1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2009:
Malta,
Aqui vai algum interior da nossa Guiné. Evitei aquelas que falam de uma arquitectura degradada, sobretudo de Bafatá e Farim.
Preparem-se, na próxima edição junto os postais do nosso tempo, imagens tranquilas de folclore, mercados, tocadores de corá e fainas domésticas com que enganávamos as nossas famílias, procurando convencê-las que estávamos em pacífica aventura africana.
Um abraço do
Mário
Uma relíquia: Postais antigos da Guiné (3)
Por Beja Santos
Nas edições anteriores, percorremos a obra “Postais Antigos da Guiné” (por João Loureiro, Edição de João Loureiro e Associados, 2000, esgotado), primeiro com os postais de Bissau, desde 1900, mostrando as regiões limítrofes, até 1925, é a imagem de cidade entreposto, com os contingentes militares que vieram para as campanhas de pacificação, exibem-se régulos e famílias, mercados, casas de grumetes de Bissau, muitas vezes o porto a fervilhar de actividade, com os seus armazéns e estabelecimentos comerciais e aquelas ruas laterais que ainda conhecemos que ainda conhecemos nos anos 60 e 70, com reminiscências portuguesas; a Bissau capital data de 1941, rasgaram-se artérias, surgiram imponentes edifícios da administração, a fortaleza de São José da Amura foi reparada, emergiram os sinais imperiais com o Palácio, a Avenida Marginal, os monumentos aos heróis, os jardins, a Bissau com os bairros dos altos funcionários, a fanfarra da tropa nativa, o aeroporto. Como observa João Loureiro, os mais antigos postais fotográficos sobre a Guiné foram publicados por casas francesas, o fotógrafo de guerra José Henriques de Mello terá mesmo publicado alguns dos seus clichés em casas francesas, independentemente das imagens que mandou para periódicos portugueses na época.
As imagens que constituem a terceira parte da obra têm a ver com aspectos do interior da colónia e não são alheias à sua divulgação manifestações como a Exposição Colonial do Porto (1934) ou as celebrações do Quinto Centenário da Descoberta da Guiné (1946), surgindo depois firmas comerciais como a Foto Serra, a Casa Mendes, a Confeitaria Império, as Galerias Jotaeme e a Foto Iris, todas sediadas em Bissau, para além das edições da Agência-Geral do Ultramar e o Centro de Informação e Turismo da Guiné.
Muita da memória guineense está perdida ou desfalcada, sobretudo a guerra civil levou ao desaparecimento de documentos, à destruição de livros ou à inutilização de filmes e fotografias. Desapareceram computadores com preciosas bases de dados, tudo isto no apocalipse dos bombardeamentos e de actos de puro vandalismo. Felizmente que no tempo da guerra civil, e graças a um protocolo de cooperação entre o Governo da Guiné-Bissau, o PAIGC e a Fundação Mário Soares se conseguiu recolher documentação valiosa, a começar pelos manuscritos de Amílcar Cabral e o vasto leque de fotografias referentes a este líder político.
Pois estes velhos postais ilustrados proporcionam o registo de memórias como a vida na então capital, Bolama, à época detentora dos edifícios mais sumptuosos da colónia, mas também possuidora de monumentos bizarros como aqueles que Mussolini ofereceu à cidade como recordação da viagem de Italo Balbo de Roma até ao Atlântico Sul. São mostradas vistas de Bafatá, então a terceira povoação da colónia, os seus arruamentos, a ponte sobre o rio Geba, o edifício da Administração civil e a sua torre arabizante, mas também o porto de Farim e outras perspectivas, o imponente edifício da Administração de Nova Lamego (Gabu) e postais de pendor exótico, mostrando Felupes, Bijagós; convém recordar que a ilha de Bubaque e o arquipélago dos Bijagós se transformaram numa atracção turística, o próprio Governador possuía aqui uma residência de veraneio. A última série de postais vem na sequência destes aspectos de interior, mostrando o povo e os seus costumes entre 1905 e 1970. Estarão porventura aqui algumas das imagens mais importantes que nós mandámos às nossas famílias.
Quando cheguei ao porto de Bolama, em 1991, não acreditei no que estava a ver, uma lembrança de Mussolini, Arte Deco da melhor, à entrada de uma cidade em colapso. As estátuas coloniais portuguesas tinham sido apeadas e o monumento fascista ficara de pé? Em conversa com um dirigente do PAIGC, ele explicou-me que se tentou dinamitar a peça colossal, ela nem se mexeu. Os bolamenses habituaram-se a conviver com toda esta tonelagem.
Sonhei vezes sem conta em tomar um veleiro em Bambadinca e fazer este canal sinuoso até Bafatá. Já meti na minha agenda, é viagem obrigatória quando voltar à Guiné.
Lê-se no postal editado pela Foto Serra (cerca de 1966): Campune tocadora, homem tocado e vacabrutos, Bijagós. Os Bijagós tornaram-se uma atracção turística, compreende-se o gosto em enviar estas imagens que se vendiam em Bissau. À minha responsabilidade, mandei pelo menos uma dezena.
Mais dançarinos Bijagós, Foto Serra, cerca de 1966
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5399: Postais ilustrados (16): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Da Bissau nos anos 40 até à década de 70 (Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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