria do Nuno Rubim cai por terra.

Mas que teoria ? A meu ver a minha intervenção visou apenas expor o resultado do estudo que efectuei, durante cerca de dez meses, embora sem ser a tempo inteiro. Com base na documentação que me foi possível obter e nos testemunhos dos protagonistas do PAIGC e portugueses ! Agora já sei muito mais, pois continuei a minha investigação.


(xi) O facto do militar guineense ter dito "que foi mesmo mesmo assim" só vem reforçar a minha teoria de que o cerco do Guileje não existiu e tudo foi composto à posteriori.

Aqui realmente fico, como se costuma dizer, de 'boca aberta' … e mais não digo !


(xii) Atrevo-me até a especular que, se o Guileje estivesse cercado nunca teria sido abandonado, pois teria havido contacto com a nossa tropa e o pessoal teria regressado ao quartel 'em passo de corrida'.

Idem, aspas, aspas …


(xiii) No que refere à pintura dos aviões, de referir que entre 1972 e 1974 os FIAT G-91 não tinham camuflagem, eram cinzentos, e os DO-27 eram, imagine-se, cinzento prateado com pontas vermelhas, as cores com que se pintavam os aviões de instrução.

Certamente aqui a única asserção correcta do António M. Matos. Tenho uma referência de que foram pintados o Fiat G-91 nº 5412 e a DO-27 nº 3470.


(xiv) Foi só em Março de 1974 que apareceu o primeiro e único FIAT G-91 pintado de verde azeitona.

Nada a referir, esperemos que no futuro esta questão seja melhor esclarecida. Há muito material à espera de ser consultado no AHFA e é pena que poucas pessoas se interessem por estes assuntos.


(xv) Em relação ao Strella a ao apoio dado pelos americanos, ele resumiu-se única e exclusivamente na entrega de documentação com as suas características.

Com base nesse documento e após o estudo do mesmo (durante um dia não houve actividade aérea), foi a FAP que definiu e pôs em prática o seu novo "modus operandi". De referir que o Strella apenas teve êxito enquanto foi considerado uma arma desconhecida. Após o conhecimento das suas características e ao contrário do que muitos pensam, continuaram a ser as anti-aéreas as armas que mais incomodavam os aviadores.

Há realmente informações nesse sentido, mas no Arquivo Histórico da Força Aérea vi (e li ) vários documentos enviados dos EUA, um dos quais contendo um diagrama que me foi mais tarde explicado em detalhe pelo meu camarada de Curso, Gen Aleixo Corbal, antigo CEMFA e que, segundo ele, terá sido de grande utilidade para os pilotos.


(xvi) Por fim e em relação ao Vietnam, o Strella apareceu em 1972, e, no documento que te envio, poderás verificar as baixas americanas ao longo dos anos e por tipo.

Como já acima referi faltam as baixas da Marinha e dos Fuzileiros Navais e os dos aparelhos da República do Vietname do Sul. O que deve 'inflacionar' para um valor duplo do indicado !

Resumindo, nestas questões históricas, em que ando mergulhado há mais de vinte anos, aprendi que, não sendo a história uma ciência exacta, nada há que substitua o documento e, embora se possa admitir que ele seja duvidoso ou mesmo falso, há sempre que tentar obter o cruzamento da informação por outras vias. Afinal já o nosso grande cronista Fernão Lopes dizia o mesmo …

Agora o que se tornou perfeitamente claro ao longo desses anos é que não se pode, nem deve, argumentar em termos científicos sem se estar muito bem apoiado, explanando ideias pessoais não alicerçadas em factos que sejam positivamente confirmáveis.

Aqui no nosso país, há infelizmente muita gente que assume essa nefasta tendência, seja a propósito do que quer que seja...


Nuno Rubim


____________

Dois sítios sobre a Força Aérea na Guerra do Vietname:


(i) Sugerido pelo Nuno Rubim:

www.janes.com/defence/air_forces/news/jlad/jlad001013_1_n.shtml


(ii) Recomendado pelo António Martins de Matos:


The Air Force in the Vietnam War > http://www.afa.org/Mitchell/reports/1204vietnam.pdf

________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3778: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (17): O cerco que nunca existiu (António Martins de Matos)

(**) Vd. postes de:

13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3054: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (1): Como dar a volta aos Strella ?

13 de Julho de 2008 >Guiné 63/74 - P3055: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (2): Slides (1 a 4): O sector sul

13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3056: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (3): Slides (de 5 a 9): Comparando os armamentos

13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3058: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (4): Slides (de 10 a 18): Dos Strellas à Op Amílcar Cabral

2 comentários:

Anónimo disse...

Qual terá sido o papel dos cubanos nestes ataques a Guileje?
Abraço Henrique Matos

Anónimo disse...

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