terça-feira, 7 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3280: O meu baptismo de fogo (4): Como fui praxado e bem praxado na BA12, em Bissalanca, em Setembro de 1968 (Jorge Félix)

Jorge Félix
Ex-Alf Pilav Helis,

BA 12, Bissalanca,
1968/70,
hoje residente em Braga

(Cortesia do blogue
Especialistas da BA12, Guiné 1965/74)


1. Mensagem de Jorge Félix, com data 1 de Outubro de 2008:



Assunto - O meu baptismo de guerra (*)

Caro Carlos, este foi o meu primeiro, contado "40 anos depois"...


Em 23 de Setembro de 1968 "encerra-se a presente caderneta, em virtude do seu titular marchar para a BA12, conforme O.S. da D.S.P de 26 de Julho de 68".

Em 28 de Setembro já voava para Catió, pelo que a minha viagem para Bissalanca deve ter sido no dia 25.

Para fazer uma rendição individual, eu mais o Alf Pinto - já falecido - tínhamos o Ten Ruana e Ten Arada ao fundo das escadas do avião que nos transportou, montados no jipe que nos transportava na placa de Bissalanca.

O comportamento, um tanto ou quanto estranho, só o percebi alguns meses depois, quando soube o que significava a palavra "apanhado pelo clima". Apeados no Biafra, assim se chamava o Bar dos pilotos em Bissalanca, foi ter que beber, até que todos os pilotos residentes nos tivessem cumprimentado e desejado boa estadia, num local que com certeza nós "iríamos gostar muito" (sic).

Depois de devidamente apresentados, zarpámos para Bissau. A praxe continha uma visita guiada à noite da "enigmática cidade". Ao longe escutavam-se uns sons parecidos com os foguetes amorteirados das nossas aldeias. Aquilo visto de perto é que tem piada.

Eu e o Pinto, já etilicamente tratados, a tudo dizíamos sim, a tudo com respeito olhávamos. A todos éramos apresentados, com a devida bebida a acompanhar, para selar a amizade.

Regressados à Base, até à cama fomos transportados. Bem, tinha que ser. Da maneira em que nos encontrávamos não seria fácil descobrir o local onde as camas estavam quanto mais as camas.
- Durmam bem, até amanhã ! - e ali ficámos.

Eu, num quarto sozinho, sentia um fortíssimo cheiro a Lion Brand , um antirrepelente para mosquitos, O silêncio era negro, o calor doentio, a casa de banho ficava muito,muito longe. O melhor era contar carneiros e tentar adormecer.

Foi o que aconteceu. Passados algum tempo de eu ter adormecido já sonhava com a guerra. Rebentamentos por cima da minha cabeça, ruídos fortíssimos esventravam as paredes e porta do quarto, tiros e luzes fortes queimavam o meu quarto, até que. Fui acordado por gritos aflitos de um companheiro que tentava apagar o incêndio que já ia avançado do tapete, ateado por verylights que tinham sido mandados para dentro do quarto.

Acordado, reconheci o som de latas e garrafas rolando por cima do telhado zincado. Vi na cara do Arada, Ruano, Pavão, enquanto tentavam apagar o incêndio, o medo que estava destinado a mim. Rapidamente tivemos que fugir daquele ambiente de fumo e fogo, até os bombeiros chegarem. Eu, arrastado até à rua, reclamava as minhas bolachas , o IN , todos os restantes Pilotos que praxavam os periquitos, respiravam fundo por se terem safo de um assalto que podia ter acabado mal.

Eu, sendo baptizado, nem baptizado fui.

No dia seguinte comentavam, ainda praxando:
- Se não morreste ontem, tão cedo não vais morrer!!

Jorge Félix

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Jorge: O VB, nosso querido co-editor, deu o mote, e eu lancei o desafio. Como foi isso, pá, a "primeira vez" do guerreiro ?... Uns pensavam que se borravam todos, outros que ficariam impávidos e serenos, metidos na vala ou abrigados atrás do bagabaga... Julgo que a situação da "primeira vez", o nosso baptismo de fogo, dá pano para mangas, dá histórias e estórias... E todos os registos são possíveis, dos mais dramáticos aos mais hilariantes, como o teu... Obrigado, Jorge. Vê-se mesmo que também bebeste a água da bolanha... E como o teu humor nos faz taão bem, nestes dias depressivos de outono e de maus presságios para todos nós, portugueses, guineenses, homens e mulheres de todo o mundo que apenas querem viver e trabalhar com dignidade, com decência... Imagina que hoje é o Dia Internacional do Trabalho Decente!... Um Alfa Bravo. Luís
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3270: O meu baptismo de fogo (3): O meu baptismo de fogo em Catió (Jorge Teixeira)

2 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3265: O meu baptismo de fogo (2): Primeiro ataque ao quartel de Có (Raúl Albino)

25 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3241: O meu baptismo de fogo (1): E depois, nunca mais houve paz em Cuntima... (Virgínio Briote)

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