terça-feira, 22 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21383: Notas de leitura (1309): "O Cântico das Costureiras", de Gonçalo Inocentes (Matheos) - Parte III (Luís Graça): a conquista da Ponta de Jabadá, em 29/1/1965, importante posição na defesa do rio Geba

 


Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965  > O alf mil médico Serpa Pinto, natural do Porto, "à entrada do seu apartamento"... Vê-se que o destacamento foi feito com as ruínas do antigo entreposto comercial, florescente até ao início da guerra.

 


Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965  > "Uma pausa: o dr, Serpa Pinto a ajeitar o banco [, à esquerda]; a seguir o alferes Alcides Pereira, comandante da força; eu e à frente com óculos o furriel João Vaz"
"
 


Guiné > Região de Quínara > Ponta de Jabadá > CCAÇ 423 > 1965  > "Sessão de consultas à população local. A tomar notas o [furriel]  enfermeiro Machado, e logo atrás o doutor S[erpa] Pinto" (*)

Fotos (e legendas): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da apresentação do último livro do Gonçalo Inocentes (Matheos), membro nº 810 da nossa Tabanca Grande: foi fur mil at cav, CCAÇ 423 e CCAV 488 / BCAV 490, de rendição individual (1964/65), tendo passado por Bissau, Bolama, S. João, Ponta de Jabadá, e Jumbembem... Nasceu em 1940, em Nova Lisboa (hoje, Huambo, Angola). Está reformado da TAP e vive em Faro. (*).


Capa do livro de Gonçalo Inocentes (Matheos), "O Cântico das Costureiras: crónicas de uma vida adiada, Guiné, 1964/65" (Vila Franca de Xira, ModoCromia, 2020, 126 pp, ilustrado).

É um livrinho despretensioso, com mais fotos do que texto, mas que tem o mérito de nos fazer desfilar uma série de situações que todos conhecemos no TO da Guiné, no mato, fosse no Norte, no Leste ou no Sul.

Por exemplo, a evocação do médico que, se calhar, nem todos conheceram tão intimamente como a malta da CCAÇ 423. Estamos no início da guerra, em que cada companhia ainda tinha um médico!... Um luxo!... 

Recorde-se que, no meu tempo (1969/71), haveria (, quando havia!) um médico por batalhão. E que ficava no "bem bom" da sede do batalhão, a trabalhar na "psico",  nunca ou raramente saindo para o mato em operações... Era mais médico "civil" do que "militar",,, O mesmo se aplicava ao furriel enfermeiro... (Estamos a falar do tempo de Spínola, em que aumentaram os efectivos militares e o país não tinha médicos  suficientes para mandar para a guerra; por outro lado, a política "Por uma Guiné Melhor" absorvia uma grande parte dos recursos  sanitários das Forças  Armadas.)

Aqui, nesta época,  no tempo ainda da malta do caqui amarelo, há um médico para cada 150/160 homens (=1 companhia), e que dorme no mato, nos mesmos buracos dos "infantes"... E participa em operações, como a conquista da Ponta de Jabadá!

Para poder escrever este livrinho, a vantagem do Gonçalo Inocentes, em relação a muitos de nós, é que tinha um máquina fotográfica Minolta 16 mm Spy que cabia no bolso do camuflado e que levava para o mato. Além disso, tinha um bloco de notas e o hábito saudável de ir tomando notas.. 

Alguns de nós tinham um diário, mas ao fim de seis meses (que era o tempo de provação da "periquitagem"), deixavam de escrever por lassidão, cansaço, exaustão, falta de disciplina... Outros anotavam nas cartas e aerogramas o seu pequeno dia a dia, incluindo a atividade operacional... Enfim, de uma maneira ou de outra, todos temos "pequenos apontamentos" da nossa passagem pelo inferno que foi a Guiné...

Nalguns casos, como o deste livrinho, são "flashes", relampejos da memória, que vêm contribuir, e em muito,  para o preenchimento dos buracos do "puzzle" da nossa memória... 

Por exemplo, quem é que sabia da história da Ponta de Jabadá onde o PAIGC até ao início do ano de 1965 era "rei e senhor", impondo ali o terror à navegação no Geba ?!... 

Quando lá passei, ao largo, em LDG, no dia 2 de junho de 1969,  o nosso medo era a Ponta Varela,  logo a seguir, passada a foz do Corubal, já no Geba Estreito, antes de se aportar ao Xime... (Os barcos civis, ou "barcos-turra", que prosseguiam até Bambadinca tinham, no Geba Estreito, outro temível ponto de passagem que era o famigerado Mato Cão onde se podia, da margem direita,  lançar uma granada de mão para o meio do rio.)

Jabadá ?... Já ninguém se lembrava em 1969,,,

Explica o autor:

"Depois de várias operações infrutíferas à Ponta de Jabadá, os barcos que navegavam no rio Geba, o que banha Bissau, contibuaram a ser castigados vom fogo do IN a partir dali. Da Ponta." (p. 76)

Foi por isso que os "maiores" de Bissau decidiram ocupar  a dita Ponta (que outrora lterá sido uma bela horta de um algum colono cabo-verdiano). Com "um pelotão reforçado" (!), as NT foram mandadas ocupar o "antigo entreposto comercial". 

A força era comandada pelo capitão Monroy, e tinha o apoio de uma fragata [, o autor queria dizer:LFG - Lancha de Fizcalização Grande] da Marinha, postada em frente, no Geba. (Este capitão Monroy  [Garcia] devia ser o oficial de informações e operações do BCAÇ 599.]

"Fomos comandados pelo alferes Alcides Pereira e pela primeira vez foi também o médico, dr. Serpa Pinto, e o furriel enfermeiro Machado" (p. 76).

Ficamos a saber que:

"Jabadá era como que uma ilha. Rodeada a Sul pela grande bolanha, e  Norte pelo rio Geba" (...). 

Mas a fragata [leia-se: LFG]  foi chamada a Bissau, para algum assunto mais urgente do que a guerra (, vá-se lá saber o quê e o porquê), e rapaziada passou a ser "bombardeada diariamente ao cair da noite" (p. 77). Jantava-se às 18h e recolhia-se aos "abrigos" às 19h.

Depois foram "40 dias de trabalho intenso", a construir abrigos "à prova de morteiro": com troncos de cibe, terra, e em cima uma camada de adobe. "De dia o trabalho e de noite o infeno"... Virá depois um reforço, um pelotão da CCAÇ 508, comandada pelo alferes Ferreira,

Pormenor delicioso é a foto (, infelizmente em miniatura) do ten cor [Carlos Barroso] Hipólito, comandante do batalhão [BCAÇ 599,]  sediado em Tite, a atravessar o tarrafe às costas de um soldado, depois da gloriosa conquista da Ponta de Jabadá, em 29 de janeiro de 1965 (. precisamente no dia em que eu fiz 18 anos e dava o nome para a tropa)...  

Em suma, o senhor tenente coronel não podia molhar o pezinho,,,

O Gonçalo Inocentes presta depois homenagem ao médico e ao enfemeiro que ficaram no destacamento. Do médico ele diz:

(...) "Ele é o anjo da guarda de todos os dias. (...) A relação de todos com o médico, ali o dr. Torcato Adriano Serpa Pinto, homem do Porto, era de filhos para pai.  O carinho era mútuo" (p. 86).

Teve por isso, direito a um abrigo exclusivo, especial e seguro;

"No destacamento em Jabadá, o abrigo pessoal do doutor era mesmo a dois passos do rio Geba e por isso ele não dormia- Temia uma aproximação a coberto da noite pela margem do rio e o lançamento de uma granada para o sítio onde morava".

Qual foi a solução para pôr o médico "a dormir bem", o que era fundamental para que todos dormissem bem ? A ideia  foi do fur mil Inocentes: "construir duas defesas paralelas rio adentro, que fizessem de anteparo o abrigo do doutor"... Cercado "de arame farpado à semelhança do Rommel nas costas da Normandia", o dr. Serpa Pinto nunca mais teve insónias  nem pesadelos (p. 86). 

É uma bonita história de homenagem e de gratidão aos nossos médicos... (**)

(Contnua)

 ___________

Notas do editor:

(*) Vd., postes anteriores:


8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vou pedir ao autor que me mande a foto, insólita, do soldado a levar as cavalitas o o comandante de batalhão... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Jabadá e ponta de Jabadá não são a mesma coisa... Na carta militar de Tite (se não erro) são sítios próximos mas diferentes..LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Eduardo Estrela (por email)
22 set 2020 11:44

Caro Luis!

Acabo de ler o teu comentário na sequência da apresentação do livro do Gonçalo Inocentes. No que diz respeito ao Bat de Farim onde a minha CCaç 14 estava integrada como Comp de reforço, havia dois médicos. Um em Farim e outro em Cuntima.

Eram, tal como os da tua zona, mais médicos civis do que militares, pois nunca saíam para o mato. Mas o Fur Mil Enf da minha Comp., o Ilídio Vaz, era um operacional como nós. Estabeleceu uma escala com a sua malta da enfermagem e alinhava em todas quando chegava a sua vez.

Quanto ao Inocentes, infelizmente e apesar dele morar em Faro, não o conheço. Mando-lhe daqui um forte abraço extensivo a toda a Tabanca.

Eduardo Estrela.

Anónimo disse...

Eduardo Estrela (por email)
22 set 2020 11:44

Caro Luis!

Acabo de ler o teu comentário na sequência da apresentação do livro do Gonçalo Inocentes. No que diz respeito ao Bat de Farim onde a minha CCaç 14 estava integrada como Comp de reforço, havia dois médicos. Um em Farim e outro em Cuntima.

Eram, tal como os da tua zona, mais médicos civis do que militares, pois nunca saíam para o mato. Mas o Fur Mil Enf da minha Comp., o Ilídio Vaz, era um operacional como nós. Estabeleceu uma escala com a sua malta da enfermagem e alinhava em todas quando chegava a sua vez.

Quanto ao Inocentes, infelizmente e apesar dele morar em Faro, não o conheço. Mando-lhe daqui um forte abraço extensivo a toda a Tabanca.

Eduardo Estrela

Teresa Corrêa disse...

A propósito do "Cântico das Costureiras" e dos comentários a respeito dos médicos, que foi um luxo ter um por unidade, ocorreu-me um episódio vivido em Santarém na Escola Prática de Cavalaria.
Pelos anos 1963/1964 aconteceu ali uma recruta exclusiva de médicos. Foram chamados não só os dos 20 anos, mas também dos 30. Era um pelotão bem grande.
Era para fazer face às exigências da guerra. Logo que prontos seguiam com um "ranking" de acordo com a posição na vida civil.
Um dia o furriel que lhes dava instrução adoeceu com uma forte gripe. Todo o pelotão desceu ao seu quarto onde esta deitado, com todos a quererem tratar-lhe da gripe. Foi um sufoco e quase ficou sem ar. Mas adorou o gesto.
Acontecia também, quando o comandante esperava uma continência, eles, homens feitos, tiravam o bivaque da cabeça num cumprimento civil.
Foi muito difícil a adaptação dos médicos aos militares e dos militares aos médicos.
Era um gozo.

Anónimo disse...

Goncalo Inocentes
23 set 2020 13:28

Caro Luís.

Sim tomei nota do Eduardo Estrela.

Li esta entrada sobre o livro que gostei. Fiz um comentário no fim que apareceu como sendo de Teresa Corrêa, com foto.

Aconteceu porque eu sou gestor do blog da senhora que é poetisa, e estou amarrado a ele. Agora, sempre que faço uma entrada é no nome dela e não sei como me libertar.

Quanto às fotos, posso meter fotos que não meti e ordenadas por operação. Interessa?
A foto do Hipólito às cavalitas do soldado é má porque foi tirada a muita distância com a Minolta pequenina que não tinha zoom.

Fico a aguardar

Abraço, Gonçalo

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Gonçalo, não há problema, a tua poetisa Teresa Corrêa é bem vinda... Precisamos de mulheres, que são seres que têm uma inteligência emocional superior à nossa... DE qualquer modo, podes usar a conta dela, assinas depois por baixo o teu comentário... Isto de ser de gestor de várias contas é o que dá...

Quanto ás fotos: como vês, tirei fotos às tuas fotos com alta resolução, e depois editei-as...

Seria uma pena não poderes partilhares as tuas, no nosso blogue... NO livro têm outra função, mas vêm em miniatura, há pormenores que escapam ou que se perdem...

Se quiseres podemos publicar uma série com as tuas fotos e o teu nome, por áreas temáticas...

Fica bem, porta-te bem, cuida bem de ti e dos teus. Luís

Anónimo disse...


Goncalo Inocentes (por email)
23 set 2020 13:32

Esquecia:

Por causa da Pandemia o livro não seguiu os passos normais. Não foi lançado, nem está nas livrarias.

Eu envio a quem quiser, com o preço de 15€, portes incluídos e pagamento por transferência MB.