sábado, 26 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21393: Os nossos seres, saberes e lazeres (412): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
Impunha-se uma visita cuidada ao Centro Interpretativo do Barroco, em Arcos de Valdevez. A Igreja do Espírito Santo foi muito bem escolhida, marca perfeitamente todo o espírito da Contra-Reforma, severidade e austeridade por fora, pompa e esplendor no interior. Somos riquíssimos em Barroco e Rococó.
A Europália Portugal, em 1991, foi um grande sucesso. Lembro-me das filas enormes à porta do Museu Real de Belas-Artes, em Bruxelas, para visitar a exposição O Triunfo do Barroco. Houve também outras exposições de estrondo, somos detentores de um património que a generalidade dos laboratórios universitários já tinham deitado fora, os instrumentos científicos do século XVIII, e as exposições de Arte Oriental e Africana foram altamente representativas, mas nada se comparou ao Barroco, à magnificência da arte religiosa e às carruagens da Embaixada que o rei D. João V enviou a Roma. Pois o Alto Minho também possui um património incomparável, como aqui se exemplifica.
E regressou-se a Ponte de Lima, desta feita a visita foi à Casa de Nossa Senhora d'Aurora, um portento património e com jardim assombroso, como também aqui se mostra.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (8)

Mário Beja Santos

Numa frase curta, numa síntese regada de sinuosidades e pontos divergentes, ir-se-á com o Barroco (na pintura, na escultura, na talha, na arquitetura e nas artes decorativas), foi um estilo que se instituiu depois do Renascimento e das modalidades do maneirismo, irá prolongar-se até ao século XVIII, e as suas linhas exuberantes ganharão um novo alento com um estilo denominado Rococó. É um período artístico de cerca de dois séculos que terá nomes de autores que ainda hoje são dominantes na cultura portuguesa de obras fundamentais no nosso património. Basta referir Josefa d’Óbidos, a Igreja da Madre de Deus, a Igreja de Santo António (Lagos), a escultura de Machado de Castro, o Convento de Mafra… E quando chegamos ao século XVIII, a região minhota dá cartas valiosas, Braga, Viana do Castelo e vários pontos do Alto Minho. E assim chegamos a esta paragem com enormíssimo interesse, a Rota do Barroco parte de Arcos de Valdevez e que agora se estende ao Alto Minho. E assim entro no Centro Interpretativo do Barroco, sediado na Igreja do Espírito Santo, em Arcos de Valdevez.

Arcos de Valdevez é porta de entrada deste roteiro do Barroco no Alto Minho, e não é por acaso, possui elementos notáveis do Barroco e do Rococó, sobretudo na vertente religiosa. A Igreja do Espírito Santo acolhe o Centro Interpretativo do Barroco, houve para ali um investimento municipal de cerca de um milhão de euros, supõe-se mesmo que esta viagem pode ultrapassar a área geográfica dos dez concelhos do Alto Minho, uma vez que a arte barroca da região está presente na Galiza e em Minas Gerais, no Brasil. O roteiro alicia para visitas do maior interesse, caso do Convento de Mosteiró, em Valença, a Capela das Malheiras, em Viana do Castelo, bem como a Capela da Boa Morte, na Correlhã, em Ponte de Lima, e o Santuário da Peneda, em Arcos de Valdevez. Entra-se na igreja, começa o assombro, estas obras falam mais que um milhão de palavras.



Atenda-se à magnificência do altar, a Confraria do Espírito Santo não se fez rogada e abriu os cordões à bolsa para que esta construção fosse de arromba. Por fora é tudo singelo, em granito, foi utilizado na estrutura principal, nos cunhais, cimalhas e lintéis, o próprio lajeamento que circunda o templo é em granito. A fachada foi reconstruída no século XIX, tem já traços marcadamente neoclássicos. O interior recebe a luz natural por dez janelas naturais, cinco a sul e cinco a norte, seguramente que se pretendeu que toda esta riqueza brilhasse, com toda a pompa, ao contrário do exterior. Veja-se a imagem seguinte.


Não há palavras, parece que todos os comentários não têm o poder de alcançar toda a simbologia que esta arte espelha, nos elementos escultóricos, contempla-se uma joia exaltativa do Espírito Santo e a vista é logo atraída para a sacristia onde somos todos recebidos com uma peça extraordinária alusiva ao Pentecostes, tudo sobre a forma de um altar. Inesquecível.







E regressa-se a Ponte de Lima. Sempre com o intuito de ver para compreender, levei na bagagem uma edição de 1985 das Seleções do Reader’s Digest intitulada Por terras de Portugal, orientada e coordenada por Maria Clara Mendes, doutora em Geografia Humana. Entra-se no casco histórico a caminho da Casa d’Aurora, e toma-se nota do que ela escreveu já sobre o século XVIII: “Nas primeiras décadas deste século ressurgem as casas de burgueses e fidalgos, e no espaço muralhado sobressaem o edifício da Câmara, o Paço dos Marqueses, a Igreja-matriz e os quarteirões definidos pela Calçada dos Artistas, Rua Formosa e Largo de Delfim Guimarães. Nas ruas estreitas entre a Rua do Postigo e a Porta do Souto o casario adensa-se. Os arrabaldes estão já definidos. A actividade industrial foi animada pela fundação de uma fábrica de tecidos de linho e algodão, a Sociedade Económica de Bons Compatriotas Amigos do Bem Público (1779-1786). Mas no fim do século a panorâmica é bem diferente”. Houve demolições, foi o caso da muralha, a atividade mercantil e agrícola levou D. Pedro IV a autorizar a realização das Feiras Novas. Em 1875 foi criado o Banco Agrícola, Comercial e Industrial de Ponte de Lima, e deste período datam a abertura das Alamedas de S. João e de Nossa Senhora da Guia, por ali corre desafogado e calmo o Lima. Mas eu vou em sentido contrário. A visita à Casa d’Aurora, tem o seu quê de peregrinação. Conheci Manuel d’Aurora através do meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo, foi este querido amigo que me pedia insistentemente para lhe ler as obras do 3.º Conde. Aí vou eu à Rua do Arrabalde N.º 90.



A Sr.ª D. Rosário teve a gentileza de interromper os seus afazeres para me mostrar ao pormenor o interior desta casa senhorial, um deslumbramento de valores, de memórias, até de interseção de culturas. O outro pretexto da visita era o jardim, ele consta do Roteiro das Camélias. É um jardim à francesa, parece datar do tempo em que a casa foi reconstruída entre 1714 e 1730. O bucho é vistoso, o arvoredo variado, irei ver num nicho barroco com fonte Nossa Senhora d’Aurora, no centro do jardim um belo lago e uma imponente araucária.




Ao longo do ano, qualquer visitante tem vegetação à sua espera, mas quanto a flores por aqui pululam rosas, azáleas, dálias e camélias, mas também rododendros e magnólias. As cameleiras são antigas, há para ali uma criptoméria japónica de grande beleza. O folheto da Casa de Nossa Senhora d’Aurora refere algo que não se visitou, os quatro hectares da floresta, onde pontificam carvalhos, castanheiros, pinheiros, cedros e azevinho espontâneo. Pois ficará para a próxima, outra maré, o marinheiro será o mesmo…

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21373: Os nossos seres, saberes e lazeres (411): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (7) (Mário Beja Santos)

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