sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3454: Historiografia da presença portuguesa em África (9): Carta da Guiné, 1843











Cópia pública do carta original patente na Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa (reproduzida, aqui, com a devida vénia) (*)... Imagem completa (a 1ª a contar de cima) e depois seccionada em quatro.

A carta da Guiné portuguesa [ Material cartográfico] / Lith. de A. C. Lemos

AUTOR(ES):
Lemos, A. C., fl. ca 1833-1843, litog.
ESCALA:
Escala [ca 1:950000]
PUBLICAÇÃO:
[Lisboa] : Lith. A. C. Lemos, 1843
DESCR. FÍSICA:
1 mapa : litografia p&b ; 28,20x31,30 cm, em folha de 31,90x40,60 cm
NOTAS:
Escala determinada com o valor calculado de 11,70 cm para o grau de latitude
CDU:
916.652"1845"(084.3)
912"18"(084.3)
END. WWW:
http://purl.pt/1839


Comentário de L.G.:

A carta de 1843 delimita as fronteiras da então Guiné Portuguesa, a norte, pelo Rio Casamansa (hoje território do Senegal) e o Rio Nunes (sito hoje na Guiné-Conacri). O território da actual Guiné-Bissau é apenas uma réstea das vastas áreas de influência portuguesa, que iam do actual Senegal e da Gâmbia, até ao golfo da Guiné, passando pela Costa do Marfim a Costa do Ouro, paragens que os portugueses foram os primeiros europeus a explorar, em meados do Séc. XV.

A primeira metade do Séc. XIX - período conturbadíssimo da nossa história (invasões franceses, fuga da corte para o Brasil, revolução de 1820, independência do Brasil, guerra civil entre liberais e absolutistas, fim do 'ancien régime', início da modernização da economia e do Estado) - representa, por seu turno, o momento mais baixo do envolvimento de portugueses e caboverdianos na chamada Senegâmbia.

Um homem lúcido e corajoso, o luso-africano Honório Barreto (1813-1859), alerta Lisboa para a necessidade de unificar as poucas feitorias, isoladas a que se confinava então a presença portuguesa.

Em 1842 havia dois concelhos (ou circunscrições) com algumas feitorias:

(i) Bissau, com a respectiva praça, o presídio de Geba, a ilha de Bolama e a ponta de Fá;

(ii) Cacheu, com os presídios de Cacheu, Farim, Ziguinchor e Borlor.

Os portugueses limitavam-se a circular ao longo dos rios Casamansa, Cacheu, Geba e o Grande de Buba. Não havia comunicações por terra, ou melhor, estavam-lhes interditas, devido à hostilidade dos nativos.

Cacheu foi sobretudo o primeiro porto, fundado em 1588, e depois vila em 1605. Em 1822 tinha uma praça-forte, construída em adobe. Por volta de meados do Séc. XIX, terá já cerca de 1800 habitantes. A norte de Cacheu, os franceses tinha ocupado a foz do Rio Casamansa em 1822.

Entretanto, em Maio de 1886 são delimitadas as fronteiras entre a Guiné Portuguesa e a África Ocidental Francesa, passando a região de Casamansa para o controlo da França, por troca com a região de Quitafine (Cacine), no sul do país. A cedência da praça-forte de Ziguinchor faz parte destes acordos.

As potências coloniais europeias traçavam então, a seu bel prazer, os mapas (e os destinos dos povos africanos) a régua e esquadro...

Bissau, por sua vez, nasce em 1766, com o início da construção da fortaleza da Amura, São José da Amura. (Será reconstruída em 1858-1860, sob direcção do capitão e engenheiro Januário Correia de Almeida).

Em 1884, a vila de Bissau (ou de São José de Bissau) já apresentava algum desenvolvimento urbano, com casas de dois pisos sob arcaria, junto à Amura. O traçado colonial da cidade, dos anos 40 e 50, terá seguido o plano urbanístico, de rectícula geométrica, de 1919, da autoria do engenheiro José Guedes Quinhones.

Mas a capital até aos anos 40 é Bolama, fundada no Séc. XVII. Há uma planta de 1913.


1. A Guiné Colonial: cronologia resumida
(Elementos coligidos por L.G. Em construção)


(i) No século XIII, chegam a esta região da costa ocidental de África os povos naulu e landurna, na sequência do declínio do império do Ghana.

(ii) É já no século XIV que esta zona passa a integrar o vasto império do Mali, vindo os primeiros navegadores portugueses a estabelecerem contacto com ela em 1446-47. Inicia-se então um longo processo de implantação do monopólio comercial na região, incluindo ouro e escravos, o qual vai ser, durante muito tempo, frequentemente e sobretudo contestado por corsários e traficantes franceses, holandeses e ingleses.

(iii) Em 1588 os portugueses fundam, junto à costa, em Cacheu, a primeira povoação criada de raiz, a qual será sede dos capitães-mores, nomeados pelo rei de Portugal, embora sob jurisdição de Cabo Verde; passa a vila em 1605.

(iv) Seguir-se-á a criação da localidade de Geba, bem no interior do continente.

(v) Em 1642, os portugueses fundam Farim e Ziguinchor (hoje, integrando o território do Senegal), a partir da deslocação de habitantes de Geba, dando início a uma ocupação das margens dos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buba, a qual se torna efectiva em 1700, passando então a zona a ser designada por Rios da Guiné.

(vi) Entre 1753 e 1775 inicia-se a construção da fortaleza da Amura, a partir do trabalho de cabo-verdianos, vindos especialmente das Ilhas de Cabo Verde para o efeito. E o nascimento da futura vila, cidade e capital de Bissau.

(vii) Em 1800 a Inglaterra começa a fazer sentir a sua influência na Guiné, iniciando a sua reivindicação pela tutela da ilha de Bolama, arquipélago dos Bijagós, Buba e todo o litoral em frente.

(viii) Com a abolição da escravatura no século XIX (Em Portugal, em 10 de Dezembero de 1836), sobrevém uma crise económica que tem como consequência o início da produção de novas culturas, como a mancarra (amendoim) e a borracha.

(ix) Honório Pereira Barreto, natural do Cacheu, filho de pai caboverdeano e mãe guineense, é nomeado provedor de Cacheu, por decreto de 30 de Março de 1843; em 3 de Fevereiro de 1844, domina a revolta dos Manjacos no Cacheu, com o auxílio do seu tio Francisco Carvalho Alvarenga, comandante de Ziguinchor; no mesmo ano, em 11 de Setembro, eclode a "guerra de Bissau";

(x) Honório Barreto domina a revolta dos grumetes do Cacheu, com reforços vindos de Ziguinchor; concede-lhes depois perdão, uma vez feita a paz (8 de Dezembro);

(xi) Em 1859, morre Honório Barreto na Fortaleza de São José de Bissau (26 de Abril);

(xii) Em 1870, por arbitragem do presidente dos EUA, Ulysses Grant, a Inglaterra desiste das suas pretensões sobre Bolama e zonas adjacentes (21 de Abril); ainda neste ano, é feito um acordo com s régulos nalus, estendendo a influência portugesa no sul da Guiné até à foz do Rio Tombali (24 de Novembro);

(xiii) Com a vitória militar dos felupes de Djufunco, em 1879, no que ficou a ser conhecido na história como o “desastre de Bolol”, onde os militares portugueses sofreram uma dura derrota no confronto com as populações locais, a coroa portuguesa decide a separação administrativa de Cabo Verde e a criação da “Província da Guiné Portuguesa”, com capital em Bolama;

(xiv) Desaire militar dos fulas no ataque a Buba (1 de Fevereiro de 1881); o filho do régulo fula Alfa Iaiá reconhece o protectorado português sobre parte do Futa Djalon, por tratado de 3 de Julho;

(xv) Numa tentativa de afirmação da soberania portuguesa, verifica-se então o início de acções militares punitivas contra os papeis em Bissau e no Biombo (1882-84), os balantas em Nhacra (1882-84), os manjacos em Caió (1883) e os beafadas em Djabadá (1882).

(xii) A estratégia colonial passa igualmente por uma segunda vertente: o apoio sistemático com tropas e armamento a uma das partes dos conflitos indígenas. É o que se passa em 1881-82, com o apoio aos fulas-pretos do Forreá na sua luta com os fulas-forros.

(xiii) Os focos de contestação e a rebelião permanente e consequente dos diversos grupos étnicos fez com que o poder colonial se limitasse ao controlo de algumas praças e presídios (Bissau, Bolama, Cacheu Farim e Geba).

(xiv) Paralelamente, começa a instalação de propriedade de colonos ou de luso-africanos, em várias explorações agrícolas de grande dimensão (pontas) inicialmente dedicadas ao cultivo da mancarra.

(xv) Assinatura em Paris da convenção franco-portuguesa de delimitação das fronteiras da Guiné (15 de Janeiro de 1886); em 12 de Maio de 1886, são delimitadas as fronteiras entre a Guiné Portuguesa e a África Ocidental Francesa, passando a região de Casamansa para o controlo da França, por troca com a região de Quitafine (Cacine), no sul do país; em Sancorlá, no Geba, o tenente Geraldes vence os fulas-pretos comandados pelo célebre régulo Mussá Moló (23 a 30 de Setembro de 1886);

(xvi) A população desencadeia a partir do final do século XIX uma decidida vaga insurreccional no Oio (1897 e 1902), no Chão dos Felupes (1905), em Badora e no Cuor (1907-08); a Guerra de Bissau (1908) junta Papeis e Balantas do Cumeré; em 28 de Fevereiro de 1891, o Cumeré ataca fortaleza de São José de Bissau (Amura);

(xvii) O ministro Ferreira do Amaral transforma a Guiné, por decreto de 21 de Maio de 1892, num distrito militar autónomo;

(xviii) Em 10 de Maio de 1894, papéis e grumetes agridem (e fazem extorsões a) os comerciantes em Bissau; o governador Sousa Lage, com o apoio de duas canhoneiras chegadas de Lisboa, e de tropas vindas de Angola, Cabo Verde e Lisboa, conquista Intim e Bandin, chão papel;

(xix) Em 19 de Maio de 1899, o governador Álvaro Herfculano da Cunha obtém vassalagens voluntárias dos balantas e do régulo papel de Intim, reunindo-se com eles no Cumeré em Safim sem disparar um tiro, e pondo termo às campanhas contra as etnias animistas;

(xx) O capitão José Carlos Botelho Moniz parte do Cacheu contra os felupes de Varela que se recusavam a pagar imposto, atacando e destruindo a povoação, quebrando o mito de os brancos náo entrarem em território felupe e desarmando so de Djufunco e Egim (10 a 16 de Março de 1908);

(xxi) O governador Oliveira Muzanty, com reforços da Metrópole, organiza a maior expedição militar na Guiné (até 1963!), vencendo a resistência dos beafadas liderados pro Unfali Soncó no Cuor e Ganturé; restabelece as comunicações entre Bissau e Bafatá (5 a 24 de Abril de 1908); a 15 de Maio, a expedição militar regressa à Metrópole;

(xxii) Segue-se um período que vai de 1910 a 1925 de resistência à forte repressão das forças coloniais as quais lhe deram o nome de “guerra de pacificação”, embora os verdadeiros objectivos das acções militares fossem o de pretender eliminar os chefes militares africanos mais combativos, impor pela força o pagamento pelas populações de impostos à administração colonial (o imposto de palhota), e aceder mais facilmente aos recursos económicos e humanos existentes no território.

(xxiii) Entre vitórias e derrotas das populações insubmissas, dois nomes emergem neste período: por um lado, João Teixeira Pinto, militar que já na época tinha uma longa carreira colonial e que, entre 1913 e 1915, exerceu sanguinários massacres sobre as populações locais nas chamadas campanhas do Oio (1913-14); e por outro, Abdul Indjai, que fora auxiliar de Teixeira Pinto na sua acção em Canchungo e que se revolta acabando por ser preso em Mansabá, em 1919, deportado para Cabo Verde e mais tarde para a Madeira.

(xxiv) A campanha d0 Oio termina vitoriosa com a criação de um posto militar em Mansabá e a captura de um elevado número de armas (17 de Junho de 1913);

(xxv) A campanha contra os manjacos termina, depois da prisão do régulo de Bassarel; são criados os postos de Caió e Bassarel e apreendidas grandes quantidades de armas (10 de Abril de 1914);

(xxvi) A campanha contra os balantas inclui a batalha de Encheia, uma das mais ferozes da história da Guiné; instalação de um posto em Nhacra (4 de Julho de 1914);

(xxvii) Decretado o estado de sítio na ilha de Bissau início da campanha contra os papéis (13 de Maio de 1915);

(xxviii) Campanha contra os papéis e os grumetes; queda de Biombo, prisão do respectivo régulo; criação de 4 postos militares: Bor, Safim, Bijemita e Biombo; concluída a a 'pacificação' e a unificação do enclave da Guiné portuguesa, com o pedido de paz do Tor (17 de Agosto);

(xxix) Apesar do poder colonial considerar como 'pacificado' e 'dominado' o território, nos anos posteriores, muitas regiões voltaram a rebelar-se e antigos focos de resistência ressurgiram, como o caso dos bijagós, entre 1917 e 1925 e dos baiotes e felupes em 1918.

(xxx) Neste período, são implantadas uma série de medidas legislativas que irão determinar durante longos anos a gestão politico-administrativa da Guiné: divisão da população residente em civilizada (assimilada) e indígena; legalização da prática de recrutamento de mão de obra para trabalhos obrigatórios; imposição do local de residência e limitação dos movimentos da 'população não civilizada', através de cadernetas e guias de marcha; tipo de relações funcionais dos titulares administrativos com os auxiliares indígenas e autoridades gentílicas (cipaios, régulos, chefes de tabanca, etc.).

(xxxi) Em 1921, com a chegada do governador Jorge Velez Caroço, ir-se-ão implementar as primeiras medidas de longo prazo nas alianças do poder colonial com os poderes locais, em particular no quadro étnico-religioso privilegiando-se as alianças com os muçulmanos, nomeadamente fulas, em detrimento das etnias animistas;

(xxxii) Entre 1925 e 1940 prosseguiram as revoltas militares dos papeis de Bissau, dos felupes de Djufunco (1933) e Susana (1934-35) e dos Bijagós da ilha de Canhabaque (1935-36), os quais se recusaram a pagar o imposto de palhota até 1936;

(xxxiii) Este período é marcado igualmente pelo início da construção de infra-estruturas (estradas, pontes e alargamento da rede eléctrica), pelo desenvolvimento da principal cultura de exportação, a mancarra,

(xxxiv) Data desta época a criação ou expansão de grandes empresas de capitais portugueses, como a Estrela de Farim e a Casa Gouveia (pertença da CUF - Companhia União Fabril), dedicadas à comercialização da mancarra e à distribuição de produtos em todo o território.

(xxxv) Verifica-se o surgimento de grandes pontas (explorações agrícolas) no Rio Grande Buba, na ilha de Bissau e em Bafatá e Gabú.

(xxxvi) A organização social colonial nessa altura tem, no topo da hierarquia, um pequeno núcleo de dirigentes e de quadros técnicos portugueses; a nível intermédio, funcionários públicos, maioritariamente cabo-verdianos (75%). O sector comercial é dominado por patrões e empregados cabo-verdianos. A nível inferior, a imensa maioria dos guineenses são trabalhadores domésticos e braçais, artesãos, agricultores e assalariados agrícolas nas pontas.

(xxxvii) Em 1942 a capital muda de Bolama para Bissau, que já então era, de facto, a “capital económica” da Guiné.

(xxxviii) Em 1950, dos 512.255 residentes só 8320 eram considerados civilizados (2273 brancos, 4568 mestiços, 1478 negros e 11 indianos) e destes, 3824 eram analfabetos (541 brancos, 2311 mestiços e 772 negros).

(xxxix) Em 1959, 3525 alunos frequentavam o ensino primário, 249 o Liceu Honório Barreto (criado em 1958-59) e 1051 a Escola Industrial e Comercial de Bissau.


Bibliografia consultada por L.G.:

História da Expansão Portuguesa, 4º vol. ed. lit Francisco Bettencourt e Kirti Chauduri. Lisboa, Círculo de Leitores, 1998.

História da Guiné e Cabo Verde, ed. lit. PAIGC. Paris: Unesco, 1973/74.

Nova História Militar de Portugal, 3º vol. ed. lit Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira. Lisboa, Círculo de Leitores, 2003.

Vd. também Portal Guiné-Bissau, criado pela AD - Acção para o Desenvolvimeno > História e Dados Económicos

Vd. postes do nosso blogue (**).
______________

Notas de L.G.:

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São sítios na Internet ou outros documentos originais em formato HTML, PDF, MS-Word, RTF, etc., criados pela BN ou por entidades externas que os depositaram na BND.

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(**) Vd. postes de

8 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2734: Guileje, colónia penal (1): Em 1897 havia um posto militar fronteiriço, português, em Sare Morsô (Nuno Rubim)

18 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz)

16 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3320: Historiografia da presença portuguesa (8): Abdul Indjai, herói e vilão (Beja Santos)

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