sábado, 5 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5409: Postais ilustrados (18): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - O Povo e os Costumes (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Aqui se põe termo à viagem pelos postais antigos da Guiné.
O pior é saber que nem tudo mudou significativamente, que há um pano de fundo de estagnação, até podemos especular sobre retrocessos. Este povo merecia mais e melhor.
Andei a fingir que o esquecia durante décadas, como se ele não tivesse sido determinante para o que sou hoje. Mas também não sei como recuperar o tempo perdido, a não ser amando-o.

Um abraço do
Mário


Uma relíquia: Postais antigos da Guiné (4)

Por Beja Santos

Chegamos hoje ao termo da homenagem que rendemos a João Loureiro e os seus “Postais Antigos da Guiné”, obra que bem merecia reedição. A quarta e última secção do livro arrancou em 1905 e vai terminar em 1970, e tem a ver com o que o autor denomina “o povo e os costumes”. Intervêm alguns fotógrafos portugueses, logo no início do século, seguem-se postais editados em França, ao longo de 1920 e depois, provavelmente devido às celebrações do V Centenário da descoberta da Guiné, irrompem as imagens exóticas dessa Guiné que é preciso mostrar a portugueses esquecidos e indiferentes. 1960 marcou um novo tipo de imagens graças a novos editores: Confeitaria Império, de Bissau, Casa Mendes, Foto Serra, Foto Iris, Agência Geral do Ultramar, Casa Gouveia.

O que há a dizer deste percurso? Estas imagens permitem visualizar o desenvolvimento ou a sua ausência, as actividades laborais, as infra-estruturas, a vida social, as hierarquias étnicas, os mercados, o folclore e a sua música. Há momentos em que o leitor sente que o tempo parou: aqueles régulos com os seus séquitos a cavalo tanto podem ser de 1905 como de 60 anos depois. Bissau, como é evidente, transfigurou-se nesses 60 anos: no casario ou nas fainas portuárias, mas o povo parece vestir a mesma indumentária que eu conheci entre 1968 e 1970. A construção da habitação parece-me intocada, as canoas são as mesmas, as imagens dos Balantas a caminho do trabalho não têm século, talvez pudessem ter sido tiradas ontem. É isso que constitui a memória paradoxal de uma Guiné parada no tempo e cuja curiosidade é o atractivo de um mundo perdido e não comparável com a nossa civilização: a alegria dos dançarinos Felupes, do homem Papel adornado com o que hoje chamaríamos piercings, um ferreiro Mandinga tirado de uma qualquer Idade Média, o mesmo se podendo dizer dos alfaiates, das lavadeiras, das vaqueiras, das mães a amamentar ou a dar banho aos meninos dentro da cabaça, ou os tocadores de Korá, imemoriais. Enviámos para as nossas famílias muitos destes postais datados dos anos 60 e até 1970. São antigos? É evidente que não, fazem parte do nosso património, ainda a levedar.

Estas imagens são belas mas igualmente terríveis, assinalam as razões por que se protestou e se lutou. Quem via o postal podia deslumbrar-se com o exotismo, mas foi penoso, ilegítimo até, ter submetido estes povos à paralisia económica e cultural e à mera atracção do bizarro turístico. É nesse sentido, parece-me, que também vale a pena rever estas imagens.

Hipopótamo caçado no Rio Grande de Buba, Editor A. Chevier, de Bordéus, cerca de 1915. Os escritores desta época ainda falam de elefantes e outra caça grossa que desapareceu com a guerra.

Embarque no vapor “Pinhel” na ponte-cais de Bissau. Não está identificado o fotógrafo, data cerca de 1945. É uma imagem soberba, quase temos dificuldade em acreditar que se trata do Pidjiquiti.

Estamos no tempo da divulgação do exotismo. O editor foi a Neogravura de Lisboa, cerca de 1945. Os ocidentais, apanhados de surpresa, são confrontados com danças tribais, tatuagens, um mundo arabizante, um pedaço do continente perdido sob a nossa custódia. A imagem é poderosa, destaca o vigor físico de alguém que nos fita, orgulhoso de quem é.

Pescadora Papel do Biombo. O editor foi a Foto Serra, cerca de 1966. Quantos de nós não enviaram esta imagem para a terra? Mesmo com prudência, não era coisa que se mandasse à namorada (insinuações à parte)...

Mercado, edição da Casa Gouveia, cerca de 1970. Senti-me transportado para Bambadinca ou Bafatá, mercados mais pequenos do que os de Bissau. Não acredito que as cores tenham perdido vivacidade. Como eu gostava de deambular, comprar especiarias, sentir-me penetrado por esta atmosfera de vozes, movimentos, odores.

Morros de baga-baga, edição da Foto Iris, cerca de 1969. Que idades terão estes meninos hoje, que sonhos, que venturas? Despeço-me do álbum de João Loureiro com a nostalgia do futuro. Os meninos merecem sempre mais, em sonho e em esperança. O postal pode não ser muito bom mas gosto muito da linha do horizonte e da pureza das nuvens. E os meninos são sempre os meninos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5404: Postais ilustrados (17): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Algum interior da Guiné (Beja Santos)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Amigo e Camarada. Obrigado pela colecao de postais,actuais e antigos,de uma terra que a todos nos marcou para o resto da vida.É uma frase feliz quando escreves:Fazem parte do nosso património ainda a levedar. Um sincero abraco do José Belo. (PS/espero que nao leves a mal mais uma das minhas congénitas perguntas menos próprias:-Tens a certeza que o animal abatido,no primeiro postal é um hipopótamo?Nao será antes um dos...outros?Os tais das margens do Rio Grande de Buba?)

Anónimo disse...

Camarada,se bem me lembro a Foto Iris era de um ex-militar da Força Aérea que se fixou em Bissau quando terminou a Comissão,salvo erro seus pais residiam em São Bartolumeu de Messines mas eram originários de S.Marcos da Serra,
concelho de Silves,não recordo seu nome.
José Nunes
1ºCabo Mec.Elect.Centrais
BENG.44