A partida para a guerra (excert0): uma das mais emblemáticas fotos do Joshua Benoliel (1873-1932), o maior fotojornalista português das duas primeiras décadas do Séc. XX. Vd. Arquivo fotográfico do Arquivo Municipal de Lisboa.
Do blogue do nosso camarada João Tunes, Água Lisa, com a devida vénia:
Terça-feira, 11 de Novembro de 2008 > ATÉ O SOLDADO MILHÕES FOI GASEADO PELO ESQUECIMENTO
Pelo irrelevo que é dado à efeméride até parece que Portugal não participou na 1ª Guerra Mundial de que hoje se comemoram os 90 anos do armistício que lhe deu termo. O que é sobretudo chocante se tivermos em conta que não só milhares de soldados portugueses ali combateram como foram muitas as nossas baixas e as sequelas, entre mortos, feridos e uma enorme quantidade de compatriotas que tiveram o destino de carpirem todas as suas vidas o martírio dos gaseados.
Mas julgo que, no caso, não é propriamente a desmemória a funcionar. O que, diga-se, é mal que, em Portugal, cresce nas nossas esquinas da lembrança histórica. E, no entanto, ao contrário de outras guerras a que metemos armas (como a colonial), saímos dela do lado dos vencedores. O que, tendo em conta o automatismo do celebracionismo do sucesso que é marca dos tempos, transforma esta omissão numa espécie de paradoxo.
(...) Depois, se a ideia da participação na Guerra foi mal parida, todo o salazarismo foi, numa espécie de vingança póstuma do Sidónio abatido, um reencontro ideológico e diplomático com a nova Alemanha construída a partir dos escombros da sua derrota, particularmente como revanche da humilhação do Tratado de Versailles, para mais uma Alemanha despossuída de colónias em África.
E, então, durante toda a ditadura (particularmente, desde que foi afastado o seu chefe militar primeiro, Gomes da Costa, o qual havia combatido na Guerra), a memória da participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial foi relegada ao título de fenómeno inconveniente de um passado, o republicano, que havia que esquecer ou menosprezar. Até hoje. Que atingiu inclusive a lembrança do lendário Soldado Milhões (*), essa espécie de Zé Povinho soldado e que foi alçado a figura mitificada que durante muito tempo simbolizou as virtudes da valentia militar dos nossos beligerantes nas trincheiras da Flandres, desfilando com bigode e medalhas nas cerimónias evocativas mas pouco assistidas, o qual não só já se finou como levou consigo as últimas lembranças tangíveis de que Portugal participou e venceu numa das Guerras Mundiais, nunca o tendo celebrado com palmas e louros (...).
Selecção e negritos: L.G. (**)
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Notas de L.G.:
(*) Excerto da Wikipédia > Batalha de La Lys
(...) O Soldado Milhões
Nesta batalha [de La Lyz] a 2ª Divisão do CEP [Corpo Expedicionário Português]foi completamente desbaratada, sacrificando-se nela muitas vidas, entre os mortos, feridos, desaparecidos e capturados como prisioneiros de guerra. No meio do caos, distinguiram-se vários homens, anónimos na sua maior parte. Porém, um nome ficou para a História, deturpado, mas sempiterno: o Soldado Milhões.
De seu verdadeiro nome Aníbal Milhais, natural de Valongo, em Murça, viu-se sozinho na sua trincheira, apenas munido da sua menina, uma metralhadora Lewis, conhecida entre os lusos como a Luísa. Munido da coragem que só no campo de batalha é possível, enfrentou sozinho as colunas alemãs que se atravessaram no seu caminho, o que em último caso permitiu a retirada de vários soldados portugueses e ingleses para as posições defensivas da rectaguarda.
Vagueando pelas trincheiras e campos, ora de ninguém ora ocupados pelos alemães, o Soldado Milhões continuou ainda a fazer fogo esporádico, para o qual se valeu de cunhetes de balas que foi encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, foi encontrado por um médico escocês, que o salvou de morrer afogado num pântano.
Regressado a um acampamento português, um comandante saudou-o, dizendo o que ficaria para a História de Portugal, "Tu és Milhais, mas vales Milhões!". Foi o único soldado português da Primeira Guerra a ser condecorado com o Colar da Ordem da Torre e Espada, a mais alta condecoração existente no país.(...).
(**) Vd. postes anteriores desta série:
28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3375: (Ex)citações (5): Os nossos soldados eram miúdos, de 19, 20, 21 anos. Admiráveis. Iam matar e morrer (A. Lobo Antunes)
10 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3291: (Ex)citações (4): Pinto Leite, em Bambadinca, dois dias antes de morrer em desastre de helicóptero: Não há solução militar
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2951: (Ex)citações (3): A guerra de África acrescentou 15 anos ao regime de Salazar (André Gonçalves Pereira)
1 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2908: (Ex)citações (2): Conto histórias da vida, o que foi, o que será, sou 'kora djalô', tocador de kora (José Galissa)
2 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2324: (Ex)citações (1): Um pouco de humor de vez em quando também nos faz bem (Henrique Matos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Não há qualquer comemoração, porque tal acto ou actos não trazem votos.
Os políticos subordinam as suas palavras, acções, hora de intervenção e até a cor da gravata à opinião da empresa que cuida da "imagem". A focagem é pura e simplesmente na conquista ou na manutenção do poder.
Não passam de "máquinas" onde a ética, a honra e outros vectores semelhantes não cabem.
Quanto ao "post" gostei da lembrança, até porque sou neto de um combatente dessa que foi chamada de "Grande Guerra".
1 abraço
António Duarte - Cart 3493 e Ccaç 12
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