1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2018:
Queridos amigos,
Estes dados são uma mera curiosidade, podem servir para quem pretenda estudar este período. O sistema educativo era de fresca data, o trabalho missionário, por natureza, não possuía a consistência que o sistema educativo público veio permitir, tanto no liceal como no técnico-profissional, acresce que a própria Agência Geral do Ultramar proporcionava bolsas de estudo para a metrópole. Onde podia haver, com legitimidade, orgulho era no setor da saúde, tanto o sistema público como a atividade missionária, pense-se na Cumura, no Asilo de Bor, no Hospital Central de Bissau, na Missão do Sono, no Combate às Tripanossomíases, nas tabancas-enfermarias, o período colonial marcou pontos na prevenção e combate às doenças tropicais mais agressivas, o Instituto de Medicina Tropical era apresentado como uma entidade de excelência.
Foi o que foi.
Um abraço do
Mário
Guiné, 1968: Os números da educação e saúde
Beja Santos
Um achado na Feira da Ladra, esta edição da Agência Geral do Ultramar, dados informativos sobre todas as províncias ultramarinas.
Retenhamos o que se escreve sobre a Guiné, logo quanto à educação e ensino:
“Na Guiné, a instrução na sua primeira fase e até meados do século XIX, esteve inteiramente confiada aos missionários, que não só catequizavam como ensinavam português.
Em 1883 havia já professores oficiais em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba, Geba e Farim, e em 1890 foi publicado o primeiro Regulamento Escolar da Província, tornando-se o ensino primário obrigatório para as crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 15 anos de idade. Este ensino primário incluía a leitura, escrita e gramática do português, a aritmética, a História de Portugal, a corografia e a geografia, a doutrinação cristã, elementos de agricultura e economia doméstica”.
Dá-se igualmente conta das alterações do sistema educativo na I República e na Ditadura Nacional, e assim se chega aos anos mais recentes já na década de 1960, onde se lê o seguinte:
“No ano lectivo de 1964/65 havia 123 escolas primárias, com 188 professores para 11.664 alunos, e 33 postos escolares, com 53 professores e 1376 alunos. Em 1965/66 os estabelecimentos oficiais, dispondo de 98 agentes de ensino para 3644 alunos, compreendiam 15 escolas e 22 posto escolares. As missões religiosas ensinaram em 36 escolas primárias e 52 postos escolares, com o total de 147 professores para 9800 alunos. Os números provisórios relativos a 1966/67 indicam a existência de 105 escolas primárias, com 280 professores e 12.105 alunos, e de 52 postos escolares, com 64 professores e 4900 alunos.
Os cursos nocturnos, especialmente para adultos, funcionam nas escolas de Bissau, Bolama, Bafatá, Mansoa, Bissorã, Catió, Farim, Nova Lamego, S. Domingos e Teixeira Pinto, e ainda outras. Fazendo parte do ensino primário, embora estranho ao plano oficial, há a contar (1966/67) com 276 escolas muçulmanas, com 278 professores e 4100 alunos.
Em 1958, dado o aumento da frequência do instituto de ensino liceal, foi a Guiné dotada com o Liceu Honório Barreto, em Bissau, com os três ciclos liceais. Em 1961 criou-se o Serviço Liceal Extraordinário, para adultos, em alas nocturnas. O Liceu Honório Barreto, no ano lectivo de 1966/67, teve 417 alunos, leccionados por 21 professores.
Quanto ao ensino técnico-profissional, em 1958, tinha sido instituída em Bissau uma escola técnica elementar, como um primeiro passo para a criação de estudos mais desenvolvidos. Aquela escola foi convertida, no ano seguinte, na Escola Industrial e Comercial. Em Dezembro de 1966, tinha 30 professores e 643 alunos.
Para a formação de quadros dos serviços públicos contava-se em 1966/67, com dois institutos (Correio e Telecomunicações, e Obras Públicas) com 6 professores e 26 alunos”.
Passando para a saúde e assistência, o Regulamento dos Serviços de Saúde e Assistência da Guiné, publicado em 1966, estipula a missão destes serviços: promover a defesa e proteção da saúde das populações, incluindo a prevenção e combate das doenças endémicas e epidémicas; estabelecer normas de salubridade urbana, rural, habitacional, de higiene de trabalho e das indústrias; promover o saneamento do território da Província; manter-se sempre atualizado o estudo das necessidades efetivas de assistência sanitária contra os grandes flagelos sociais e as endemias.
A rede sanitária incluía o Hospital Central de Bissau, 3 hospitais regionais, 6 hospitais rurais, 10 delegacias de saúde, 53 postos de saúde, 10 maternidades regionais nas sedes das delegacias de saúde e outras 12 maternidades rurais.
O Hospital Central de Bissau era assim apresentado:
“É um estabelecimento hospitalar e policlínico, com 356 camas, compreendendo, além dos serviços de medicina e cirurgia geral, as especialidades de pediatria, obstetrícia, oftalmologia, estomatologia, neurologia e psiquiatria, traumatologia e ortopedia, dermatologia e os serviços auxiliares de terapêutica e diagnóstico (de análises clínicas, anatomia patológica, anestesiologia, hemoterapia, radiologia, fisioterapia e dietética). Neste hospital são atendidos e tratados não só os doentes de toda a área do concelho de Bissau como também os doentes evacuados dos centros de saúde que não disponham de serviços especializados. O sempre crescente afluxo de doentes que se vem registando nas diferentes formações sanitárias determinou importantes obras de ampliação e adaptação no Hospital Central de Bissau, que conta hoje com dois blocos operatórios, uma enfermaria reservados exclusivamente a pediatria, encontrando-se em construção novos blocos de enfermarias e uma moderníssima cozinha”.
O documento da Agência Geral do Ultramar carateriza os hospitais regionais e os hospitais rurais, alude ao combate à tuberculose, às brigadas de radiorrastreio, à Missão de Combate às Tripanossomíases, bem como o combate à doença do sono.
Também se contextualiza a atividade missionária, recordando a elevação à categoria de prefeitura apostólica em abril de 1955, com sede em Bissau, compreendendo os três arciprestados de Bissau, Cumura e Bafatá, confiados, respetivamente, aos missionários franciscanos portugueses, padres franciscanos da província de Veneza e missionários do Instituto das Missões Estrangeiras de Milão. Em 1964, havia na prefeitura 22 sacerdotes, 9 irmãos auxiliares e 18 irmãs religiosas. As Irmãs, Hospitaleiras de Nossa Senhora da Conceição, trabalham no Asilo e Creche de Bor, no Hospital Central de Bissau e no Internato Feminino de Bafatá. No censo de 1960, havia cerca de 26 mil católicos e 8 mil catecúmenos.
As missões protestantes na Guiné eram Evangélicas e situavam-se em Bissau, Bissau Novo, Biombo, Bissorã, Teixeira Pinto e Orango. Também segundo o censo, os islamizados, principalmente Mandingas e Fulas, orçavam pelos 182 mil.
E escreve-se:
“Note-se que o avanço do islamismo na Guiné não se fez de uma maneira contínua, mas antes por períodos de expansão seguidos de outros de recuo. A ocupação europeia veio favorecer consideravelmente esse avanço.
A dispersão do islamismo encontra-se ligada ao sistema de confrarias (na Guiné Portuguesa, a dos Cadiriya e a dos Tidjaniya) derivadas do rito malequita. As confrarias são dirigidas por grão-mestres (cheiques), que detêm a emanação da santidade (baraca), sendo muito hierarquizadas. À volta delas gravitam os operadores de milagres, curandeiros, místicos ou iluminados (marabus) ”.
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20245: Historiografia da presença portuguesa em África (180): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (4) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Olá Camaradas
Esta é mais uma daquelas publicações que nos elucidam muito sobre o que era o ultramar português. Neste caso, até já com a guerra a decorrer.
É uma publicação verídica e, se falhar, será por defeito e nunca por excesso.
A Agência Geral do Ultramar, como órgão do Estado, deveria publicar: o que convinha ao regime, omitir o que não convinha ao regime e, sempre que possível, a verdade. Não era suposto que um órgão de propaganda e difusão de informação difundisse falsidades. O que não fosse prestigiante era omitido, mas tudo o resto é (hoje) de considerar por quem estude este tema.
Nós podemos, assim, cotejar o que vimos com o que o Estado dizia que o ultramar era.
De qualquer modo, uma análise aprofundada, realizada ao tempo ou melhor ainda hoje, permite concluir que muito havia deixado de ser feito e nunca o seria, mesmo com a guerra a decorrer.
O aspecto negativo da acção do colonialismo fica assim descrito e, na minha opinião a impossibilidade de a situação política-social poder ser revertida.
Um Ab.
António J. P. Costa
(Países que tiveram colónias ou escravos devem pagar indemnizações
Falta vontade política e coragem moral para se avançar com indemnizações por colonialismo e escravidão, defendeu Tendayi Achiume, relatora especial da ONU sobre racismo, ontem, na Assembleia Geral.)
Isto é dos jornais, é notícia verdadeira, acreditamos, e como é uma afro-americana e clamar por justiça, ela deve estar fixamente a pensar em África e nos africanos e descendentes de escravos africanos.
Nos descendentes de escravos também a relatora fala e explica na sua exigência.
Ora se assim vier a acontecer, a Inglaterra a França e Bélgica estão muito mais lixados do que Portugal, se houver indemnização.
Eles colonizaram mais territórios, e com muito mais intensidade.
Então no caso da Guiné, não devemos indemnizar quase nada, se colonizámos tão pouco, não é António J.P. Costa?
Quase nem fizemos escolas, nem hospitais, nem os ensinámos a falar português por falta de professores, aquilo é já a meias com a França.
Aliás, os heróis principais das independências, tipo Luís Cabral, Agostinho Neto, diziam claro que nem precisavam de nada do pouco que Portugal fez, porque tinham amigos que iam ajudá-los e queriam fazer tudo à sua maneira.
E sobre a indemnização aos descendentes de escravos, (escravos africanos já não há), é bom que os milhares ou milhões de encarapinhados e que escurecem um pouco mais no verão com o bronzeado da praia, aqui na metrópole, que vão à sua árvore genealógica, que talvez abichem algum e sempre Portugal não perde tudo.
Fica cá algum.
olá Camarada
Venho recordar que não falei de indemnizações, não falei de colonialismos, nem tentei determinar quem é que foi mais colonialista do que quem...
Limitei-me a emitir um parecer sobre uma publicação de época e que constitui um documento histórico que permite tirar conclusões que acrescentam algo ao que fomos vendo e sentindo.
Não sei quem é a tal Tendayi Achiume, relatora especial da ONU sobre racismo, ontem, na Assembleia Geral.)
Não li os jornais, que falam desse tema. É absolutamente ridículo que se queriam arbitrar indemnizações para compensar colonialismos e escravidões. Quanto muito e já não era mau que as nações "desenvolvidas" se empenhassem a apoiar (com realidade e eficácia) o desenvolvimento a paz em África.
Por mim crio que teremos que exigir uma boa indemnização aos franceses e espanhóis que tanto estrago nos fizeram. Bora exigir? Boooooora!
De entre os colonizadores (em África) esqueceste-te dos alemães, dos italianos, dos espanhóis, dos holandeses que também colonizaram, "muinta bem" e até dos americanos e da Libéria, construída num ataque de defesa dos direitos e liberdades de que cedo se curaram...
Efectivamente, na Guiné, quase nem fizemos escolas, nem hospitais (só um para amostra), nem os ensinámos a falar português por falta de professores (como se vê), aquilo é já a meias com a França. Isto é verdade, mas a mim não me tira o sono. Como já disse quem não tem competência não estabelece e os problemas dos guineenses são eles a resolvê-los e sem mim.
Se os heróis principais das independências, tipo Luís Cabral, Agostinho Neto, diziam claro que nem precisavam de nada do pouco que Portugal fez, porque tinham amigos que iam ajudá-los e queriam fazer tudo à sua maneira, que tenho eu com isso? As afirmações dos leaders africanos dizem respeito aos respectivos povos. Por mi já tenho muito com que me preocupar.
Eu sou português e estou comentar coisas de portugueses e que sucederam aos portugueses.
Demagogias e idioteiras, por favor, não. Obrigado!
Um Ab.
António J. P. da Costa
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