segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3430: Bibliografia de uma guerra (36): No ocaso da Guerra do Ultramar, de Fernando Sousa Henriques. (Helder Sousa)

Mensagem do Helder Sousa, ex-Fur Mil de Transmissões TSF
Bissau e Piche
1970/72


Caros Editor e Co-Editores

Em anexo envio um texto com umas observações que faço sobre um livro que li e que tinha em tempos prometido dar algumas indicações.

Reenvio também uma foto que já tinha remetido em finais de Abril com a capa desse livro.

Aproveito para também vou enviar uma foto minha com o "visual" actual.


“NO OCASO DA GUERRA DO ULTRAMAR”

(Livro de Fernando de Sousa Henriques)


Já faz algum tempo que mencionei o facto de ter tido a oportunidade de encontrar mais um livro que se debruça sobre a questão da participação na guerra, concretamente na Guiné, e particularmente na zona Leste.

A propósito disso, o Luís Graça pediu-me se podia fazer um pequeno resumo de apresentação, ao que eu me dispus mas, como entretanto tinha emprestado o livro, só agora isso será possível e acho que ainda vai a tempo, porque não lhe vi referências no nosso Blogue.

Então o livro tem como título principal o acima indicado “No Ocaso da Guerra do Ultramar”, e como subtítulos “Uma Derrota Pressentida” – “Notícias de um Correspondente de Guerra – Combatente na Guiné” e é da autoria de Fernando de Sousa Henriques.

Obtive-o num encontro de camaradas que pertenceram à CCS do BCAV 2922, sediada em Piche, sendo esse Batalhão (e as suas Companhias colocadas em Buruntuma e Canquelifá) substituído pelo BCAÇ 3883, ao qual o autor do livro pertencia, mais propriamente integrando a CCAÇ 3545. Como o autor retrata os mesmos locais e até faz largas referências à fase de “passagem de testemunho” entre esses dois Batalhões, foi natural ter aparecido nesse convívio.

Da ficha técnica pode-se retirar que a impressão e acabamentos pertenceram a Coingra, Lda., mas não tem mais indicações a não ser os contactos com o autor que sabemos ser Fernando de Sousa Henriques, ter o telemóvel 919534059 e o endereço de mail fernando.sousa.henriques@gmail.com , para o caso de algum camarada o quiser contactar.

O autor foi Alferes Miliciano de Operações Especiais e encontrou-se na Zona Leste no período de 1972-74 sendo que foi testemunha directa do final do conflito pois o regresso só ocorreu em Julho de 1974. É natural do concelho de Estarreja e encontra-se radicado na Ilha de S. Miguel (Açores) onde desenvolve a sua actividade profissional (na Administração Portuária do Porto de Ponta Delgada), colaborando activamente com a ADFA-Açores.

Dedica o seu livro, que “não se destina apenas a ex-Combatentes e a Militares” e que resulta de uma promessa que fizera, aos seus Camaradas de Batalhão, procurando referir como se vivia na Zona Leste da Guiné, no período em que o então IN incrementava aí a sua actividade, procurando levar a cabo a, por si denominada, “Limpeza do Leste”.

Parte muitas vezes, naturalmente, da sua experiência pessoal, do seu percurso desde as “sortes”, à recruta, às “operações especiais”, situações que aqui e ali nos foram familiares, uns nuns casos outros noutros, mas as suas “reflexões” sobre os acontecimentos, os seus relatos sobre as situações vividas e mesmo até os registos sobre as diversas ocorrências são dignos de registo e de leitura cuidada.
Por exemplo, já tem sido várias vezes abordada no nosso Blogue a questão da solidariedade para com os militares “nativos” que combateram (forçados ou não) do nosso lado mas o Autor tem, quanto a mim, a páginas 101 do livro, umas reflexões e uma frase final que bem merecem destaque.

Diz ele: “Na altura da partida para a Guiné, pedi a Deus que me permitisse regressar à Metrópole e que trouxesse, de cada operação realizada, para o Quartel, os que comigo tinham partido. Mas…. engano meu, pensei 'em branco' e esqueci-me dos camaradas pretos. Os brancos que comigo partiram em meras patrulhas, em acções, em operações, ou em picagens, regressaram ao aquartelamento, mas, dos amigos africanos, deixei vários para trás, mortos ou bem feridos. Deixar atrás não significa abandonar, mas foi, outrossim evacuar ou trazer mortos. A vida jogava-se com mais facilidade do que as peças num tabuleiro de xadrez e a imprevisibilidade era a palavra de ordem. Aí sim, tornámo-nos irmãos, ou ainda mais, porque unidos pelo sacrifício e dor, para além do sangue e suor derramados. Se o coração se nos apertou, quando deixámos a Família, na hora da partida, voltámos a ficar constrangidos.”

Não quero alongar-me nesta referência a um livro que li e gostei, tanto mais que foca locais onde estive algum tempo e que me são familiares em termos de paisagens. Recomendo-o para todos os que se interessam por estas questões, para fazerem um comparação com os locais por onde andaram, para verem como apesar da relativa pequenez do território e de alguns aspectos comuns (emboscadas, operações, patrulhas, ataques, flagelações, minas, etc.,), a sua geografia acaba por tornar bem diferente o tipo de acção que se desenrolou no Sul, na zona das grandes matas ou nas áreas mais tipo savana, como estas a Leste.
É de particular interesse para os amigos que estiveram por Nova Lamego (Gabú), Piche, Canquelifá, Buruntuma e seus destacamentos, incluindo aqui Copá.

Hélder Sousa

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Nota: artigos da série em

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3375: (Ex)citações (5): Os nossos soldados eram miúdos, de 19, 20, 21 anos. Admiráveis. Iam matar e morrer (A. Lobo Antunes)

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