Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Dulombi > "O ex-furriel mil vagomestre Fonseca é o segundo a contar do lado esquerdo (com o seu aprimorado bigode)". (Da esquerda para a direita, furriéis Almeida, Fonseca, Gonçalves, E.Santo, 1º srgt . Gama, cap Pires, alf Luís Dias e Parente, furriéis Machado (já falecido), Rodrigues e Reis; em pé, da esquerda para a direita, fur Baptista, os 2 impedidos da messe, furriéis Nevado e Carvalho.
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Dulombi > 1972 > "À porta da messe dos oficiais e sargentos: da equerda para a direita, fur Fonseca (o nosso vagomestre), fur Batista (com a cara meio tapada), fur Gonçalves (só se vê a cara), fur Rodrigues (o nosso especialissimo mecânico auto rodas) e em primeiro plano o 1º srgt Raul Alves... Foto gentilmente cedida pelo camarada Manuel Rodrigues, ex-fur mil mecânico auto, que mantinha as nossas viaturas sempre operacionais".
Fotos (e legendas): © Luís Dias (2009). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar de: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Crachá da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872 (Dulombi e Galomaro, dez 71 - mar 74)
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Luís Dias |
Data - domingo, 13/04/2025, 21:52
Assunto - O nosso vagomestre António Fonseca
Caro Luís Graça:
Na CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, que esteve na Guiné entre 24 de dezembro de 1971 e 28 de março de 1974, tínhamos como vagomestre o furriel miliciano António Fonseca.
Em Galomaro, a situação era diferente e passámos a depender, em termos de comida, da organização já montada para a CCS, pelo que o nosso furriel vagomestre foi enviado para Bissau, para ser o representante do Batalhão na administração de abastecimentos.
Em inícios de janeiro de 1974, recebi ordens de regressar ao Dulombi, onde voltei a reunir-me com a companhia (todos os elementos de apoio, onde estava também o furriel vagomestre, entretanto regressado de Bissau), porque os outros grupos de combate estavam 2 em Galomaro e 1 em Nova Lamego.
Aqui chegado, devo referir que o amigo António Fonseca tinha muito "respeitinho", direi mesmo receio, de alinhar na parte operacional, o que se compreende, porque não lhe competia. Deste modo, se houvesse uma coluna de abastecimentos de 10 viaturas ele seguia na décima, se fosse de 3 ou 4 viaturas ele seguia sempre na última, com o justo receio de que podia apanhar com alguma mina A/C.
Tinha detetado, a cerca de 100 metros do nosso arame farpado, uma granada de morteiro 81 mm GEGP que fora disparada num dos ataques que o quartel sofrera e que não explodira.
Os anos passaram e a companhia voltou a reunir-se em convívios, 25 anos após a nossa chegada à metrópole. Contávamos histórias, episódios acontecidos e lá vinha sempre à memória o que podia ter acontecido ao furriel vagomestre e dizíamos que "sorte tiveste".
(*) Último poster da série > 13 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26681: Histórias de vida (56): Berta de Oliveira Bento, a Dona Berta da Pensão Central, Bissau (1924 -2012)
(**) Vd. poste de Blogue > Histórias da Guiné 71-74: A CCAQÇ 3491, Dulombi > Sábado, 29 de agosto de 2009 > Morte trágica de um camarada
Caro Luís Graça:
Na CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, que esteve na Guiné entre 24 de dezembro de 1971 e 28 de março de 1974, tínhamos como vagomestre o furriel miliciano António Fonseca.
A CCAÇ 3491 foi colocada no Dulombi, Leste da Guiné, estando:
- isolada vários quilómetros da CCS (Galomaro - a cerca de 20km);
- a sul, a CCAÇ 3490 - Saltinho (não havia estrada ou picada para este aquartelamento, ida do Dulombi, pelo que a volta para lá chegar era ir através de Bambadinca, Xitole (150 km);
- a norte, ficava a CCAÇ 3489, com picada/estrada indo por Galomaro (40 km);
- à nossa frente ficava o Rio Corubal (40 km), zona para a qual efetuávamos a maior parte das operações.
Estávamos isolados. A comida não era e nunca foi grande coisa e estávamos sempre a apertar com o vagomestre (*). Ele raramente participava nas colunas semanais que fazíamos a Bafatá e Bambadinca para ir buscar abastecimentos.
Certa vez, um dos bidões de azeite, depois de abertos no quartel, estava adulterado por água (alguém "palmara" azeite e completara o bidão com água). Aliás houve também casos de adulteração de garrafas de uísque. Não se sabendo se a adulteração já vinha da metrópole ou era feita em Bissau.
O capitão reagiu e passou a obrigar o furriel a ir em todas as colunas de abastecimento para verificar os carregamentos.
O furriel para se desenrascar teve de pedir alguns litros de fornecimento de azeite às outras companhias do batalhão, com a promessa de os devolver o mais breve possível.
Houve um período, em 1972, em que devido às chuvas as colunas não conseguiam passar porque a picada ficou intransitável em vários pontos e também não se conseguiu largada de frescos pela aviação, pelo que houve que recorrer a rações de combate e até pagar a caçadores indígenas a compra de caça variada obtida.
Entretanto, a nossa companhia foi transferida praticamente toda para a sede do Batalhão, em Galomaro, isto em 9 de março de 1973 (quando era eu o comandante da mesma, porque o capitão estava de férias), deixando no Dulombi 2 pelotões de milícias e 13 elementos de apoio (1 auxiliar de enfermagem, pessoal de transmissões, cozinheiros, condutores, mecânicos, apontadores de morteiros 81 mm, professor da escola dos miúdos, etc.), comandados por um dos meus furriéis e tendo como adjunto o furriel de transmissões.
Esta saída inopinada deveu-se a um forte ataque sofrido pela CCS, no dia 1 de dezembro de 1972 e depois de 2 ataques anteriores rechaçados muito bem no Dulombi e ter surgido o general, Comandante-chefe, e o nosso comandante de Batalhão, em visita inopinada ao Dulombi, onde tive de explicar a atividade operacional que realizávamos e os resultados obtidos.
Em Galomaro, a situação era diferente e passámos a depender, em termos de comida, da organização já montada para a CCS, pelo que o nosso furriel vagomestre foi enviado para Bissau, para ser o representante do Batalhão na administração de abastecimentos.
A companhia a 3 grupos de combate (o outro grupo foi reforçar o batalhão de Piche) ficou a efectuar operações na zona de Galomaro e também na zona do Dulombi (ficámos com mais do dobro do território anterior).
Depois de ser enviado com o meu grupo para Piche (onde se comia muito bem - oficiais e sargentos, mas muito mal os soldados, o que me levou a ter problemas com o comandante), ainda estive a comandar o CIM de Bambadinca, depois fui para Nova Lamego, onde estava o meu grupo de combate e depois fui para Pirada, onde estive poucos dias, voltando a Nova Lamego. Nestes três últimos locais, em termos de comida, não posso dizer mal.
Em inícios de janeiro de 1974, recebi ordens de regressar ao Dulombi, onde voltei a reunir-me com a companhia (todos os elementos de apoio, onde estava também o furriel vagomestre, entretanto regressado de Bissau), porque os outros grupos de combate estavam 2 em Galomaro e 1 em Nova Lamego.
Nesta altura fui incumbido de ser o responsável por realizar a parte operacional com os grupos de combate da nova companhia que vinha nos substituir (a 1ª CCAÇ/BCAÇ 4518).
Nessa preparação havia o cuidado de verificar se na nossa zona da frente (lado de onde normalmente partiam os ataques do PAIGC) havia material que tivesse ficado por explodir, para o neutralizar.
Aqui chegado, devo referir que o amigo António Fonseca tinha muito "respeitinho", direi mesmo receio, de alinhar na parte operacional, o que se compreende, porque não lhe competia. Deste modo, se houvesse uma coluna de abastecimentos de 10 viaturas ele seguia na décima, se fosse de 3 ou 4 viaturas ele seguia sempre na última, com o justo receio de que podia apanhar com alguma mina A/C.
Tinha detetado, a cerca de 100 metros do nosso arame farpado, uma granada de morteiro 81 mm GEGP que fora disparada num dos ataques que o quartel sofrera e que não explodira.
Escavei uma defesa de terra, em relação ao quartel, coloquei um petardo de TNT 100g, com detonador eléctrico, junto à granada, sem lhe tocar e estendi o fio até ao quartel e coloquei-me por trás do edifício do comando e avisei as torres de sentinela, bem como o pessoal da companhia para que se protegesse e acionei o detonador.
Deu-se a explosão e pronto, estava feito. De repente, reparo que, em frente à messe de oficiais e sargentos, estava o nosso amigo vagomestre com a mão na cabeça e olhar incrédulo. Então não é que o furriel, em vez de se esconder por trás do edifício, ficou, sem proteção, a ver a explosão, não tendo ligado às instruções que eu dera ?!...
O furriel António Fonseca, um recatado militar, que punha todos os cuidados quando era obrigado a sair em coluna, ficou de peito feito a ver o que acontecia.
A sorte protege os audazes e foi o que aconteceu. A cabeça da granada de morteiro veio de lá, e caiu a cerca de 2 metros dos seus pés. Passado quase uma hora ainda estava quente, um pouco mais e tinha atingido o nosso vagomestre, e podia-lhe ter tirado a vida.
Os anos passaram e a companhia voltou a reunir-se em convívios, 25 anos após a nossa chegada à metrópole. Contávamos histórias, episódios acontecidos e lá vinha sempre à memória o que podia ter acontecido ao furriel vagomestre e dizíamos que "sorte tiveste".
Contudo, uma horrível notícia, referia uns anos depois, que na Praia da D. Luísa, um grupo de pessoas tinha ficado debaixo de uma arriba que desabou. O infortúnio tinha acontecido, o nosso amigo e companheiro furriel António Fonseca, juntamente com a sua esposa e filhas, eram algumas das vítimas do funesto desastre (**).
Que possam as almas desta família estar no eterno descanso.
Abraço
Luís Dias
Abraço
Luís Dias
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Notas do editor LG:
(**) Vd. poste de Blogue > Histórias da Guiné 71-74: A CCAQÇ 3491, Dulombi > Sábado, 29 de agosto de 2009 > Morte trágica de um camarada
(...) Caros Camaradas: cumpre-me a dolorosa missão de vos informar da morte trágica do camarada José Batista Mota Fonseca, o nosso ex-furriel vagomestre. O Fonseca perdeu a vida juntamente com a sua esposa e as duas filhas, na derrocada que se deu no passado dia 21, na Praia da Maria Luisa, em Albufeira, onde se encontrava a passar férias.
Este triste acontecimento foi-nos participado pelo nosso camarada ex-furrriel Carvalho.
À família enlutada as nossas sentidas condolências.
Descansa em paz, querido amigo.
Luís Dias (...)
3 comentários:
Ainda há ecos, na Net, desta tragédia que emocionou o país...
(...) "As cinco vítimas mortais são uma mulher, à data com 37 anos e com duas filhas, e um casal, com 59 e 57 anos, e as duas filhas, de 31 e 26 anos. Um dos sobreviventes, que é o terceiro demandante no processo, então com 24 anos, era namorado de uma destas jovens e ficou ferido com gravidade no acidente.
Todas as pessoas envolvidas no acidente eram turistas a passar férias no Algarve: a família de quatro pessoas residia na freguesia de Ramalde, no Porto, enquanto a quinta vítima era residente em Coimbra." (...)
Diário de Notícias, 27 de maio de 2020 > Estado condenado a pagar mais de 1 milhão de euros a famílias das vítimas da derrocada na praia Maria Luísa
Luís, na guerra (e na paz...) dá sempre jeito acreditar que "sorte protege os audazes" (ou são aos audazes que fazem a sorte )?...Gostei de ler a tua história que, infelizmente, tem um fim trágico...Temos, os antigos combatentes, o "direito" de morrer na cama, e não sob toneladas de pedrulhos de uma arriba na praia...
Sobre o nome do teu/nosso infortunado camarada: António Fonseca ou José Batista Mota Fonseca ? É apenas uma questão de rigor...
Percorrendo a Net com a ajuda da Gemini IA / Google, apurei que nessa tragédia do fim da manhã de 21/8/2009, morreram 5 pessoas, na sequência da derrocada, na Praia Maria Luisa, Albufeira, Algarve: Uma família de quatro pessoas (António e Anabela Fonseca, e as filhas Mariana e Ana Rita) , além de Maria Emília Dias.
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