Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (1973/74), Os Gatos Pretos > Pista de aviação de Canjadude, iluminada durante a noite > "Fotografia tirada de uma das tais grandes rochas (grandes para a Guiné), ou seja, de uma das rochas em que estava colocado um posto de sentinela. Consegue-se ver ainda o heliporto, que não sei se já existia quando o José Martins passou por estas bandas[, em 1968/70]" (JC).
Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados
1. Mensagem do nosso amigo, camarada e dedicado colaborador José Martins, ex- Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70:
Boa tarde, aqui vai mais uma de aviadores.
Talvez, o que é mais que provável, o António Martins de Matos tenha conhecido o João Arantes e Oliveira, e queira dar algumas notas biográficas.
Um abraço, José Martins
2. MEMÓRIAS DA GUINÉ
Texto publicado na revista nº 173 - Outubro/Dezembro, 2008,
Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar:
Publicação Trimestral, 43º Ano. Fundador – Carlos Vieira da Rocha (189/1929); Director – Mário M. Silva Falcão (314/1936); Chefe de Redacção - Gonçalo Salema Leal de Matos (371/1949)
Da autoria de
José Manuel Marques Pacíficos dos Reis
Coronel de Cavalaria Reformado
Ex-aluno nº 363/1952 do Colégio Militar
Ex-Comandante da Companhia de Caçadores nº 5 – CTIG (Junho de 1968/ Septembro de 1969)(*)
[Com a devida vénia e autorização do autor. Fixação do texto e subtítulos, da responsabilidade do editor, L.G.]
Ao ter conhecimento do falecimento do meu amigo Tartaruga (137/1952), João Arantes e Oliveira, muito tempo depois do mesmo, vieram-me à lembrança os tempos que passámos no Gabú. A vida dos mortos está na memória dos vivos (Cícero). Para manter bem viva essa memória aqui a faço perdurar através de duas pequenas estórias que definem o carácter do nosso amigo Tartaruga.
(i) Um saco de sementes
Ao tempo estava a comandar a Companhia de Caçadores nº 5, aquartelada em Canjadude. A companhia era formada por soldados nativos todos desarranchados e por um pequeno número de militares da Metrópole. Os nativos comiam na tabanca. Os metropolitanos comiam do rancho com as limitações resultantes da logística (bacalhau e ovos liofilizados, falta de frescos, etc.).
Numa das muitas colunas ao Gabú (Nova Lamego) encontrei o Arantes e foi uma festa.
Entre cervejas confidenciei-lhe as minhas dificuldades logísticas. Não me pareceu que ele, na altura “pilotaço” na Base do Gabú, estivesse a ligar aos meus problemas. Os dias foram passando, operações e mais operações (tempo do General Spínola), quando no pequeno intervalo das mesmas aterra uma DO na nossa pista e sai lá de dentro o Tartaruga com um grande saco na mão e me diz:
- Olha, aqui tens a resolução dos teus problemas de frescos.
Entrega-me o saco.
Curioso, espreitei e estupefacto deparo com dezenas de saquetas com as mais variadas sementes: tomates, alfaces, couves, feijão, etc. Posteriormente confidenciou-me, com toda a simplicidade, que tinha ido à Metrópole e não se tinha esquecido da nossa conversa no Gabú. Claro que aquelas sementes foram ouro para todos nós.
(ii) O sistema americano no Vietname: sacos de serapilheira e... palha
O cenário é o mesmo. A reunião no Gabú é com os mesmos intervenientes. As minhas queixas eram diferentes.
Nesta altura um piloto mais “inteligente” ou mais “medroso” que os outros, que já vinham aterrando na nossa pista centenas de vezes, resolveu interditá-la até serem aumentados mais uns metros. Só quem esteve no ultramar é que pode aquilatar o problema de não ter uma pista operacional.
Enquanto não compactávamos os metros que faltavam com baga-baga, não recebíamos correio nem frescos (peixe, fruta, etc.). O Arantes compreendeu imediatamente o problema.
- Não há problema, pá. - E passou a explicar o sistema utilizado pela aviação americana no Vietname. - É tudo uma questão de sacos de serapilheira e palha! Deixa que eu levo-te os frescos.
E assim foi. No dia marcado vimos aparecer um DO a baixa altitude a rasar a pista. Ao passar por ela começaram a cair sacos de serapilheira do avião. Alguma coisa, no entanto, não estava correcta nos manuais americanos. Digo isto porque andámos a apanhar carapaus, sardinhas e pescada, conjuntamente com maçãs, em todas as árvores das redondezas.
Pequenas estórias que ilustram o camarada que infelizmente perdemos. Só espero que estas despretensiosas letras façam surgir o desejo de mais alguém cumprir a palavra de Cícero.
_______________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes, da I Série, respeitantes a Canjadude e à CCAÇ 5:
23 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXXIV: O nosso fotógrafo em Canjadude (CCAÇ 5, 1973/74)
5 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCIX: O ataque de foguetões a Canjadude, em Abril de 1973 (João Carvalho)
28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIII: Cancioneiro de Canjadude (CCAÇ 5, Gatos Pretos)
4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIV: Os últimos dias de Canjadude (fotos de João Carvalho)
4 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCV: A última noite em Canjadude (CCAÇ 5) (João Carvalho)
5 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCVI: A dolce vita de Canjadude, até ao dia 27 de Abril de 1973 (João Carvalho)
6 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCIX: Salazar Saliú Queta, degolado pelos homens do PAIGC em Canjadude (José Martins)
7 deAbril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXX: CCAÇ 5 - Os Gatos Pretos de Canjadude (José Martins)
(...) Com o fim da Operação Mabecos Bravios, realizada entre 2 e 7 de Fevereiro de 1969 e que procedeu à retirada da guarnição do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento do Cheche, junto ao Rio Corubal, a guarnição deste destacamento reuniu-se à sua unidade em Canjadude.
Quando em 20 de Abril de 1969, o grupo de combate destacado em Cabuca foi rendido por outra unidade, e a CART 2338 foi transferida para Nova Lamego, o aquartelamento de Canjadude passou a dispor da totalidade dos elementos da CCA5 5, passando a ser a unidade de fronteira com a zona do Boé, a partir de Nova Lamego.
(...) A Companhia de Caçadores nº 5 teve como comandantes:
- o Capitão Miliciano de Infantaria Barros e Silva (Abril de 1967 -Junho de 1968);
- o Capitão de Cavalaria Pacífico dos Reis (Junho de 1968- Setembro de 1969);
- o Capitão de Infantaria Ferreira de Oliveira (Setembro de 1969-Março de 1970);
- o Capitão de Infantaria Gaspar Guerra (Março de 1970- Maio de 1970);
- o Capitão de Infantaria Silveira Costeira (Maio de 1970-Abril de 1972);
- o Capitão de Cavalaria Figueiredo de Barros (Abrild e 1972-Maio de 1973);
- e o Capitão Miliciano de Infantaria Silva de Mendonça (Maio de 1973-Agosto de 1974).
Como comandantes interinos houve vários Alferes Milicianos que assumiam o comando na ausência e/ou impedimento dos titulares.
(...) De composição maioritariamente da etnia Fula instalada em chão Mandinga, registaram-se alguns atritos com a população civil, nomeadamente após o ataque ao aquartelamento de Canjadude efectuado em 3 de Agosto de 1970 e, quando na época seca, os civis fechavam os poços para que os militares não pudessem utilizar a água, mas que foram rapidamente sanados.
O número de militares que passaram por esta unidade deve rondar o milhar, correspondendo três quartos destes a efectivos do recrutamento local.
Quanto a baixas teve, no período da sua existência, 16 mortos em combate ou por doença, incluindo 5 metropolitanos, sofrendo ainda, no período de Janeiro de 1970 a Julho de 1973, pelos registos existentes, 23 feridos dos quais alguns tiverem de ser evacuados para o Hospital Militar de Bissau. (...)
12 de Maio de e 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVI: Procissão em Canjadude ou devoção mariana em tempo de guerra (José Martins)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Não há buraco nenhum da Guiné que a gente possa dizer: Eh!, pá, isto é que foram umas férias...
Pelas contas do Martins, a CCAÇ 5 teve 16 mortos e 23 feridos, no seu período de existência... E era uma unidade de quadrícula...
Recorde-se que, depois da retirada de Madina do Boé e do Cheche, Canjadude era o nosso último bastião, na região sudeste...
Por outro lado conto 7 capitães em 7 anos, de 1967 a 1974, sendo dois milicianos e os restantes cinco do QP... Um média de um ano por comandante...
Confirmo, por esta história contada aqui pelo Cor Cav Ref Pacífico dos Reis (que eu ainda não tive o prazer de conhecer pessoalmente, nem pelo telefone, nem muito menos por mail), que a malta do colégio militar foi educada nos valores da amizade, camaradagem e solidariedade... São duas histórias bonitas, que dignificam o Colégio Militar e a FAP...
O Tartaruga era Pilav, ou seja, era oficial do quadro, saído da Academia... ?
Obrigado, Gato Preto, Zé Martins, por te teres lembrado da malta do blogue e da tua 'terra', Canjadude... Falas sempre dela com ternura, com saudade... Mandas as nossas melhores saudações ao teu antigo capitão...
LG
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