quinta-feira, 5 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?


Capa do livro de Carmo Vicente - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. 110 pp. Prefácio de Manuel Geraldo.


Foto: ©
Jorge Santos (2007). Direitos reservados.


1. Continuação da publicação de um excerto do livro Gadamael (Edições Ré: Cacém, 1982), de Carmo Vicente (*), ex-1º sargento paraquedista da CCP 122/BCP 12, destacado para Gadamael em Junho de 1973 (**):


1. Extracto de VICENTE, Carmo - Gadamael. Cacém: Edições Ró. 1982. pp. 97-105. 

Excerto enviado pelo historiador guineense Leopoldo Amado. De acordo com a nossa orientação editorial, optámos por não publicar as passagens em que o autor faz críticas ao comportamento humano, disciplinar ou operacional de camaradas seus... As passagens omitidas (incluindo aquelas em que o autor indentifica pelo apelido camaradas que tê, direito à reserva de privacidade e ao anonimato] vêm assinaladas com parênteses rectos: [...].

 Com devida vénia ao autor e à editora. Revisão e fixação do texto, comentários e subtítulos: LG.




(Continuação)


(ix) Mais de duas dezenas de mortos já tinham ido para as salgadeiras


O dia da chegada [a Gadamael], gastámo-lo abrindo novas valas para nos enterrarmos e aprofundando as já existentes a fim de melhorar aqueles abrigos rudimentares. Foi um trabalho difícil. Tivemos que cavar de rastos, com granadas e foguetões rebentando por todo o lado, por vezes às seis e sete de cada vez, o que não deixava dívidas sobre o poder de fogo que o PAIGC tinha no local e estava disposto a empregar contra aquele objectivo.

Encolhidos dentro das valas, procurávamos não deixar nenhuma parcela do corpo à vista, pois todo o terreno no exterior era zona de morte. Viam-se por todo o lado, animais mortos, que pertenciam à população e que deambulavam por ali, indiferentes à metralha. Mas não eram só os animais que morriam. Dentro das valas, caíam granadas que matavam homens.

Mais de duas dezenas de mortos tinham já ocupado outros tantos caixões, os mesmos que nessa manhã tinham viajado connosco de Bissau. Havia também vários feridos graves que foram evacuados para Cacine em botes de borracha ou sintex (barcos de fibra semelhantes a banheiras completamente inadequados a qualquer tipo de evacuação e só usados por ser um material extremamente barato, concebidos por alguém incapaz de pensar no bem-estar do seu semelhante), onde os esperava o helicóptero que os transportaria ao hospital Militar de Bissau.

O trajecto Gadamael-Cacine em tal transporte devia de ser terrível para os feridos. Eram mais de vinte quilómetros aos saltos pela crista das ondas. Nunca cheguei a saber se algum dos feridos graves morreu devido à maneira como fora evacuado. A nossa missão terminava no momento em que o metíamos no bote. A partir daí perdíamos-lhe completamente o rasto.

Os bombardeamentos continuavam. Os guerrilheiros faziam alguns intervales de dez, quinze minutos, começando e acabando quando menos se esperava, mantendo-nos numa tensão permanente. Era uma táctica desgastante utilizada em qualquer luta de guerrilha, que os combatentes do PAIGC muito bem conheciam, tentando tirar dela o maior partido possível.

O local que calhou ao meu pelotão era o pior de todo o quartel. Junto de nós caiam granadas de perfuração e superfície, à direita e à esquerda da vala, com as primeiras a enterrarem-se profundamente no solo para depois rebentarem, levantando aluviões de terra que nos ia cair em cima, deixando-nos parcialmente soterrados.

É difícil explicar, a quem nunca viveu a guerra, o que significa estar dentro de uma vala e por vezes fora dela, ouvindo cair granadas de morteiro de cento e vinte milímetros, sem poder evitar de pensar que a próxima nos vai cair em cima da cabeça. Só quem viveu esses momentos pode avaliar o medo que se sente a aproximação de um desses projécteis, caindo de uma altura superior a dois mil e quinhentos metros: é uma granada de dezoito quilos que ao cair produz um som agudo e prolongado que se vai acentuando à medida que se aproxima do solo. Só o autodomínio e a experiência evitam que nos levantemos e fujamos para outro local, o que poderia ser fatal. Foi assim que pereceram a maior parte dos soldados, mortos em Gadamael.

Pior do que aguentar dentro das valas, eram porém, as saídas que a companhia tinha de efectuar para patrulhar a zona. A qualquer passo, podíamos rebentar uma mina ou tropeçar numa armadilha e, o que era bem pior, apanhar com um grande grupo de guerrilheiros do PAIGC pela frente, superior a nós em número e armamento.



(x) Sem helicópteros para evacuações, e o apoio dos Fiat só acima dos seis mil pés



Por essa altura, não se fazia a evacuação de feridos através de héli. Era perigoso arriscar uma máquina que custava alguns milhares de contos, sabendo nós que a juntar a isso havia o medo do piloto que não estava disposto a entrar naquele vespeiro para livrar da morte um indivíduo qualquer. Era uma troca de que não estava disposto a fazer, mesmo só no campo das hipóteses.

Assim qualquer de nós que fosse ferido gravemente, apenas lhe restava morrer, já que o único transporte que podia contar para a sua evacuação, eram as costas dos seus companheiros até ao quartel e daí o bote de borracha dos fuzileiros até Cacine e pelo qual tinha de esperar, o que chegava a levar várias horas. Foi desta maneira que o Martins, quase morreu, apesar de ter sido ferido ligeiramente numa perna. Não era um ferimento grave, mas levou um tempo infinito para chegar ao hospital.

O apoio aéreo era quase nulo e de nenhum efeito. Os pilotos de jactos, na sua grande maioria de patente elevada, não arriscavam a descida para baixo dos seis mil pés (dois mil metros, aproximadamente). Altura que tornava o bombardeamento ineficaz, sem outro efeito para além do barulho com o qual os guerrilheiros do PAIGC não se impressionavam mesmo nada, continuando impávidos e serenos o ataque ao quartel enquanto os seis G-91 se afadigavam a largar bombas ou a metralhar lá do alto. [...] 


(xi) Uma tremenda emboscada de 45 minutos, com 18 feridos graves


Chegávamos dos patrulhamentos completamente arrasados de cansaço e com os nervos a estoirar, para de seguida metermo-nos nas valas. Era um verdadeiro inferno. Os bombardeamentos eram cada vez mais intensos e já não podíamos sair da vala para fazer as nossas necessidades fisiológicas sem correr o risco de levar com algum estilhaço ou, na melhor das hipóteses, ter de fugir para a vala com as calças na mão. A maioria adoptava então o sistema menos perigoso: fazia tudo dentro da vala e mandava depois pela borda fora, até ter possibilidade de fazer desaparecer, definitivamente, os detritos.


Um RPG-2, com o respectivo porta-granadas. Em russo: Ruchnoi Protivotankovii Granatomet (RPG-2). Uma arma temível que data do princípio dos anos 50. Deixou, entretanto, de ser usada pelo exército russo. Mas foi muito popular entre os exércitos de guerrilha em todo o mundo. Era a bazuca dos pobres... É uma arma muito leve (tubo= 2,86kg.; tubo + granada= 4,48 kg.) e de fácil manobra, ideal tanto para a guerrilha urbana como para o combate no mato. Alcance efectivo= 100 metros (LG).

Fonte: ©
The Sword of Motherland Foundation (2005), com a devida vénia.


Foi num desses patrulhamentos, quando já estávamos a menos de duzentos metros do arame farpado do quartel, que sofremos uma grande emboscada, em que a companhia ficou toda dentro da zona de morte. O contacto deu-se paralelo à coluna e a menos de vinte metros. Foi tremendo. Os guerrilheiros com armamento mais sofisticado e em maior quantidade. Os RPG-7, os RPG-2, as Degtyarev com tambores de cento e vinte munições (que nunca encravavam), os morteiros de sessenta milímetros, batiam-nos com uma precisão incrível.

No que diz respeito a esta última arma, era verdadeiramente fenomenal. Só um perito muito bem treinado poderia fazer fogo certeiro a tão curta distância, sem correr o risco de a granada cair na sua posição. Foi no entanto, o RPG-2 (***) que mais feridos nos provocaram.

Durou cerca de quarenta e cinco minutos este dilúvio de fogo e metralha. De repente a batalha acabou deixando de se ouvir qualquer ruído. Como se nunca por ali tivessem passado, os guerrilheiros retiraram em boa ordem, cumprindo à risca os princípios da guerrilha de Mao: atacar, ter o melhor êxito possível com o menor número de baixas e retirar sem deixar rasto.

Para nós, o rescaldo da emboscada foi terrivelmente desanimador: dezoito feridos graves. E só não tivemos nenhum morto por um desses simples acasos da sorte que, por vezes, acontecem em combate.

O PAIGC deve ter exultado com esta vitória, conseguida em pleno dia, quase dentro de uma base inimiga com um efectivo de mais de quatrocentos homens, entre os quais duas companhias de tipo especiais. Isto tudo sem sofrerem qualquer baixa. Esta última certeza advém do facto de, dois dias depois destes acontecimentos, termos passado pelo local e não virmos o mais leve indício de sangue, coisa que deixa sempre marcas no solo ou nas folhas inferiores dos arbustos, por mais que se deseje ocultar a sua existência.


(xii) Enfiados nas valas, com o moral em baixo


Os feridos resultantes da emboscada foram evacuados para Cacine, nos tais botes de borracha e daí para o Hospital Militar de Bissau. Nós ficámos outra vez dentro das valas com o moral ainda mais em baixo. A emboscada tinha actuado também nesse sentido, nenhum de nós acreditou até aquela dia que os guerrilheiros se atrevessem a atacar uma coluna nossa, em pleno dia, e a tão pequena distância do quartel onde nos encontrávamos.

No dia seguinte, sentado na vala como de costume, preparava-me para comer mais uma vez as habituais sardinhas em lata, quando ouvi, vindo da mata, o forte crepitar de varias espingardas metralhadoras e o rebentar de granadas. Achei estranho, porque não tinha conhecimento de haver qualquer força a patrulhar a zona. Estava a comentar o facto com um dos meus camaradas que se encontrava perto de mim, quando chegou o comandante de companhia que me disse para preparar rapidamente o meu grupo e ir socorrer um pelotão do exército que tinha sido atacado e sofridos vários mortos.

[...] Saímos rapidamente das valas e correndo dirigimo-nos para o local (guiados por um dos fugitivos), que ficava a pouco mais de um quilómetro do quartel.


(xiii) Quarto mortos do exército, três soldados e um alferes, terrivelmente desfigurados


O espectáculo que se nos deparou era deveras terrificante. No solo três soldados e um alferes jaziam mortos e irreconhecíveis com os rostos parcialmente desfeitos por rajadas disparadas à queima-roupa. Havia ossos e tecidos sangrentos espalhados pelo chão. Um dos soldados enrolara-se nos seus próprios intestinos estando os restantes parcialmente queimados pelo fogo que, acidentalmente, por acção das balas incendiárias, ou deliberadamente fora ateado ao capim.

Eu conhecia o alferes. Chegara a Gadamael três ou quatro dias antes, ido directamente da Metrópole e eu encontrara-o por acaso e estivera a falar com ele. Com os olhos dilatados pelo medo havia-me dito que abominava a guerra, que estava aterrorizado e iria fugir para longe da guerra o mais depressa possível, fosse para onde fosse, pois não podia aguentar por mais tempo aquele inferno. Agora, ao vê-lo morto pensei: «Afinal conseguiste o que querias, alferes.... Vais sair daqui... da única maneira que o recusarias fazer, se te tivesse sido dado escolher, enquanto vivo».

Carregámos com os mortos às costas e regressámos ao quartel. Ao chegarmos começou novo bombardeamento e toda a gente se atirou para o chão tentando encontrar abrigo. O soldado C [...]  que carregava o cadáver do alferes, seguindo o exemplo dos outros ou obedecendo ao seu instinto de conservação, também se atirou para o chão ficando com o morto em cima, que, por ter caído a capa impermeável onde o tínhamos embrulhado, o cobriu de sangue. Levantou-se como se tivesse sido picado por uma cobra e ficou a olhar-me de olhos esgazeados. O seu aspecto era terrível. O sangue do morto cobria-o da cabeça aos pés: tinha sangue na boca e nos olhos. Pastas de sangue coagulado caiam do camuflado. Olhou as mãos e vendo-as ensanguentadas entrou em pânico. [...]

Havia que evacuar os mortos e um ferido muito grave com um estilhaço num pulmão, que apanhara dentro do quartel. E o meu pelotão foi encarregado desse trabalho. Atirámos com os mortos para cima de uma «Berliet», única viatura que ainda funcionava em toda a Unidade e arrumámos o ferido o melhor que pudemos junto dos mortos. A altura era má para nos prendermos com ninharias e não podíamos transportá-lo de outra maneira. Imaginem o que terá sentido aquele homem ferido gravemente, mas consciente, ao ver-se no meio de quatro mortos horrivelmente desfigurados.





Cópia do título (e da primeira página) do trabalho de investigação jornalística da autoria de Eduardo Dâmaso, publicado no Público, sobre a batalha de Gadamael , em princípios de Junho de 1973, e o papel da LFG Orion, cujo imediato era então o nosso camarada Pedro Lauret, hoje capitão de mar e guerra na situação de reforma o > "A naves dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos: a história secreta do navio Orion, que há 32 anos salvou centenas de soldados na Guiné contra as ordens de Spínola" (****).

Fotos: ©
Pedro Lauret (2006). Direitos reservados.


(xiv) Os fuzileiros, com botes de borracho, vêm fazer as evacuações de mortos e feridos


Partimos para o cais de recurso a cerca de quatro quilómetros do quartel a toda a velocidade que a picada cheia de calhaus e buracos dos rebentamentos nos permitia, debaixo de um bombardeamento intenso de foguetões [,de 122 mm,] que caíam à direita e à esquerda da picada e que só por sorte não nos atingiram.

Chegámos ao cais mesmo a tempo de ver os botes de borracha dos fuzileiros que vinham proceder à evacuação, darem meia volta e desaparecerem pelo mesmo caminho em direcção a Cacine. Isto transtornou-me de tal modo que desatei a chamar  nomes [...] .


Mas que podiam fazer os fuzileiros? O bombardeamento era muito forte e o medo de serem atingidos era ainda maior. Talvez que eu no lugar deles tivesse feito precisamente o mesmo. Porém, naquela altura eu queria ver-me livre dos quatro mortos e do ferido grave já quase moribundo. Por isso toda a minha revolta, o meu fechar de punhos que infelizmente não fizeram voltar os botes dos fuzileiros [...].

Pela rádio entrei em contacto com o comandante da Companhia e contei-lhe o sucedido. Este, no entanto, nada podia fazer, o problema transcendia-o em absoluto. Restava-me pois esperar e foi o que fiz, enchendo-me de uma grande dose de paciência. Passadas duas horas, os fuzileiros apareceram com dois botes.

A maré tinha baixado, entretanto, deixando a descoberto um lamaçal de mais de seiscentos metros por onde, enterrando-nos até a cintura, tivemos de carregar com os mortos e o ferido. Este esforço durou mais de meia hora e quando finalmente chegámos junto dos fuzos metemos dentro dos botes cinco mortos e não os quatro iniciais. O ferido morrera ali mesmo, a meia dúzia de metros dos botes que o deviam transportar ao hospital.


(xv) Desertores do exército tomam de assalto os zebros


Os botes que evacuaram os mortos foram literalmente assaltados por uma avalanche de desertores que começaram a aparecer de todos os lados e que tentavam fugir àquele inferno. Alguns conseguiram o seu intento pois os tripulantes dos zebros foram impotentes para se livrar de imediato de toda aquela gente que sobre eles se precipitou. Valeu-lhes sair rapidamente dali, de contrário não sei o que poderia ter acontecido aos barcos e mesmo aos próprios tripulantes.

Todos estes factos vieram fazer transbordar a taça e, se já havia muitos de nós com os nervos a estoirar, a partir destes acontecimentos, ficaram ainda pior. Os soldados já não queriam sair do quartel. Preferiam ficar ali dentro das valas, aguentando os bombardeamentos mas onde sabiam ter algumas probabilidades de escapar, a ir para o mato onde a incógnita do que poderia acontecer era demasiado grande. O medo tomou pouco a pouco conta de alguns espíritos e tornou-se mais forte do que qualquer outro sentimento.[...]

 (xvi) Proibido aos paraquedistas adoecer...


Em dada altura o meu pelotão recebeu ordem de marchar para uma missão de patrulhamento em que iria estar envolvida toda a companhia. Tínhamos de dormir no mato e regressar no dia seguinte. Transmiti as ordens do capitão aos meus homens e alguns deles disseram-me que não podiam ir para o mato porque se encontravam doentes, o que na realidade acontecia com alguns deles, e um pouco com todos nós. Que havia mais de um mês comíamos sardinhas e atum em lata e dormíamos enrolados dentro das valas, quase sem pregar olho.

Naquela porca guerra era, no entanto, proibido aos soldados adoecer. Tinham de marchar para o mato de qualquer maneira. [...] 


Segui para junto do meu pelotão e limitei-me a informar que, por ordem do capitão, toda a gente iria para o mato e, sem esperar qualquer resposta, equipei-me e mandei equipar o pelotão.

A companhia possuía quatro pelotões e o meu recebeu ordem de tomar o último lugar na coluna. Coloquei-me à frente dos meus homens e iniciei a marcha sem olhar para trás, confiante que todos me seguiriam, como lhes ordenara. Penetrámos na mata cerrada e ao olhar para trás verifiquei que nem todos me tinham acompanhado. Fiz a contagem e faltavam-me quatro homens, aqueles mesmos que, antes de partir, me tinham informado, estarem doentes. Como não podia deixar de ser, transmiti essas faltas ao comandante que, como resposta, me disse para mandar esses homens comparecer na sua presença, mal terminasse a operação. [...]


 (xviii) Quase meia centena de mortos em Gadamael em quarenta dias


E a guerra de Gadamael continuou. Foram mais de trinta dias de bombardeamentos, com muitos mortos e feridos. Os soldados aguentavam como podiam, uns com maior ou menor coragem, outros entrando em pânico e que fugiam para o cais e tentavam meter-se nos barcos que nos vinham trazer víveres e munições.

Foram quarenta longos dias, quase sem comida, deitados nas valas sem dormir mais que uma ou duas horas por noite, batendo-nos contra um adversário invencível que nos matava sem sofrer uma única baixa.

Mas Gadamael foi também a certeza de que jamais poderíamos vencer os guerrilheiros do PAIGC. Gadamael serviu sobretudo para a tomada de consciência de muitos de nós, e não me desviarei da verdade se afirmar que em Gadamael o PAIGC travou a batalha decisiva na sua luta pela independência, que quer tivesse havido ou não o 25 de Abril teria conduzido o povo da Guiné a uma rápida vitória.

Em Gadamael tombaram, para sempre, quase cinquenta irmãos nossos, que não queriam combater e que abominavam a guerra. Quase cinquenta homens que, se o pudessem ter feito, teriam gritado antes de morrer:
-Entreguem a Guiné aos Guineenses!...


________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)

(...) "1º Sargento Paraquedista Carmo Vicente (...) participou em três comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique.

"O testemunho do Sargento Carmo Vicente [sobre os tristes acontecimentos de Bissau, em Janeiro de 1968,] consta na obra Gadamael de sua autoria, das Edições Caso (2ª edição), de Julho de 1985 (páginas 25 a 30).

"Para além da referida obra, Carmo Vicente é também autor de Grades de Novembro, Gritos de Guerra, A Sentença, Era uma vez... 3 guerras em África, entre outras.

Na badana do livro pode ler-se:

"Carmo Vicente é 1º sargento paraquedista, tem 38 anos, e participou em 3 comissões de serviço nas frentes de combate da Guiné e Moçambique. Gadamael é uma narrativa apaixonada, mas profundamente crítica, dessa experiência, constituindo mais uma achega importante para a construção histórica do itinerário colonial de parte significativa da juventude portuguesa, entre 1961 e 1975.

"Sobre Carmo Vicente escreve em prefácio Manuel Geraldo: Ao contrário de vários autores que até agora se debruçaram sobre o mesmo tema, Carmo Vicente possui a vantagem de ter sido mobilizado pela 1ª vez como soldado, acabando por chegar a 1973 na situação de 1º sargento, no comando de um pelotão, precisamente em Gadamael. Logo, viveu o conflito em toda a sua plenitude, como 'actor' em escalões progressivos e com graus de sensibilidade diversa. Embarcado para a Guiné em 1966, com a mentalidade de 'cruzado', Carmo Vicente acabaria por descobrir a verdadeira face dos interesses em jogo e do papel que lhe tinham reservado no palco das operações.

(**) Vd. poste anterior de 4 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname


(***) Certamente por lapso ou gralha, no texto (digitalizado) que recebemos do Leopoldo Amado, vem RPG 3 quando, na minha opinião, deve ler-se RPG 2... Mas não tenho a certeza: no meu tempo (1969/71), na zona leste, nunca ouvi falar do RPG 3... Só havia o RPG 2 e o RPG7.  No blogue já apareceram mais referências ao RPG 3 (Nuno Rubim, Manuel Lema Santos). Será gralha ? É também possível que seja uma versão superior do RPG 2, existente em 1973. Possivelmente com mais alcance, fiabilidade e poder destrutivo... Se alguém puder esclarecer, agradeço.


(****) Vd. poste de 14 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73


(*****) A Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito é a mais alta condecoração portuguesa, podendo ser conferida em três casos: (i) Por méritos excepcionalmente relevantes demonstrados no exercício de funções dos cargos supremos que exprimem a actividade dos órgãos de soberania ou no comando de tropas em campanha; (ii) Por feitos de heroísmo militar e cívico; ou (iii) Por actos excepcionais de abnegação e sacrifício pela Pátria e pela Humanidade.

1 comentário:

Luís Graça disse...

Mensagem do nosso camarada Carlos Silva, com data de hoje:

Luís

Aqui vão as Capas e badanas dos 2 livros que tenho do Carmo Vicente
Li o Post sobre o Livro Gadamael. Dizes que o Carmo faz críticas aos seus superiores e que desconheces o seu paradeiro.

1 - Ele é DFA, talvez consigas saber alguma coisa dele através da
Associação.

2 - Quanto ao livro, é acutilante e não tem floriados, ele escreve o que lhe vai na alma, as críticas que ele faz, não sei se são ou não justas e não é a mim que compete julgá-las, são da responsabilidade dele e são públicas através do livro.

No entanto, estou de acordo com elas, porque, aliás, estou a lembrar-me de uma situação que ele descreve e por que passou em determinada operação, tendo eu e milhares de camaradas passado por situações semelhantes.

Estou a lembrar-me no caso de operações em que participei, com a avioneta PCV, com um indíviduo OPER DO AR, lá dentro, a fazer círculos por cima de nós a denunciar ao IN a nossa posição, por tal motivo, eu pensei, [tal como o Carmo refere] aquele FP Operacional do ar condicionado, merecia que se mandasse aquela merda abaixo, aliás, também tenho este desabafo e corroboro
os desabafos do Carmo.

Gostaste das fotos? Na sua maioria estão espectaculares. O meu SITE está de vento em popa.

Recebe um abraço
Carlos Silva
carsilva.advogado@sapo.pt
BCAC 2879 (Farim, 1969/71)
http://www.carlosilva-guine.com/