Manuel Traquina, ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70, enviou-nos no dia 11 de Novembro de 2008, mais uma das suas histórias para publicação na nova série As histórias de Manuel Traquina (*).
A aldeia de Mampatá
Baptismo de fogo e gemidos na noite
Decorria o mês de Maio do ano de 1968, depois de uma curta estadia em Bissau e Bula, a recém chegada à Guiné, Companhia de Caçadores 2382, foi incumbida de dar segurança a algumas aldeias daquela região sul da Guiné, eram elas Mampatá, Xamarra, e Contabane, próximo de Aldeia Formosa.
Mampatá era uma aldeia bastante populosa, no largo central encontravam-se algumas árvores de grande porte, junto das quais se improvisou a cozinha e o refeitório. O Homem Grande da aldeia, o Alferes Aliú, oficial milícia, ao ver chegar os militares brancos desfazia-se em amabilidades, (muito embora tivesse fama de colaborar com o PAIGC), e apressou-se a ceder algumas tabancas aos recém-chegados para que ali instalassem improvisadamente o depósito de géneros, posto de enfermagem e outros.
Como dormitórios, tínhamos já aprendido que era mais seguro dormir nos abrigos, havia já alguns, outros nós construímos. Foi ali que tivemos baptismo de fogo, o primeiro ataque ao aquartelamento, felizmente sem consequências graves, porque já todos tinham o buraco onde se abrigar. Comparado com outros que viríamos a ter mais tarde, foi uma pequena amostra, para mostrar aos periquitos que ali havia guerra.
No meu caso pessoal não gostava nada de dormir no buraco, onde acordava com os tiros da G3, abafado e cheio de picadas das formigas. Certo dia decidi arriscar, e vá de arrastar o colchão pneumático para um pequeno patamar junto de uma tabanca que ficava próxima. Foi ali que decidi pernoitar, desfrutando também um pouco do agradável fresco da noite, já que o calor daquele clima tropical, quase se tornava insuportável.
Mas dentro daquela tabanca, apenas separado pela parede de bambu entrelaçado e barrado com a vermelha terra da Guiné, apercebi-me que além do cocolear de uma galinha, alguém dormia e sofria.
No dia seguinte, muito sorrateiramente fui espreitar, e só então fiquei a saber quem tinham sido os meus companheiros de dormitório: uma mulher paralítica (ou talvez mesmo leprosa), lá estava na sua esteira montada sobre quatro estacas que lhe servia de cama! Debaixo da esteira uma galinha, aconchegava carinhosamente a sua ninhada de pintainhos acabados de nascer!
Com certo humorismo ainda hoje recordo aquela noite em Mampatá, em que o sofrimento e o gemer de alguém, era acompanhado do cocolear de uma galinha, de igual modo recordo também o amanhecer em Mampatá, em que se ouvia o canto das raparigas, acompanhando o bater característico do pilar do arroz.
Manuel Batista Traquina
Mampatá > Abrigo
Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados
2. Comentário de CV
Caro Manuel Traquina, como podes verificar, foi criada uma série para as tuas histórias. Ficas responsável por mantê-la viva. Continua a escrever porque gostamos de te ler.
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Nota de CV:
(*) Vd. postes da série de:
2 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2500: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (1): CCAÇ 2382 - A hora da partida
19 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3141: Venturas e Desventuras do Zé do Olho Vivo (2): O ataque de 22 de Junho de 1968 a Contabane
17 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3214: Venturas e Desventuras do Zé do Ollho Vivo (3): Contabane, 22 e 23 de Junho de 1968: O Fur Mil Trms Pinho e os seus rádios
1 comentário:
Manel.
Sabe sempre bem ler as tuas crónicas, não só pelo modo como escreves,mas porque falas das mesmas terras por onde andamos. A C.Caç 2381 seguiu as vossas peugadas, por Quebo e Mampatá onde tive o prazer de viver durante seis longos meses e por fim caminhamos lado a lado em Buba.
Duas notas:
Em Março deste ano fui a Mampatá, à procura de amigos comuns e da tal àrvore grande, mesmo no centro. Não a vi, segundo um filho do Aliu, um dos "putos" que por lá andava no nosso tempo, disse que tinha sido abatida, quando se rasgou a estrada para Cumbidjã
Quanto ao Aliu Baldé, sempre o tive como um homem bom e fiel, com as suas sete mulheres no harém.Das duas vezes que voltei à Guiné, recriei as amizades com filhos e filhas, nora , a conhecida Fátma ou Fármara- a mulher mais bonita que conheci até hoje e continua bonita e genro, o Suleimane.
Hoje, olhando o passado comum vivido e um célebre ataque que sofri à hora do almoço,(http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/08/guin-6374-p2042-estrias-do-z-teixeira.html) em que o IN tentou entrar e queimou 11 moranças, duas coisa aconteceram; a primeira foi o facto da população ter desaparecido tão rapidamente nos abrigos que me levou a pensar que estava informada, a segunda, foi ver o Alferes Aliu de morteiro 60 a correr com o IN, correndo daqui para ali a "despachar" morteiradas, enquanto o pessoal branco corria para os seus locais de defesa. Contorverso sem dúvida.
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