terça-feira, 3 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): O meu ponto de vista (Henrique Cerqueira)

Escreveu Mário Beja Santos, em 31 de Março deste ano, em ( P2706) Notas de leitura (5) sobre " Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros", do Cor M. Amaro Bernardo:
(...) A reunião de Spínola com Senghor, em 1972, em que o governador da Guiné propõe uma autonomia a dez anos, tem que ser encarada como uma proposta que seria liminarmente rejeitada, isto quando o PAIGC já tinha conseguido acantonar as forças armadas portuguesas nos quartéis, reduzindo-lhes drasticamente o espaço de manobra. Acresce que o autor refere os acontecimentos de 1973 e 1974, quando a Força Aérea perdeu capacidade de actuação com a chegada dos mísseis terra-ar e o PAIGC passou a ter a total iniciativa entre o Norte e o Leste, em todo o espaço fronteiriço com a Guiné-Conakry. Ou seja, o PAIGC ganhara uma capacidade ofensiva indiscutível, as nossas forças podiam ir esporadicamente às suas bases e acampamentos, havia mortes e feridos, mas logo tudo ficava na mesma. A partir de 1973, a solução militar estava irremediavelmente perdida. (...)


Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra, respondeu o António Graça de Abreu

A partir desta nota têm surgido, quase todos os dias, os mais variados comentários, uns manifestando acordo, outros negando a opinião do Beja Santos.
Uma boa polémica, saudável e correcta, em que a unanimidade parece surgir quando o António Graça de Abreu diz que estávamos realmente fartos da guerra.

vb


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A Guerra Estava Militarmente Perdida?




Mensagem de 28 de Maio, do Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72

3.ª Companhia, Biambe

4.º Gr Comb, CCAÇ 13, Bissorã



Olá Amigos e Camaradas da Guiné

Hoje resolvi escrever alguma coisa na tentativa de opinar sobre o assunto posto muito inteligentemente à disposição para que possamos dizer alguma coisa sobre o dito.

Eu fui Furriel Miliciano em Bissorã entre 1972 e 1974 e, por mero acaso, até tive o privilégio de ser o primeiro graduado a ter o primeiro contacto com as tropas do PAIGC no ponto de encontro entre Bissorã e Olossato, durante uma picagem para colunas de reabastecimento para o Olossato. Isto claro está no após 25 de Abril e que, salvo erro, foi em finais de Maio ou por aí.
Bom no entanto o assunto é no que se refere "À Guerra Perdida".

No meu entender a guerra ser perdida militarmente, seria muitíssimo improvável. Até porque para os Senhores da Guerra (Donos de grandes empresas que alimentavam toda a logística e outros) não iriam permitir que tal acontecesse, pois que tinham toda a segurança, tanto militar como política, assegurada por baixíssimo preço, pois que até nem os mortos enviavam para as suas terras de origem, o que aliás se veio a verificar ainda hoje, tal como tem sido provado por inúmeros documentos tanto escritos como visuais (Tvs, rádios, Simpósios e muitos outros).

Há, no entanto, um facto muito importante a referir nesta minha singela opinião e que os "Famigerados Senhores da Guerra" desprezaram: é que a grande maioria dos militares estava na guerra obrigado e como tal por mais Nacionalismo que existisse em nós, o desinteresse pela guerra era mais que latente e cada vês era maior a resistência a essa Guerra pela parte dos Portugueses na ex-Metrópole e não só: é que eu tive a oportunidade de, quando tive o primeiro encontro com os guerrilheiros do PAIGC, falar com um dos comandantes desse dia, que por sinal falava o Português corrente (tinha tirado o curso de Regente Agriculta em Santarém), e o mesmo me disse na altura que todos estavam fartos de guerra e a mesma só continuaria se Portugal assim o quisesse.

Lamento não me lembrar nem de nomes nem de datas precisas. Mas com certeza se alguém da CCAÇ13 ou da CCS do Bat 4610/72 ler estas linhas poderá confirmar ou até rectificar alguma imprecisão minha, pois que eu, desse dia, só tenho documentado com algumas fotos que pouco provam em termos de datas e acontecimento.

Quero ainda e uma vez mais deixar aqui escrito o seguinte: nós os Furriéis, Cabos e Soldados assim como a maioria dos Alferes, não tínhamos de certeza absoluta nenhuma noção se a guerra estava a ser perdida ou não, pois que a informação que nos era transmitida era sempre tão precária que a única motivação que todos tínhamos era o contar dos dias para nos virmos embora para casa e venha o mais pintado dizer o contrário que eu "acredito".

Para concluir, continuo ainda hoje a achar que nem perdíamos a Guerra nem a ganharíamos, só que felizmente os ditos senhores "DONOS DA GUERRA" desprezaram a capacidade dos OPRIMIDOS e aí sim começaram a perder a Guerra o que veio a acontecer com o dia mais maravilhoso da minha vida que foi o 25 de Abril.

Acho que, de certo modo, descrevi um pouco o meu parecer em relação ao tema, claro que será muito discutível a minha opinião, mas reparem É TÃO BOM ESTAR AQUI A DIZER O QUE SE PENSA. É ou não???
E o pior que me pode acontecer é o ser "criticado", o que me dará ainda maior prazer visto que as "Porradas e Ameaças"já nada valem não é "Senhores da Guerra?"

Um grande abraço a todos os tertulianos e em especial para aqueles que levantaram este tema para a discussão.

Henrique Cerqueira

Nota: A minha referência aos "Senhores da Guerra"não tem absolutamente nada de crítico em relação aos militares profissionais ou de carreira que na época faziam parte das nossas Forças Armadas. Vejo-me obrigado a fazer esta nota porque, embora eu nunca tenha tido o espírito militar, sempre respeitei todos os que fizeram dessa vida a sua vida profissional desde que os mesmos me respeitassem como Homem e como militar de obrigação, o que na generalidade veio a acontecer.
Fica assim uma nota de Respeito para todos os ex e actuais Militares Profissionais.

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Notas:

1. adaptação dos textos da responsabilidade de vb.

2. artigos relacionados em

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.


28 de Maio > Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)


27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)


25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)


22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu


15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)


13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)


30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)


17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)


3. Apresentação do Henrique Cerqueira em 18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2549: Blogoterapia (42): 34 anos depois (Henrique Cerqueira)

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