1. Mensagem de Juvenal Amado(*), ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, em boa hora reaparecido com um belíssimo texto dedicado às mulheres da nossa vida, às mulheres de todos e de cada um de nós, com data de 10 de Março de 2009:
Assunto: As nossas mulheres
Caro Carlos, Luis, Briote e restante Tabanca Grande
Este pequeno texto, era para aí ter chegado antes do dia Internacional da Mulher.
Como não me foi possível vai agora. Nada acrescenta nem trás de novo ao que já se escreveu, mas é a minha forma de prestar homenagem a quem esteve sempre presente na minha vida.
Um abraço para todos os camaradas
Juvenal Amado
AS NOSSAS MULHERES
Conheci-a toda a vida.
Os seus olhos alternam entre a realidade e o olhar vazio do reino dos simples. Os cabelos ainda fortes, ainda indomáveis, completamente brancos, servem de moldura ao rosto cheio de rugas.
Aquela mulher viu os filhos irem para a guerra, coseu os botões e reforçou baínhas dos camuflados, num acto prenhe de fatalismo tão português.
Sofreu com a falta de notícias, passou noites acordada, em permanente sobressalto.
Cumpriu promessas em longas caminhadas, por fim arrastou os joelhos quase em sangue pelo o adro de uma qualquer igreja, em busca da dádiva da vida, que ela própria gerou.
Nas suas cartas tentava a todo custo não deixar transparecer o que lhe ia na alma.
Também enviou vinte escudos dentro de aerograma. Serviu para comprar tabaco, hábito que ela perseguiu nos anos seguintes, censurando os dedos amarelos.
Na cabeça, a última recomendação do pai - "não te esqueças de escrever à tua mãe".
A ânsia com que esperávamos qualquer correio.
Depois as outras. As amigas, as madrinhas de guerra, moradoras em qualquer sítio de Portugal.
Quase certos de nunca nos encontraríamos pessoalmente, trocámos as mais secretas inconfidências.
Em troca recebíamos fotos de jovens anónimas, que nos faziam sonhar e disparar o desejo, nas horas de maior solidão.
Fizemos planos de encontros, para quando regressássemos, que nunca se vieram a concretizar.
Também foram nossas mulheres, as que lutaram pelo fim da guerra. As que arriscaram a sua liberdade a coberto da noite, escreveram nas paredes e muros palavras de ordem, contra os nossos embarques e exigiram, o nosso regresso imediato.
Festejei com algumas delas o culminar da sua luta.
Hoje olho aqueles cabelos brancos, lembro a sua beleza e tento recordar a sua vitalidade passada.
Quantas daquelas rugas são de minha responsabilidade?
As nossas mulheres deram-nos sempre mais do que receberam em troca.
Esqueceram as suas dores e serviram de bálsamo às nossas.
Voltaram a embalar-nos nos seus braços, acordaram-nos suavemente, quando não nos conseguíamos libertar sozinhos dos nossos pesadelos.
Sofreram com as despedidas, festejaram os regressos e muitas ainda choram as ausências.
Os olhos com que elas que nos viram partir, não foram os mesmos que nos viram chegar.
Neste DIA INTERNACIONAL DA MULHER envio uma rosa branca a todas as que foram e são as nossas mulheres.
Juvenal Amado
08.03.2009
A MULHER
Ó mulher! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando o teu peito,
A tua alma, se esforce amargurada!
Quantas morreram saudosas duma imagem,
Adorada, que amam, que amaram doidamente!
Quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente.
Quanta paixão e amor às vezes têm,
Sem nunca o confessar a ninguém~,
Doces almas de amor e sofrimento!
Paixão que faria a felicidade
Dum rei: Amor de sonho e de saudade
Que se esvai e foge num lamento.
Florbela Espanca
__________
Notas de CV:
(*) Vd. último poste de Juvenal Amado de 4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3564: História de Vida (20): Meninos Soldados (Juvenal Amado)
e
último poste da série Estórias de Juvenal Amado de 2 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3162: Estórias do Juvenal Amado (15): Adeus, até ao meu regresso
Vd. último poste da série As nossas mulheres de 6 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3848: As nossas mulheres (7): Eu, a NI e o Miguel em Biambe, para um almoço de batatas fritas (Henrique Cerqueira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
JUVENAL
A TUA HOMENAGEM AQUELAS MULHERES É TÃO MAIS SUBLIME COM O SONETO DA FLORBELA ESPANCA...
BEM HAJAS PELAS MULHERES QUE VIVERAM O TEMPO E QUE NO TEMPO TÃO BEM AS RETRACTAS.
ABRAÇOS
Santos Oliveira
Não Juvenal!
Não devias? Ou sim!?... Seria este o momento que esperava!?
Cabelo branquinho, agarrado à nuca!
Um olhar doce e face tisnada pela calmia da Planíce, mas sempre forte na sua fraqueza interior!
Revejo aquela que me soube readquirir a dignidade chorando lágrimas de dúvidas do caminho a percorrer, esquecendo aqueles dois anos de farrapo.
Malandro!
Deverias saber que isto iria mecher com muita coisa, trazendo a minha alma morta, pela saudosa imagem, da minha querida Poetisa da Planície!
Florbela!
Horas mortas e o brasido da planécie, serás Mulher sempre presente.
Há homens que choram! É vergonha?
Não sei o caminho dos meus escritos e poemas; das minhas mais belas fotos da Guiné.
Só sei que ela partiu com vinte e quatro anos "rosa em botão".
Já passei várias vezes às portas da sua ùltima morada. Faltou-me a coragem para entrar.
Hoje trouxeste-me com o teu belo escrito, todas as mulheres que amei e todas as diferenças de amar.
Agora estou a compreender melhor a tua mensagem.
Obrigado!
Estou em paz... orgolhosamente comtemplativo com todas as mulheres que fizeram de mim o homem que sou hoje!
Se acreditares! Que Deus te abençoe.
Um forte e longo abraço como o Cumbijã,
Mário Fitas
Caro Juvenal
Fizeste-me sentir tamb´em respons´avel pelas rugas da minha mae, felizmente ainda viva. Soube pelo meu pai que ela, praticamente todos os dias, chorava pela minha ausencia, pela incerteza do regresso e pela angustia de saber que muitos se findavam naquelas terras.
Um abraço e parab´ens pelo teu texto.
Um abraço
Luis Dias
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