Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 5 de outubro de 2008
Guiné 63/74 - P3271: História da CCAÇ 2679 (3): Início da actividade operacional (José Manuel Dinis)
1. Mensagem de 28 de Setembro de 2008, do nosso camarada José Manuel Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, (Bajocunda, 1970/71), com mais um texto da história da sua Unidade (1).
Olá pessoal da Tabanca Grande!
Espero que estejam em boa forma. Envio nova estória como contributo para uma História da CCAÇ 2679. Espero receber fotografias de alguns intervenientes, antes de vos remeter o texto. Texto que hoje, pela quilometragem, quase rivaliza com os do Beja Santos que, aliás, aprecio. Assim, lançado o aviso, segue-se a narrativa sobre um bombardeamento que, pela duração, era recorde no âmbito da nossa guerra na Guiné.
Peço ao Carlos Vinhal, ou outro editor, que tenha paciência para dividir em períodos e sub-titulá-los.
Abraça-vos o
Dinis
Um dos protagonistas é o Fur Mil Azevedo, que no unimog aparece de óculos, estilo protegido do Pinochet. Ainda se podem ver, da esquerda para a direita, os seguintes elementos do Foxtrot: Valentim, Santos, Enf.º Domingos, Freitas, Faria, a seguir não atino com o nome, Loreto e Virgílio Sousa. Uma parte da élite.
Foto: © José Manuel M. Dinis (2008). Direitos reservados
Início da actividade da CCAÇ 2679
Por José Manuel M. Dinis
A actividade da Companhia a partir do terceiro dia em Piche, passou a decorrer sob o Comando de Operações do BART 2857, responsável pelo Sector L-4, onde era extensa a área de intervenção, que, como referi anteriormente, extendia-se para leste, a partir de um imaginário meridiano, que ligava Bajocunda, no norte, com a ilha do Seli, no Corubal, e confinava com as fronteiras do Senegal e da Guiné Cinakri. As três Companhias operacionais do BART, estavam estacionadas em Bajocunda, Canquelifá e Buruntuma, e, cada uma, ainda tinha um Pelotão em regime de destacamento.
Estávamos a adquirir experiência nas funções que partilhávamos, fazendo escoltas a colunas auto, onde também participava o Pel Cav destacado em Piche; fazendo patrulhamentos, ora a nível de pelotão, ora a nível de dois grupos, por vezes com um pelotão do BART; fazendo operações, que se consubstanciavam em patrulhamentos de dois dias com objectivos de encontrar o IN ou indícios dele, controlar fronteiras e antigos lugares-bases dos guerrilheiros, passando a noite emboscados em trilhos de passagem; fazendo segurança a trabalhos no mato, como a preparação da estrada para Buruntuma; acompanhar os especialistas na colocação ou levantamento de minas. Todas as noites um pelotão fazia uma emboscada.
A actividade era intensa e insana. Ainda nos repugnava beber água da bolanha. Ainda nos molestavam os mosquitos, principalmente na orla do Corubal, onde eram aos milhões, e a pomada repelente mostrava-se ineficaz. A ração de combate começava a fartar. Ganhávamos experiência e, parece, com o reconhecimento do comando. Por outro lado, congratulávamo-nos pela ausência de contactos com o IN.
Mas em 24 de Fevereiro, Buruntuma foi atacada a partir do território vizinho. Esta localidade era um ponto fronteiriço, onde o Corubal, que ali não passa de riacho, constituía fronteira. Do outro lado, na Guiné Conakri, situa-se Kandicá, uma povoação anteriormente animada pelo movimento fronteiriço, onde existia uma guarnição militar.
Panorâmica do Rio Corubal no Saltinho
Foto: © Joaquim Guimarães (2008). Direitos reservados
Constava-se que, após a última flagelação sobre Buruntuma, a partir daquele território conakrense, o ComChefe teria jurado vingança, se tal viesse a repetir-se.
Ora aí estava a reincidência malévula e provocatória, a pedir a necessária reprimenda, conforme o entendimento de Sua Excelência. Por isso o General ordenou o ataque imediato. Durante dois dias passaram viaturas com morteiros, canhões, obuses e munições. Igualmente, os especialistas para utilização desse armamento.
Ataque a Kandicá, retaliando o de Buruntuma
Assim, no dia 27FEV70, desencadeou-se um ataque de retaliação a Kandicá. De madrugada seguiram os obuses de Piche, bem como o 1.º Pelotão da 2679, e o Azevedo, meu companheiro no Foxtrot, com a especialidade de Armas Pesadas. Em duas Dornier's seguiram o Comandante da ZAVERDEGUINÉ, o Comandante do Agrupamento Leste, o Comandante do BAC1, os majores e 2.º comandante do BART e o Cap António Oliveira.
Dispuseram-se as armas pesadas ao lado da pista, paralelamente à linha de fronteira, em área aberta e já desmatada, de onde começou a retaliação. Ao Azevedo foi atribuído o comando da bateria de morteiros, e desenvencilhou-se a contento. Quando começou a resposta do IN e se verificou que seria continuada, os oficiais superiores e o nosso capitão refugiaram-se no posto de comando e chamaram o Azevedo para os acompanhar, pois a zona era nula em segurança. Entretanto, o Azevedo tomou a decisão de reunir o pessoal que lhe fora confiado, para transferir os morteiros do campo aberto, onde era impossível permanecer e instalá-los na vala próxima, para dali responder ao fogo conakrense. Não conseguiu disparar, porque os pratos de assentamento dos morteiros não tinham estabilidade nas valas estreitas, mas pela coragem e determinação foi bastante elogiado.
Quanto ao 1.º Pelotão, era, talvez, o melhor preparado para a tarefa que lhe coube, em resultado da atitude de exigência e disciplina imposta pelo Alf Leite, bem secundado pelos excelentes furriéis Morais e Gonçalves, teve a ingrata missão de garantir a segurança em campo aberto, prevenindo qualquer manobra de envolvimento por parte do IN, para surpreender as nossas armas pesadas, ou o acesso à pista, onde permaneciam as duas aeronaves que, por sorte, não foram atingidas. A acção das NT durou cerca de 1 hora e 30 minutos. A reacção inimiga prolongou-se por 13 longas horas.
Transcrevo o relato desse angustioso tempo, feito pelo Cândido Morais, que nós, em Piche, seguíamos ansiosamente, via rádio, mas bebericando uns uísques para amainar.
E tu a dar-lhe.
Sabes que a ninha memória já não é como a tua, que diabo!
Mas olha, fomos para Buruntuma juntamente com as armas pesadas de Piche. Não me lembro a que horas lá chegámos, mas fomos imediatamente destacados para cobrir a pista. A nossa missão resumiu-se a protegermos o espaço que nos foi destinado, e ali aguentãmos estoicamente, não obstante a artilharia pesada (do IN) não nos ter dado um minuto de descanso. Lembro-me de que, já para o fim da refrega, apareceu lá um helicóptero com o Spinola, que fez questão de mandar formar o nosso pessoal, ainda com elas a cair, e, de pingalim na mão, fez-nos um grande discurso, elogiou o nosso comprtamento, e fez questão de mandar o Correia (salvo erro, António Alves Correia) dar um passo em frente para o abraçar, dizendo que aquele abraço se destinava a todos nós.
O Correia era um moço loirinho, de pequena estatura, com quem mantive contacto durante uns tempos, porque no fim da comissão, quando retirávamos de Copá para irmos para Bafatá (se bem te lembras fomos premiados com essa benesse de um mês de férias...) ele descobriu uma mina anti-carro e eu levantei-a. Como isso dava três contos a dividir em partes iguais pelos dois, e só recebi esse dinheiro quando já estava em Perre, mandei a parte dele para a Madeira.
A retirada para Piche foi feita já ao cair da noite e foi absolutamente necessária porque seria impensável que o aquartelamento ficasse sem os obuzes. Lembro-me que as viaturas começaram a rolar ao longo da pista e nós íamos entrando já com elas em movimento. Chegámos a Piche já de noite. Em Buruntuma tive o prazer de encontrar o Benigno Magalhães, vianense e meu amigo, para além de colega nos ENVC. Ele estava a 15 dias de vir embora, e nós com 15 dias de Guiné.
P.S. ando à procura do nosso guião. Raios me partam se não o encontro para tentar fazer um scanner dele e não ter que te aturar.
Dixit.
Desta maneira singela fiquei agora a saber o seguinte:
1 - A ser verdade que cada mina valia três contos, a dividir pelos autores do achamento e do levantamento, tenho a certeza que o meu pessoal, por tê-las detectado, não recebeu qualquer importância, para além do conto e quinhentos que eu recebia, e passava a crédito na cantina, a favor do Foxtrot e, sendo assim, quer dizer que alguém se aboletou com o dinheirinho que competia a quem detectava cada mina. Uma pequena parte do minão que os chicos da 2679 desfrutaram;
2 - Não tinha qualquer ideia de que o 1.º Pelotão tivesse acabado a comissão em gozo de fèrias. Ele há filhos e... enteados. Mas observei que também o 3.º seguiu para Bafatá, tendo permanecido em Bajocunda o 2.º e o 4.º, onde desenvolveram intensa actividade operacional com a CCAV 3864, para adaptação desta ao sub-sector.
Em Buruntuma as NT sofreram 1 morto e 5 feridos, nenhum da CCAÇ 2679. Segundo informações posteriores, foi destruído o quartel de Kadinca, incluindo o paiol e registaram-se 8 mortos militares, incluindo o tenente, comandante da guarnição, além de muitos feridos. Segundo a mesma fonte, também teria morrido o chefe do Posto de Alfândega.
Tínhamos perdido a virgindade.
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Nota de CV
Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3203: História da CCAÇ 2679 (2): A caminho de Piche (José Manuel Dinis)
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