Caros editores,
Aceitando o desafio que me foi lançado pelo Luís Graça quando lhe referi estar a ler o livro do JERO “Golpes de Mão’s”, aqui vão as notas que recolhi. Lembro que mais não são do que notas recolhidas durante a leitura.
Caso vejam interesse e se decidam pela sua publicação, espero que estas ajudem outros camaradas a decidirem-se a lerem o livro.
Se assim acontecer, pedia o favor de ilustrarem com a capa do livro que já vi aí no blog.
Aproveito ainda para enviar ao JERO o meu abraço e pedir-lhe que continue a escrever como tão bem o faz.
Um abraço para toda a Tabanca
BS
2. Notas de leitura > GOLPES DE MÃO’S
de José Eduardo Reis de Oliveira
Por Belarmino Sardinha
Começa por descrever-nos quem é e como foi parar à Guiné, dizendo como se faz uma viagem em tais circunstâncias, neste caso concreto entre a minha cidade berço, Évora, e Bissau. Identifica o território, indicando os limites e contemplando a fauna e a flora. Inicia então depois a sua descrição de como foram passados os primeiros tempos. Lembremo-nos que estamos a tratar de um período que começa em 1964 e vai até 1966 quando a guerra, propriamente dita, havia começado em 1963.
Durante a estada em Bissau, presumo que se refere ao que mais tarde conheci por IAO, diz terem feito algumas patrulhas e emboscadas e que aproveitavam os momentos livres para irem até à 5.ª Rep, entenda-se Café Bento, ou até ao Pilão para assistirem a batuques. Mais tarde, em 1972/74 era mais para descarregar o pilão ou para uma cena de pancadaria, mas enfim, eram outros tempos, contudo, surpreendeu-me já classificar de 5.ª Rep o Bento, julgava que tivesse sido só mais tarde assim chamado.
Continua depois a descrever-nos, igualmente com elevada qualidade, a viagem feita de Bissau para Binta no navio Alexandre Silva e tem até uma frase interessante no final da sua descrição: "Finalmente eis-nos chegados… não tínhamos ainda a noção que Binta iria fazer parte das nossas vidas…
Ao longo do livro, no início de cada capítulo, dá-nos o conhecimento adquirido sobre alguns aspectos interessantes da história da Guiné.
Para se perceber bem as dificuldades de movimentação no terreno, uma carta do Comandante da Companhia, o então Capitão Tomé Pinto, lembra quanto tempo demoravam para percorrerem 16 Km. É-nos feito ainda um relato pormenorizado sobre o baptismo de fogo a que foram sujeitos na sua primeira emboscada a Lenquetó.
As decisões, difíceis de serem tomadas naquelas circunstâncias, por todos sem excepção, desde o atirador que procura eliminar o elemento que mais preocupa o seu comandante ao enfermeiro que tem de decidir se alguém fica…
Após a descrição de cada uma das emboscadas ou ataques sofridos, o autor brinda-nos com uma reflexão.
Não podemos, nem devemos, deixar de nos situar no tempo em que decorrem estas intervenções.
Dá-nos o autor o grato prazer de sabermos também o quanto era apreciada uma boa chefia militar, ilustrada com um texto sobre o seu comandante ao ser ferido e evacuado. Todos que por lá passaram sabem a importância de uma boa chefia…
No relato quase diário que nos faz nesta obra, o autor descreve bem o papel da tropa, não só no que respeita à guerra propriamente dita, mas também na procura da pacificação e desenvolvimento das populações, construindo escolas, procurando fixar os locais existentes e atraindo ainda os que, por força da guerra, voluntária ou forçadamente haviam abandonado os seus locais.
Diz-nos como começaram a ser organizadas por eles a festas natalícias, referindo-se mais concretamente ao espírito que presidiu o Natal de 1964. O autor destas linhas, em condições bem diferentes por ser de rendição individual sem ligações ou dependência a Batalhões, Companhias ou qualquer outra ordem organizacional que não a do quartel em Bissau, Stª Luzia, não viveu qualquer destas experiências nos locais onde passou os Natais.
Numa determinada passagem acerca de um ferido refere “foi-lhe aplicado um garrote dos fuzileiros… (pág. 230)”. Era bom que numa intervenção no blogue o autor ou alguém credenciado para o efeito nos explicasse a diferença dos garrotes utilizados pelo exército e os outros, para melhor sabermos a razão de sacrificarem os elementos desta tropa. Apenas uma questão de custos?
Continuamos a ler a obra e surge nova narrativa interessante de elogio ao comandante da companhia, provando assim que era mais importante quem comandava que propriamente o perigo que enfrentavam. Embora estejamos a falar de homens/meninos de vinte e poucos anos, endurecidos pela vida de apenas alguns meses, sabiam já a extrema importância de um bom líder na continuidade das suas vidas futuras.
Mais adiante, refere o autor, na pág. 256, o Café Noite e Dia, na baixa lisboeta… Julgo tratar-se do Noite e Dia, Café-Restaurante situado a meio da Av. Duque de Loulé, perto da estátua do Marquês de Pombal, mas ainda distante da Baixa. Este Café, assim chamado, era pertença de um branco e de um preto. (Preto e não negro. Embora seja possível a discussão pela utilização de um ou outro termo, para mim, negro está associado a escravo, trabalhador no porão dos navios mesmo que contratado… para além de que preto é que é o antónimo de branco).
Embora não tenha ainda visto com clareza ou bem definido em lado nenhum, quando e em que condições se aplica o termo de ar condicionado, o autor ilustra bem, quanto a mim, a diferença entre a realidade no interior, num qualquer aquartelamento ou mesmo num chamado quartel, de um qualquer outro em Bissau e da vida social aqui existente. Assim, conta-nos que, chegados a Bissau, não havia ninguém que os esperasse, estavam todos os oficiais num baile de gala na Amura, não havia por isso quem recebesse as suas coisas para poderem embarcar de regresso a casa no dia seguinte. Afinal não havia guerra na província da Guiné, havia era guerra no espaço fora de Bissau.
É igualmente elucidativo na sua escrita, as invejas e guerras intestinas entre oficiais, especialmente do quadro, transferida e espalhada depois aos restantes militares.
Também se encontram documentadas algumas passagens no tempo em que decorreu esta comissão, para não esquecermos o regime da altura e as pressões internacionais que nos diziam para sairmos a tempo e com benefício para todos. Infelizmente essa não foi a decisão.
Centrada na vida de uma Companhia, é uma narrativa de acontecimentos e vidas e termina da melhor forma, com a descrição de amizade que o autor pôde testemunhar e partilhar com alguns dos seus camaradas de armas, independentemente do posto, e lhes presta aqui homenagem nas páginas deste livro.
Esta obra ainda ilustra bem o que foi o trabalho dos militares na Guiné, contrariando aqueles que, não saindo de cá ou refugiando-se no estrangeiro, vieram depois dizer que andávamos lá aos tiros aos pretos…
São textos como estes que fazem falta para que mais tarde se possa escrever a verdadeira história dos acontecimentos ocorridos ao longo de 13 (treze) anos de guerra entre Portugal e as designadas Províncias Ultramarinas ou ex-Colónias, hoje países africanos.
Em linguagem simples mas cuidada, em letra de bom tamanho, oferece-nos o autor uma leitura agradável de factos verídicos e por vezes dolorosos, mas sem saudosismos, em consciência com a realidade política da altura.
Ao JERO (como se assina e é conhecido no meio) o meu obrigado por esta obra, contributo fundamental a juntar a tantas outras já publicadas.
BSardinha
28Nov2009
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4845: Bibliografia de uma guerra (53): Dois livros: “Memórias de um guerreiro colonial” e "Trauma" (Belarmino Sardinha)
Vd. último poste da série de 28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5364: Notas de leitura (40): De Conakri ao M.D.L.P., de Apoim Calvão (Beja Santos)
8 comentários:
Há quanto tempo não te lia meu Caríssimo Belarmino Sardinha, há quanto tempo.
Só para te mandar um abração forte do camarada Amigo Torcato
Blogger torcatomendonca disse...
Há quanto tempo não te lia meu Caríssimo Belarmino Sardinha, há quanto tempo.
Só para te mandar um abração forte do camarada Amigo Torcato
Quarta-feira, Dezembro 02, 2009 11:11:00 PM
Blogger torcatomendonca disse...
Há quanto tempo não te lia meu Caríssimo Belarmino Sardinha, há quanto tempo.
Só para te mandar um abração forte do camarada Amigo Torcato
Quarta-feira, Dezembro 02, 2009 11:11:00 PM
Parabéns, Belarmino, pelas tuas notas de leitura. Percebo agora melhor, depois da nossa longa conversa de há uns dias atrás, o teu "background" cultural e profissional, de homem ligado, desde os 18 anos, à Sociedade Portuguesa de Autores, habituado à escrita e aos escritores...
O nosso JERO, que já é um amigo de ambos, vai adorar este "feedback", crítico, de um leitor que também conheceu o TO da Guiné.
Um abraço para ambos. Luís
Um abraço virtual para o Belarmino e outro para o JERO. Espero abraçá-los, ao vivo, a ambos no próximo dia 9, na apresentação das Sextilhas do manuel Maia. A presença de ambos, enriqucerá o momento.
Vasco A. R. da Gama
Belarmino,
Li o livro, gostei muito, mas este seu resumo está óptimo e ilucidativo para quem ainda não leu.
Aproveito para agradecer ao "JERO" a amabilidade de me ter enviado o livro. Obrigada.
Cumprimentos
Filomena
Se não tivesse já lido o livro, necessáriamente seria o próximo.
Este texto é a melhor apresentação para um livro.
Parabens ao escritor e ao comentador.
Antes do dia 9 ainda temos de tomar ium café, que o frio já não convida à cerveja.
Um abraço
José Martins
Caro Belarmino
Vejo com satisfação que levaste a sério (como deve ser) o pedido do Luís.
Já conhecia, pelos 'posts' e não só, a validade da escrita e do trabalho do JERO. Agora, com o teu comentário/apreciação, o livro fica ainda mais valorizado.
Um abraço
Hélder S.
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